29.8.03

Ninguém sabia ao certo o que era Capital do Medo, o obscuro filme inscrito para concorrer com outros oito longas-metragens brasileiros à vaga de candidato brasileiro a uma vaga ao Oscar (o de produção estrangeira). Dirigido por Manoel Carlos, profissional egresso da Boca do Lixo nos anos 80 (onde rodou Vai e Vem à Brasileira (1982), painel com atores amadores sobre o lado saudável da juventude santista), o filme é subversivo. Primeiro, porque custou R$ 300 mil, investidos por um empresário do ramo de padarias e supermercados da Baixada Santista, sem mediação de leis de incentivo. Segundo, porque a história da formação de um sequestrador é encenada a partir de uma dramaturgia quase inexistente, contrariando a tendência de roteiros amarrados na fórmula causa-efeito, e tem atores não-profissionais empenhados em ferir nossos ouvidos ao discusarem/vociferarem os diálogos, também em contraposição às atuações naturalistas de gente famosa. Terceiro, porque as cenas de violência ganham representação desdramatizada e podem até soar como crítica à espetacularização da brutalidade.
Não é o caso de reverenciar o neo-udigrudi da rua do Triunfo, mas filmado em Alphaville (espécie de Barra da Tijuca da Grande São Paulo), apenas por ir na contramão do cinema de qualidade. Mas também seria redutor ver tal expressão apenas pelo seu exotismo e deslocamento no panorama atual. Há em algumas imagens sinais de um imenso desejo pelo cinema, a despeito da falta de articulação geral, e o resultado tem postura ideológica cristalina: satanizar os criminosos e assustar os espectadores. "Fiz um filme instrututivo para as pessoas se protegerem", diz o diretor Manoel Carlos, que tem quatro videos pornôs inéditos no currículo. "Escolhi os atores pela plástica". Plástica? Como assim? Eles tinham de ter cara de bandido?. "Isso mesmo", responde. Manoel Carlos evidencia a pobreza de recursos em suas opções narrativas. E justamente quando tenta driblá-la, fazendo elipses ou usando letreiros destinados a explicar o caos urbano, seu filme pulsa, mesmo em descompasso. "Meu filme é superior a Cidade de Deus", conclui. Para ser habilitado ao Oscar, terá de ser exibido, por pelo menos uma semana, até o dia 30 de setembro. Pode ser lançado em Ubatuba ou São Caetano do Sul.
(Cléber Eduardo)

27.8.03

Cine Monstro
Segue a vida. Pra quem está em Sampa, o programa pro fim de semana é evidente: Festival de Curtas.
E, aproveitando que o festival este ano está fazendo uma mostra de cinema de horror, neste domigo vai ser lançada lá no Cinesesc uma nova revista de cinema, que se diferencia por ser inteiramente dedicada ao gênero: é a Cine Monstro, publicação da editora Dark Side capitaneada pelo jornalista Carlos Primati (um dos responsáveis pela caixa de filmes do Mojica lançada em vídeo e DVD). A edição será mensal e vale a atenção - a Cine Monstro conta com um time de redatores apaixonados pelo gênero e antenados com as novidades (entre eles Thomaz Albornoz, colaborador também aqui da Contra, da Carcasse e de mais uma porção de lugares, e vários assinantes da lista de discussão que ele criou dedicada ao gênero, a Canibal Holocausto).
Taí a dica: vale a atenção. O lançamento é domingo, dia 30, às sete e meia da noite no CineSesc. Em seguida tem uma sessão internacional da mostra de horror - e quem for lá ganha a primeira edição da revista. Depois a pechincha vai custar R$ 6,90, mensalmente nas bancas. Eu só preferia que fizessem essa farra no Rio e não em Sampa, mas isso faz parte do jogo - o lance é dar um jeito de visitar São Paulo, aquela confusão.
Ainda próximo ao assunto, outra boa novidade: o Thomaz está voltando à coluna Fitas do Sótão! (Que nos próximos dias estará publicada na nova edição da seção DVD/VHS).
(Daniel Caetano)

26.8.03

Recebi impactado ontem pela noite a notícia da morte de Jairo Ferreira.
O sentimento de desolação é grande e mistura-se a lembranças de conversas em sua casa, nos encontros casuais nos bares e ruas de São Paulo, ou quando das mostras dos seus filmes - ainda a serem descobertos quanto à sua importância estética para o cinema.
Seus textos jornalísticos e o seminal Cinema de Invenção ficam como demonstração de uma grande capacidade analítica em relação aos filmes - pela forma mesma com que o autor estabeleceu esta relação - e como fontes que permitem ao leitor - particularmente aos mais jovens - apaixonar-se desesperadamente pelo cinema.
E aqui uma característica de Jairo Ferreira que compunha o seu enigma individual: a entrega desesperada.
A tristeza e a angústia presentes neste momento não permitem a reflexão, mas unicamente o lamento pela ausência.
EVOÉ JAIRO!
(Arthur Autran)

Antes de produzir qualquer "canto elegíaco", a homenagem mais imediata que podemos fazer a Jairo Ferreira é lê-lo. Ninguém nunca escreveu sobre cinema como Jairo. Ele conseguiu desenvolver um estilo subjetivista surpreendente, tornou-se o quase-memorialista/crítico da sua geração, do momento que viveram e do cinema que produziram. Soube produzir um texto livre de academicismos, tremendamente pessoal - e, no entanto, sempre cheio de idéias, associações e desenvolvimentos, nunca acomodado.
Já que a gente não tem mecanismo de busca (o Ruy usa o Google), segue então uma breve coletânea de Jairo Ferreira disponível aqui na Contra. Não sei se há mais textos na web, se alguém souber mande o link aí.
- Na edição 25/26 há vários textos de Jairo. Há um belo comentário sobre sua relação com Ozualdo Candeias na pauta dedicada ao cineasta, e há também uma coletânea de ensaios antigos feita pelo compadre Juliano Tosi. Juliano também escreve um artigo sobre Jairo - e este publica também um texto rememorando sua atividade como crítico.
- Em seguida, Jairo escreveu colunas para a edição 27, para a edição 29 e para a edição 30.
- Escreveu também uma crítica ao filme Tônica Dominante, de Lina Chamie (ele gostou muito).
- E, ainda na edição 30, publicou aqui a versão completa de um texto chamado Cinemagik, que fizera para a mostra sobre o Cinema Marginal que aconteceu no CCBB.
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Mas o Ruy já bem lembrou que o trabalho escrito mais importante de Jairo Ferreira foi o livro Cinema de Invenção, recentemente republicado pela editora Limiar (dá pra comprar em várias livrarias, até mesmo pela internet). Um livro e tanto - uma mistura de declaração de princípios, análise e crônica de um certo tipo de cinema e de certos olhares sobre o cinema. Nem marginal nem udigrudi - o título deixa claro que o interesse de Jairo era Invenção.
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Não custa lembrar que o Itaú Cultural fez um trabalho de preservação de filmes em super-8 que envolveu os filmes do cineasta Jairo.
Cabe uma homenagem com filmes também, ou não? Com tantos cineclubes por aí, espera-se que alguém consiga fazer a justa homenagem.
(Daniel Caetano)

25.8.03

Luto

Com dor e pesar informamos o falecimento de Jairo Ferreira, amigo, colaborador e influência decisiva deste veículo. Nos últimos anos, Jairo vinha lutando contra o alcoolismo. Graças à ajuda de amigos como Paulo Sacramento, Inácio Araújo e Carlos Reichenbach, ia aos poucos se recuperando numa instituição, quando vem agora essa triste notícia que nos tira definitivamente as esperanças num pronto restabelecimento. Autor do obrigatório Cinema de Invenção, dono de uma pessoal e instigante escrita que influenciou e educou algumas gerações (dos anos 80 à nossa), Jairo escreveu para a Folha de São Paulo, para o São Paulo Shinbum, Cine-Imaginário e, mais recentemente, para a Contracampo. Realizador, entre outros, de O Vampiro da Cinemateca e O Guru e os Guris, Jairo permanecerá em nossos pensamentos como um artista inquieto, dinâmico, sempre preocupado em cruzar referências, buscando criação, comoção e excitação das imagens de que é feito (e das que, para além dele, provoca) o cinema. Misto de argúcia crítica, psicodelia, esoterismo revolucionário e provocação, Jairo Ferreira sexualizou a escrita sobre cinema, suas linhas sendo uma extensão de sua expressão, com um formalismo próprio que colocava o gozo como incógnita necessária da função crítica. Passado este doloroso momento, faremos a única espécie de homenagem que Jairo merece e gostaria: um canto elegíaco para um homem que, como Oswald de Andrade (de quem é um notável sucessor), fazia da alegria a prova dos nove.
Ruy Gardnier

Da cerimônia de premiação de Gramado fica o registro público da disposição do ministro Gil: chegar a "cem filmes por ano" até o fim do mandato. É uma meta e tanto - o ministro está dando um trabalho dos bons pro doutor Orlando. Vai custar muito trabalho pra se chegar lá. E, bem, grana...
(Daniel Caetano)

Cineclube ABD
Bem, a febre dos cineclubes não pára. Vamos torcer pra não ser fogo de palha esse momento em que pipocam iniciativas diversas Rio de Janeiro afora.
Agora surge o Cineclube ABD, que vai exibir na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, filmes programados pela Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas, a tradicional ABD que dá nome à sessão e que produz o evento (junto com o MinC e, é claro, a Casa de Rui Barbosa).
Pra começar os trabalhos, um filme que começou tudo: vão exibir Rio Quarenta Graus, longa de estréia do mestre Nelson Pereira, em seguida ao curta de Sérgio Santeiro Humor Amargo (com Paulo José e Hugo Carvana) - depois de sessão tem debate com os diretores.
Revi Rio Quarenta Graus há pouco tempo, por conta de uns negócios que precisava escrever, e é impressionante como o filme continua fabuloso. É bonito pacas.
Bem, tá dada a dica. É quinta-feira, da 28 de agosto, às oito da noite, e a entrada custa quatro contos (a pechincha ainda tem desconto pra estudantes e abedistas).
(Daniel Caetano)

23.8.03

De Gramado 4
Atualizando a pauta 2 - os verbetes
ELIAS, Ricardo - Formado na ECA-USP, Elias realizou três curtas bastante premiados nos anos 90. Seu filme de estréia, De Passagem, joga um olhar interessado para os personagens da periferia paulistana tentando, propositadamente e mesmo como projeto, fugir da abordagem pelos caminhos mais óbvios da violência e do rap. Se, por um lado, o olhar afetuoso cria um retrato de relações humanas com um interesse especial pelo jogo do ambiente urbano com seus moradores, por outro há uma inegável condescendência excessiva com os personagens, uma certa tentativa de redimi-los de todos os pecados, que se torna um duplo, como espelho distorcido, da desumanização de outros filmes. Os atores principais dão vida a seus personagens, mas Elias transforma carinho numa proteção excessiva - atrapalhada ainda por uma narrativa um pouco truncada por uma decupagem por demais ligada ao modelo televisivo (onde Elias trabalha há algum tempo) e um roteiro inseguro de contar só com as ações o trajeto de seus personagens. Se com certeza não acerta de todo neste primeiro filme, é verdade que Elias pelo menos erra no caminho certo, e podemos esperar trabalhos promissores do cineasta.
GÓES, Moacyr - Vindo de uma carreira bastante premiada no teatro ao longo dos anos 90, e tendo experiência recente na teledramaturgia global, Góes acaba estrangulado por estas duas referências pessoais e realiza com Dom um filme que nunca consegue respirar por si mesmo, acima de tudo por estar todo baseado numa relação amorosa na qual não acreditamos nem por um segundo. Não é caso de se comparar o filme com a matriz machadiana (afinal, o próprio diretor chama seu filme de homenagem e não de adaptação), mas de ver que pelas suas próprias características o filme acaba sendo derrubado (o uso incomodamente óbvio de trilha sonora, fotografia, direção de arte, o apelo constante a uma chave melodramática nunca tornada adequada pelos atores e diálogos, etc). A se notar alguns bons momentos de atores na chave cômica (Bruno Garcia e Luciana Braga principalmente), o que nos faz torcer para que Góes deixe de lado a tentativa indigesta da mistura popularização+intelectualidade e simplesmente busque um projeto que aproveite seu talento com os atores em chave menos forçada. Resta ver o que será seu segundo longa, que estréia ainda este ano, onde trabalhou como contratado por Diller Trindade (também produtor de Dom e dos filmes da Xuxa) num produto bíblico voltado para o público católico, com a participação do Padre Marcelo Rossi.
MOTTA Filho, Geraldo - Nada na carreira anterior de Motta Filho (formado em filosofia, trabalha como assistente de direção em filmes de Carla Camurati, Murilo Salles, Alain Fresnot) faria esperar um documentário sobre Lucio Costa como seu projeto de estréia. Muito menos se poderia esperar que aquilo que começa como mais uma biografia jornalística-laudatória, acabe enveredando por uma discussão altamente técnica (mas nunca deixando de ser clara e interessante) sobre as proposições, papéis e mudanças no ideário do Modernismo da arquitetura e urbanismo nacionais. Chega a ser interessante ver que repercussão de público terá um filme tão "especializado", por assim dizer. Se não atinge maior brilhantismo é, no mínimo, uma opção inesperada na atual obsessão biográfica do cinema documental brasileiro. E, tendo-se em vista os antecedentes de Motta (que co-escreveu ainda um roteiro ficcional ainda não filmado com José Joffily), é difícil saber o que antecipa de sua carreira futura.
MORELLI, Paulo - Fundador há 20 anos da produtora Olhar Eletrônico (a mesma que viraria a O2 e de onde vem Fernando Meirelles, por exemplo), Morelli estréia com dois longas em 2003. O primeiro a ser exibido foi O Preço da Paz, projeto onde trabalha como diretor contratado, e que levou quase sete anos entre filmagem e lançamento. Nele, Morelli parece se exercitar na linguagem mais clássica, como em busca de domínio da mesma. Neste sentido, realiza um dos poucos filmes históricos do cinema brasileiro recente que nunca tropeça na precariedade (e aqui não se fala só de produção, mas também de estilo audiovisual e narrativo). No entanto, parece um filme dirigido com muito know-how e pouca alma, que aposta ainda numa visão "heroicizante" de figuras históricas, francamente conservadora em sua defesa de uma "paz" que esconde uma covarde capitulação. Difícil saber qual o projeto de carreira de Morelli por este filme, mas logo teremos o bem mais autoral Viva Voz.
(Eduardo Valente)

De Gramado 3
Atualizando a pauta - 1
Como havíamos indicado no próprio editorial da pauta principal deste mês, Gramado marca o início de sua desatualização, por isso cuidamos aqui de falar dos vários cineastas-estreantes sobre os quais ainda não tínhamos escrito (de Paulo Sacramento, Evaldo Mocarzel, Eliane Caffé, Alexandre Stockler e Betse de Paula já comentamos os filmes agora exibidos em Gramado). Começamos por dois cineastas que já estão listados por terem estreado antes, mas cujos filmes não havíamos visto ainda.
Noite de São João, de Sérgio Silva - Adaptando o Strindberg de Senhorita Júlia para o ambiente gaúcho do início do século, Silva infelizmente esbarra num miscasting grave que faz com que todo seu elenco feminino pareça completamente distante dos personagens que tentam interpretar - o que é muito grave quando notamos que elas são essenciais para a narrativa (a ver pelo título original). Além disso, o roteiro passa longe de conseguir dar a complexidade na qual a direção de Silva parece resvalar, e vemos um filme que se tenta sutil, sendo apenas desinteressante.
Concerto Campestre, de Henrique de Freitas Lima - Equivocado em tom do início ao fim, o filme tenta se redimir de uma quase sempre cômica obviedade com um final que coloque o filme no terreno do mítico, do surrealismo trágico-operístico (claro que referendado e explicado de forma inequívoca nas falas). Trata-se apenas do fecho absurdo de um filme sem maior interesse, que não merece elevar por si o trabalho nem ao patamar da estranheza-cult. Finalmente, falemos dos que estrearam de fato em Gramado, copiando nosso formato do verbete (explicando que o documentarista Bebeto Abrantes não está listado porque seu Recife/Sevilha não é de fato um longa, tendo 52 minutos).
(Eduardo Valente)

De Gramado 2
Os latinos
Um dos temas mais correntes entre os presentes no Festival de Gramado foi a melhor qualidade da competição latina em relação à brasileira. Mas, como quase todos os clichês, este precisa ter contextualizado seu tal "fundo de verdade". Afinal, a seleção brasileira é limitada a filmes inéditos finalizados neste momento, enquanto a latina faz uma "seleção" de fato, com os melhores filmes de cada país nos últimos tempos. E, pensando bem, nem foi assim tão forte. O representante mexicano (Cuento de Hadas para Dormir Cocodrilos) bebe nas águas de Ripstein-Buñuel-Glauber, sem jamais conseguir dominar de fato a seara. O português (A Selva) faz pouco uso do seu enorme orçamento. Quanto aos três filmes mais elogiados, embora trabalhos importantes, não configuram qualquer obra-prima. Boa parte de sua simaptia vem (com justiça) das posições tomadas contra alguns dos temas mais atuais nos países latinos e periféricos (desemprego, crise econômica, venda de patrimônio para o estrangeiro). Mas, afora as boas (e até mesmo ótimas) intenções, o que tivemos foi um painel um tanto desigual. Lugares Comunes, o melhor dos filmes, reforça a habilidade atual do cinema argentino em retrabalhar a fonte do melodrama na chave das questões sócio-políticas do momento. Los Lunes al Sol, o representante espanhol, traça um painel desencantado da situação dos desempregados locais, contando com um desempenho impressionante de Javier Barden. No entanto, se consegue momentos preciosos, apela para uma narrativa que podia se chamar "sketches do desempregado", o que diminui bastante sua força. Um filme interessante, mas longe da dimensão de um Fale com Ela, filme que foi batido pelo outro na disputa da vaga espanhola no Oscar. E, por último, o uruguaio Corazón de Fuego. Um autêntico filme-manifesto pela defesa do "patrimônio nacional" perante a venda ao estrangeiro, sofre dos defeitos mais comuns deste tipo de cinema: o excesso de forçada de barra para defender seu ponto de vista, a divisão bastante tosca do mundo entre os "bons e justos" e os "maus e injustos" e, acima de tudo, um trabalho narrativo-dramatúrgico bastante primário. São três filmes, na verdade, de valor político e atual inegável, mas passam todos longe de ser obras-primas.
(Eduardo Valente)

De Gramado
Destaque nacional
Dois veteranos fizeram os dois longas brasileiros que sairão de Gramado rumo a uma carreira mais duradoura (e não falo aqui em bilheteria e sim em "permanência"). Na competição, Hugo Carvana apresentou seu Apolônio Brasil, um filme que confirma toda a graça e vivacidade do humor do cineasta. Misturando referências claras à chanchada e ao musical clássico, Carvana fez um filme deliciosamente imperfeito, com alguns momentos antológicos e muita liberdade narrativa e tesão de filmar. Carvana consegue fazer um filme de um saudosismo que, ao mesmo tempo, não renega o mundo à sua volta - apenas reconhece já não ser mais o seu. Além dele, tivemos a primeira exibição pública de O Signo do Caos, de Rogério Sganzerla, filme que fecha o baú (literalmente, nos referindo à trama do filme que envolve um baú) da obsessão do cineasta pelo tema da passagem de Orson Welles pelo Brasil. Caótico (sem trocadilhos), desigual, ocasionalmente repetitivo, o filme é um ataque desbragado a um certo cinema "bonitinho", e quando acerta não é menos do que genial. Os dois filmes que, afinal, ficam de fato deste festival.
(Eduardo Valente)

20.8.03

A Sessão Jiguê, do Cine-Buraco, na Maanape!
Todo mundo já leu alguma coisa aí pelos jornais e revistas sobre um certo clima de volta das sessões cineclubísticas, no Rio de Janeiro e país afora. Aqui no Rio não há magem para dúvida, tem a Sessão Cineclube que a turma aqui faz com o pessoal do Estação, tem o Cachaça Cinema Clube, tem agora a sessão que a Cinestesia está organizando no MAM e há também a iniciativa de exibir filmes na Casa Rui Barbosa.
Pois bem, novidade na praça: Cine-Buraco. Bem, a coisa já se realiza há mais de dois meses, então já nem é novidade pra muita gente, mas fica aqui o registro: está acontecendo semanalmente, no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro, uma sessão chamada Jiguê, num local chamado Cine-Buraco, que na verdade é um salão da produtora Maanape. E a curtição da Sessão Jiguê, que acontece todas as sextas-feiras à noite, é que a projeção é em 16mm (ou, ocasionalmente, em digital) e a sala de exibição é um salão que vira cinema improvisado - há um barzinho noutro ambiente, e depois da sessão tem música pras pessoas dançarem um pouco. Pode-se pagar a entrada pela sessão (cinco pratas), mas também é possível se associar ao lugar, pagando mensalidade e tendo acesso a outros seviços.
Além de ter a incrível coleção de filmes em 16mm do Márcio Melges, camarada e fabuloso agitador cultural - já foram exibidos filmes como Bacalhau, A Woman of Paris, Tempestade Sobre a Ásia, Nicolli, a Paranóica do Sexo, Cidadão Kane. E ainda está havendo, mensalmente, a exibição de episódios inéditos do Capitão Zum, o personagem "essencialmente cinematográfico" criado pelo bróder André Sampaio.
Isso tudo acontece na Maanape, produtora recém-criada que, além de promover a exibição de filmes, está também organizando cursos que merecem uma boa atenção - entre eles A Contrução do Documentário, dado pelo nosso colaborador Ricardo Miranda, e o Curso Teório e Prático de Operação de Câmera, que vai ser dado por alguns dos melhores profissionais do Rio (dá pra ter mais informações sobre os cursos no site da Maanape).
Serviço: essa semana o longa-metragem exibido é O Jovem Frankenstein, do Mel Brooks (é o melhor filme dele!), acompanhado do curta O Metro Quadrado, produção da UFF dirigida pela Flávia Cândida. Vai ser na sexta-feira, dia 29 de agosto, às nove da noite. O endereço do Cine-Buraco é Rua da Laranjeiras, 336/Lj.39, a entrada é livre até a lotação do local e o preço, como já se disse, é cinco contos.
(Daniel Caetano)

19.8.03

A boa dos próximos dias pra quem é do Rio não é ligada diretamente a cinema, mas é coisa imperdível. Como nos contam hoje os jornais, no Paço Imperial está sendo aberta hoje ao público a maior retrospectiva da obra do pintor Iberê Camargo já feita até o momento - chegando de Sampa, a exposição logo vai ter a companhia de um livro sobre o artista editado pela Cosac & Naify, chamado Diálogos com Iberê. O JB nos traz um pequeno trecho do livro, um pedaço (bom) do artigo de Ferreira Gullar que lá está publicado na íntegra. Já o Globo on-line nos informa que podemos ter, de quebra, um complemento à exposição em outra parte do Rio - a livraria Contracapa (nome simpático) está exibindo gravuras que Iberê enviou ainda nos anos cinqüenta a seu discípulo e amigo Mário Carneiro (olha o cinema aí!).
Em suma: Iberê não é biscoito, e a chance de ver seus quadros não é coisa que se perca.
(Daniel Caetano)

14.8.03

A Cinemateca Brasileira e o Instituto Camões estão realizando em São Paulo nos próximos 10 dias a 3a Mostra de Cinema Português. Voltada para as produções recentes, conta com 13 filmes de uma das cinematografias mais interessantes e vibrantes no mundo hoje, oportunidade rara de ver filmes que vão do último trabalho (A Raiz do Coração - 2000) do veterano cineasta Paulo Rocha (autor de clássicos como Verdes Anos e Mudar de Vida) a algumas revelações recentes da chamada Geração dos 90. De 14 a 24 de Agosto na Cinemateca Brasileira.
(Felipe Bragança)

13.8.03

A lendária e pouco documentada amizade entre Walt Disney e Salvador Dalí (que também teria inspirado os cenários de Fantasia) acaba de ter um capítulo recuperado: Destino (1946). O curta-metragem de 7 minutos era considerado perdido há décadas e prometia à época combinar o universo de imagens do pintor (ícone do surrealismo) às técnicas de animação da fase de ouro do estúdio norte-americano. Controverso, o filme teria sido renegado pelo próprio Walt Disney antes mesmo de sua finalização e abandonado. Quase 50 anos depois, Destino ganha uma versão 2003, com apenas 15 segundos da animação original, através da recuperação de seus negativos e dos esboços de Dalí. Recentemente premiado no Festival de Melbourne, Austrália, Destino deve ser lançado comercialmente em breve. Fica aqui a curiosidade e uma questão: teria a Disney Pictures respeitado o projeto original de Salvador Dalí, condenado pelo próprio Walt Disney?
(Felipe Bragança)

10.8.03

Outra coisa: a organização do Vide Vídeo 2003, a sétima edição do Festival de Cinema e Vídeo promovido pela UFRJ, pede para avisar que está aberto até o dia 22 de agosto o período de inscrições para a exibição de filmes e vídeos - o Festival está programado para acontecer no início de novembro. Regulamento, ficha de inscrição e demais informações o pessoal pode catar no site do Festival. É isso aí.
(Daniel Caetano)

Cachaça Cinema Clube - Edição de Aniversário
Pois é, a mais animada sessão cineclubística do Rio de Janeiro está completando seu primeiro ano de existência. Sendo assim, nessa quarta-feira, dia 13 de agosto, às oito e meia da noite, teremos uma sessão com curtas de realizadores já bem conhecidos (que funciona de contraponto à última sessão, quando só havia curtas deste ano, quase todos inéditos): Sonhos de Vida, de Carlos Reichenbach (maravilha! esse do Don Carlone eu ainda não vi!); P.S. Te Amo, do Sérgio Resende; Barbosa, de Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo; Copa Mixta, do Joffily; e Texas Hotel, do Cláudio Assis. Depois, farra: festa de comemoração do aniversário no Cordão do Bola Preta, ali na Cinelândia mesmo. A entrada da festa custa oito reais, mas sai a três pra quem tiver o ingresso da sessão.
Em suma, fabuloso! Todo mundo do Rio agora já tem programa pra essa quarta-feira.
(Daniel Caetano)

5.8.03

Vale a pena fazer um complemento à nota do Ruy aqui embaixo sobre a programação do MAM. É que, como ele menciona brevemente, o MAM está fazendo uma parceria com a Revista Cinestesia - que, recém-criada, já mostra a que veio na programação da sessão e nos textos disponíveis. Mais concorrência na praça - e tendo a mesma origem de muitos contracampistas, incluindo o autor desta nota, o curso de cinema da UFF. Inclusive, cabe avisar, há por lá textos do prata da casa L.C.O. Júnior.
Bem, o complemento é que o Ruy esqueceu de dizer que a sessão de Ganga Bruta vai ter como complemento a exibição do curta Mauro, Humberto, do David Neves.
E a sessão vai ser mensal - às primeiras quintas-feiras de cada mês, então vale a pena ficar de olho.
(Daniel Caetano)

Tremenda Homenagem
O Canal Brasil vai fazer uma homenagem a Afonso Brazza, recentemente falecido. Vai exibir uma reportagem dentro do seu CineJornal. Filmes do moço na programação? Nem pensar. Por quê?
Será que a gente deve levar a sério a "lenda" de que o Canal Brasil não exibe filmes considerados de baixa qualidade?
Não deve ser verdade. Ou será que os filmes recentes dos sócios do Canal são considerados todos de "ótima qualidade"? Que jurados são esses, minha gente?
Bem, depois o Canal vai à falência e ninguém sabe a razão.
Por favor, só nos poupem de ligar a sorte do Canal à da exibição de filmes brasileiros na tevê. E repito - filmes brasileiros têm que ser exibidos é na tevê aberta, na Rede Brasil!
(Daniel Caetano)

4.8.03

Programação da Cinemateca do MAM, dia a dia
A pedidos, publicamos aqui a íntegra da programação da Cinemateca do MAM para o mês de agosto. Assim segue:
Dia 07, 18h30 Ganga Bruta, de Humberto Mauro (dentro da sessão Tela Brasilis, da revista eletrônica Cinestesia)
Dia 08, 18h30 Palácio dos Anjos, de Walter Hugo Khouri
Dia 09, 16h A Morte Cansada, de Fritz Lang
18h Convite ao Prazer, de Walter Hugo Khouri
Dia 10, 16h Tartufo, de F.W. Murnau
18h O Desejo, de Walter Hugo Khouri
Dia 15, 18h30 A Última Gargalhada, de F.W. Murnau
Dia 16, 16h Madame DuBarry, de Ernst Lubitsch
18h O Último Êxtase, de Walter Hugo Khouri
Dia 17, 16h Fausto, de F.W. Murnau
18h O Anjo da Noite, de Walter Hugo Khouri
Dia 22, 18h30 O Anjo Azul, de Joseph Von Sternberg
Dia 23, 16h Os Três do Posto de Gasolina, de Wilhelm Thiele
18h Paixão e Sombras, de Walter Hugo Khouri
Dia 24, 16h O Golem, de Paul Wegener
18h Paixão Perdida, de Walter Hugo Khouri
Dia 29, 18h30 As Feras, de Walter Hugo Khouri
Dia 30, 16h Amor Voraz, de Walter Hugo Khouri
18h Eros, o Deus do Amor, de Walter Hugo Khouri
Dia 31, 16h As Filhas do Fogo, de Walter Hugo Khouri
18h Eu, de Walter Hugo Khouri
É isso aí.
Agora compareçam e prestigiem!
(Ruy Gardnier)

3.8.03

Mais tarde eu leio
O "Mais!", suplemento do diário "Folha de S. Paulo", publicou uma série de dez relatos de dez dos grandes cineastas nacionais sobre a realização e o significado de seus primeiros filmes. Sganzerla, Carlão Reichenbach, Nélson Pereira dos Santos, Hector Babenco, Beto Brant, Tata Amaral, entre outros, revelam as tensões, o financiamento e os medos de um primeiro longa. Para pesquisadores, objeto inestimável realizado pelo jornalista José Geraldo Couto. Para leitores desinteressados, uma bela peça de jornalismo. O "Mais!" está de parabéns. Atenção ainda para a entrevista com o Peter Greenaway na página 3. O cara é um poço de vaidade, o negócio do século é comprá-lo pelo que ele vale e vendê-lo pelo que ele acreditra valer (como na piada sobre os argentinos), mas o cara sabe criar um bom rebuliço. Aliás, a entrevista é muito melhor do que seus filmes recentes. McG é muito mais cubista do que ele!
Ah!, a edição é de domingo, 3 de agosto de 2003
(Ruy Gardnier)