27.4.03

Atenção, atenção: acaba de ser lançado pela editora Perspectiva Alex Viany: Crítico e Historiador, de Arthur Autran. O livro é importante por diversos motivos: trata-se de uma análise rica e rigorosa da Introdução ao Cinema Brasileiro, escrita por Alex Viany em 1958, obra que influenciou gerações de cineastas, críticos e historiadores; a partir desta análise, o livro de Arthur traça um panorama revelador sobre a crítica dos anos 50, bem como traz à luz a formação ideológica de Alex Viany, determinante na elaboração do esquema histórico por ele montado; e, ainda, marca a estréia no mercado editorial de Arthur Autran.
Alex Viany: Crítico e Historiador se insere no campo dos estudos que procuram repensar os mitos criados pela historiografia tradicional, desmontando e rediscutindo os "fatos históricos” construídos. Os mitos inaugurais, a fixação de nomes fundamentais, a “história exemplar” – que atrela a construção do presente e do futuro à análise dos erros e acertos do passado - e a concepção teleológica da história são vertentes desgastadas, que exigem um novo posicionamento do historiador e do pesquisador frente ao seu tema. O livro de Arthur Autran abrange ainda outras questões, igualmente significativas. Através da trajetória intelectual de Alex Viany, compreendemos o descompasso periférico do Brasil diante da evolução ideológica e cultural do Primeiro Mundo.
O “esquerdismo difuso”, o sectarismo stalinista e a distensão rumo a um realismo particular, brasileiro e popular, dizem muito sobre o drama da intelectualidade no Brasil (debatendo-se e não combatendo, para usar uma imagem de P. E. Salles Gomes), na árdua tarefa de transformar o cinema em um fato social digno de ser aceito pela elite. Esta contradição central, ou seja, visar um cinema popular voltado estrategicamente para a elite, vivida pelo cinema brasileiro de forma intensa nos anos 50, é ainda hoje sentida e vivenciada nos modelos de produção e nos entraves comuns à distribuição e à exibição. Analisando o esquema histórico de Alex Viany, Arthur Autran revela os vícios de uma pretensa objetividade que, se por um lado impulsionou, por outro engessou o pensamento cinematográfico no Brasil. E é com extrema sensibilidade e generosidade que Arthur nos desvenda as lacunas deste pensamento (vale destacar o capítulo em que ele analisa a parte mais “objetiva” de Introdução ao Cinema Brasileiro, a que contém a filmografia, o cadastro de profissionais e a iconografia). Esta nota já vai longa, e o livro merece um ensaio. Portanto, não percam, não percam: Alex Viany: Crítico e Historiador, de Arthur Autran.
(Luís Alberto Rocha Melo)

26.4.03

Os alunos do curso superior de audiovisual da USP - a tradicional escola de cinema da ECA - têm agora um site para publicar seus escritos. É a revista Pupila, organizada pelos professores Carlos Augusto Calil e Esther Hamburguer - a intenção é deixar que a editoria fique a cargo dos próprios estudantes. Originando-se da produção escrita de uma disciplina centrada em cinema brasileiro, a primeira edição já tem uma estrutura básica a ser mantida nos próximos números, trazendo textos sobre filmes clássicos, textos sobre produções recentes e um dossiê acerca de algum assunto específico (esta edição trata de Abril Despedaçado). Vale prestar uma boa atenção à iniciativa, pois a revista traz alguns textos muito bons - e, mesmo que seja evidentemente pautada pelas aulas, tem aí sua garantia de produzir continuamente (sempre o maior problema das revistas de internet...) e de ter uma boa diversidade de idéias e opiniões.
(Daniel Caetano)

25.4.03

Com suas inside informations, a Contracampo dá um furo nos demais jornais culturais brasileiros: além dos filmes já anunciados, Eduardo Valente e seu curta-metragem Castanho também vão a Cannes!... Sortudo o nosso editor, ganha também a Contracampo - esse ano vamos ter um correspondente là-bas, com tempo livre para nos mandar notícias e opiniões sobre as novidades, claro... Quem sabe dessa vez ele não traz uns DVDs piratas pra gente examinar por aqui também?
(Daniel Caetano)

18.4.03

E viva a transparência no uso de recursos públicos! Aí, doutor Carrilho, agora ninguém mais pode reclamar que o destino da grana é um mistério, não é mesmo? Inclusive, outros parabéns precisam ser dados – afinal, agora que o apoio a Chatô foi prometido publicamente, ninguém mais pode acusar a Riofilme de não apoiar estreantes cariocas!
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Há uma certa malandragem política nesse interesse da empresa por transparência. Vamos a ela, a partir de notícias veiculadas pela imprensa: o prefeito César Maia e seu secretário Ricardo Macieira, já há alguns meses, vinham passando por cima da direção atual da Riofilme, decidindo o destino das verbas antes das análises das comissões da empresa (cuja composição não é tornada pública – em tese, ninguém pode saber os integrantes, mas na prática a teoria é outra). Mesmo com uma matéria no jornal O Globo trazendo à tona o fato, o dr. Carrilho fez que não era com ele – e agora deu um jeito de, com um só gesto, lavar as mãos e marcar posição. Basta ler o Comunicado n° 03/03, o pequeno texto final do seu informe, para que isso fique claro. As decisões da Riofilme estão tomadas – e se algo sair diferente do que está ali a responsabilidade é dos superiores.
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Por caminhos tortos, então, se faz o que a médio prazo pode dar muito certo – tornar público o destino das verbas (de forma ainda muito pouco rigorosa). Pode-se, de fato, acusar de elitista e patoteira a direção da empresa – com todo respeito que merecem os nomes históricos ali presentes, ali só estão presentes nomes históricos e filmes ligados à administração: o filme dirigido pelo genro do prefeito, o filme produzido pelo sobrinho do prefeito, o filme do filho do ministro, o filme-viagem do sujeito que hospeda o doutor Carrilho... Mas isso é pequeneza (inclusive porque os filmes são ou podem vir a ser bons) , e certamente os erros anteriores eram menores que os atuais – isso transparece já neste relatório. Se antes tínhamos as decisões nas mãos de burocratas relapsos, a truculência cultural e cívica do prefeito e seu secretário vem se mostrando coisa muito pior. Isso não se limita à Riofilme ou ao cinema – basta ver o bizarro e faraônico factóide do Museu Guggenheim ou a disposição de entregar a Miguel Falabella o dever de criar uma Broadway carioca nos teatros do município (e os horários nobres dos melhores teatros do Rio estão sendo ocupados por atores e espetáculos globais no momento). Dessa forma, Maia e Macieira demonstram acreditar que a melhor maneira de administrar recursos culturais é dar mais dinheiro a quem já tem – depois de engordar as verbas públicas com investimentos de risco na Bolsa de Valores. Voltando à lista da Riofilme, um projeto ganha mais de um milhão de reais, e um outro produzido por Luiz Carlos Barreto ganha setecentos mil. Note-se que o doutor Carrilho fez birra: Chatô não está na lista...
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Sr. Prefeito, sr. Secretário: não era melhor pagar à grande emissora de televisão para os dois apresentarem um talk-show semanal no horário nobre, ou coisa parecida? Serviria talvez como contraponto aos programas radiofônicos do adversário, não? Afinal, se o interesse é aparecer na mídia...
(Daniel Caetano)

15.4.03

Além de O Prisioneiro da Grade de Ferro, citado pelo Felipe na nota aí embaixo, a Contracampo também muito se alegra com a premiação do filme Geraldo José - O Som Sem Fronteiras, dirigido por Severino Dadá, que ganhou o prêmio da TV Cultura no mesmo É Tudo Verdade. Se O Prisioneiro... representa uma estréia impressionante de Paulo Sacramento, um realizador que já era promissor em seu primeiro curta-metragem (Ave, produzido pelo curso de cinema da USP), o documentário sobre Geraldo José também é a estréia de um realizador que sabe tudo de cinema - estréia na direção, diga-se, pois Severino Dadá é montador de longa história no cinema brasileiro (para citar um único exemplo entre mais de duzentos filmes, montou O Amuleto de Ogum). A sabedoria cinematográfica de Dadá fez com que produzisse um pequeno grande filme sobre um gigantesco artesão do cinema brasileiro - uma posição política clara, mesmo que discreta, na defesa da riqueza da nossa produção cinematográfica esquecida: um filme sobre um técnico revolucionário, feito por outro grande técnico, num meio cinematográfico que parece só querer se lembrar de teóricos e autores. Querem saber de outras boas razões para o pessoal da redação comemorar esta premiação? A produção foi feita pelo filho de Dadá, nosso compadre André Sampaio, e o roteirista e assistente do diretor é nosso querido colega Luís Alberto Rocha Melo, o célebre Morris Albert!... O filme é uma pequena jóia - mas Geraldo José é grande, e Severino Dadá também.
(Daniel Caetano)

14.4.03

Que se sublinhe a premiação de O Prisioneiro da Grade de Ferro pelo Júri Nacional e Internacional do É Tudo Verdade 2003. Um dos melhores FILMES realizados no Brasil no período pós-retomada, merece figurar como um dos melhores e mais importantes documentários já realizados no país. Brilhantismo técnico e conceitual - ética nova e reinventada, atravessa os limites do documental e redescobre-se em cinema. Para além do fato olhado, os atos do olhar. Filme que já nasce um marco, será ainda fonte de muitas discussões e referência para futuras invenções. Resta-nos, agora, torcer para que Paulo Sacramento consiga levar seu filme às salas de exibição comercial e às TVs a Cabo - alcançando o máximo de espectadores possível... O mais rápido possível.
(Felipe Bragança)

10.4.03

Há uma velha novidade muito boa na internet para pesquisadores, apaixonados e curiosos pela música brasileira: é o Dicionário Cravo Albin - que, depois de passar por diferentes endereços, parece ter encontrado assento definitivo, com o suporte do MinC, da Faperj, da Biblioteca Nacional e de patrocinadores. Ótima notícia, sem dúvida. Mesmo que não seja ainda A fonte de informações definitiva (não é raro que os verbetes ainda sejam por demais curtos), o DCA tem tudo para se tornar uma ferramenta de pesquisa na internet indispensável para quem gosta da música feita no Brasil - ainda mais agora, que teve a navegação e pesquisa facilitadas e ainda passou a indicar páginas diversas sobre música na internet. Apenas à guisa de curiosidade, fiz uma pesquisa com o nome de um músico pouco conhecido, o grande Copinha. O resultado da pesquisa não deixa dúvidas, o trabalho do site é admirável. Achei que era preciso dar mais destaque ao trabalho com Jobim e João Gilberto e, posteriormente, com o grupo de Paulinho da Viola nos anos setenta - mas isso deve ser só implicância minha mesmo. Afinal, mesmo que em sua discografia não constem as centenas de discos de que participou, pelo menos consta a participação no magistral disco Brasil, Sax e Clarineta, um dos melhores de Abel Ferreira.
(Daniel Caetano)

4.4.03

Temos novidades aqui no Plano Geral... A mais evidente é que agora é possível fazer comentários embaixo de cada nota aqui do nosso Contrablog - possibilitando um diálogo dos leitores com a revista e entre si, num formato já tradicionalmente usado em blogs diversos. O Contrablog também ganhou, lá embaixo, um link para o arquivo de notas. Além disso, agora temos, aqui à direita, uma página com críticas de trailers de filmes - e nas próximas edições teremos também um espaço para análises de livros relacionados a cinema. E bola pra frente!...
(Daniel Caetano)

Não é por acaso que o cinema de Abbas Kiarostami traz, para muitos olhares ocidentais, a fama de chato. Nossa sociedade é toda baseada no conceito de "fatos", de "acontecimentos", enquanto o cinema de Abbas é um cinema do processo, do caminho, da impossibilidade dos fatos. Um cinema da estrada ao invés da chegada, do caminho ao invés do destino final. Impossível não pensar nele quando acompanhamos a cobertura da Guerra essa semana: a cada dia a manchete dizia "Tropas a 150km de Bagdá", "...a 70 km", "... a 30km", "... a 10km". Essa surreal contagem regressiva evidencia o mesmo olhar ocidental: obcecadamente esperando um "fato", onde o caminho por si não basta se não em perspectiva deste "destino". A "Batalha de Bagdá" é uma necessidade não só militar, mas mesmo filosófica. Senão corre-se o risco da mesma decepção que se costuma perceber em exibições dos filmes de Kiarostami: tudo isso para quê, se não acontece "nada"? Nada, claro, além da vida. Ou da morte, no caso iraquiano.
(Eduardo Valente)

2.4.03

O Jeca, mais uma vez! A premiação do personagem Dhomini no Big Brother Brasil 3 só cristaliza uma tendência ancestral de nosso projeto de protagonismo audiovisual. Entre a ignorância de Kleber, a desconfiança de Rodrigo e a malandragem do terceiro, reafirma-se a tradição do herói desajustado, fora de seu contexto e atrapalhado, figura do caipira modernizado (de boné ou acreditando em alienígenas...), as três edições do programa foram caracterizadas pela presença crucial e premiação da figura do clown como herói do público e rei vitorioso. Nem a construção de heroínas românticas claras (Vanessa e Manuela) ou a caracterização da "mulher forte" vinda do nordeste (Elane) foram capazes de deslocar o foco dramático dessas figuras a um só tempo malandras e ingênuas. Reafirmando também a grande influência que uma certa cultura do interior paulista (com um braço em Goiás) tem tido sobre sobre a medição da audiência da TV brasileira e, por conseguinte, sobre a própria formatação de nossas identidades (Lula sobrevoando a área...). Mais uma vez, as metáforas da "justiça" e do "merecimento" lançadas pelo roteiro do programa e ditadas por Bial não foram suficientes para deslocar o foco dramático (e a preferência do público) do "caipira que se dá bem na cidade grande". QUESTÃO: Seria o malandro ingênuo (o jeca-esperto de Mazzaropi a Dhomini), AINDA HOJE, a personagem mais poderosa (os "paredões" que o digam) que já pisou nas bandas de nossas imagens?
(Felipe Bragança)

Após assistir Carandiru, não dá para deixar de constatar que o cinema brasileiro contemporâneo está cheio de certas figuras "arroz de festa" que estão em todas. Temos o diretor de fotografia oficial (Walter Carvalho) e o trilheiro titular de plantão (André Abujamra). Temos até o nosso "brat pack", uma geração de jovens (e bons) atores quase onipresentes, onde se incluem Wagner Moura, Lázaro Ramos e Rodrigo Santoro. Mas, principalmente, parece estar surgindo um novo Wilson Grey, um coadjuvante "feioso" e com cara de povão, quase sempre fazendo tipos meio patéticos como o Paraíba de Cidade de Deus, o maluco de Bicho de Sete Cabeças, o Sem Chance de Carandiru: Gero Camilo. Tendo atuado também em Domésticas, Madame Satã e Abril Despedaçado, ele periga tornar-se um novo recordista de participações em filmes.
(Gilberto Silva Jr.)