23.8.03

De Gramado 2
Os latinos
Um dos temas mais correntes entre os presentes no Festival de Gramado foi a melhor qualidade da competição latina em relação à brasileira. Mas, como quase todos os clichês, este precisa ter contextualizado seu tal "fundo de verdade". Afinal, a seleção brasileira é limitada a filmes inéditos finalizados neste momento, enquanto a latina faz uma "seleção" de fato, com os melhores filmes de cada país nos últimos tempos. E, pensando bem, nem foi assim tão forte. O representante mexicano (Cuento de Hadas para Dormir Cocodrilos) bebe nas águas de Ripstein-Buñuel-Glauber, sem jamais conseguir dominar de fato a seara. O português (A Selva) faz pouco uso do seu enorme orçamento. Quanto aos três filmes mais elogiados, embora trabalhos importantes, não configuram qualquer obra-prima. Boa parte de sua simaptia vem (com justiça) das posições tomadas contra alguns dos temas mais atuais nos países latinos e periféricos (desemprego, crise econômica, venda de patrimônio para o estrangeiro). Mas, afora as boas (e até mesmo ótimas) intenções, o que tivemos foi um painel um tanto desigual. Lugares Comunes, o melhor dos filmes, reforça a habilidade atual do cinema argentino em retrabalhar a fonte do melodrama na chave das questões sócio-políticas do momento. Los Lunes al Sol, o representante espanhol, traça um painel desencantado da situação dos desempregados locais, contando com um desempenho impressionante de Javier Barden. No entanto, se consegue momentos preciosos, apela para uma narrativa que podia se chamar "sketches do desempregado", o que diminui bastante sua força. Um filme interessante, mas longe da dimensão de um Fale com Ela, filme que foi batido pelo outro na disputa da vaga espanhola no Oscar. E, por último, o uruguaio Corazón de Fuego. Um autêntico filme-manifesto pela defesa do "patrimônio nacional" perante a venda ao estrangeiro, sofre dos defeitos mais comuns deste tipo de cinema: o excesso de forçada de barra para defender seu ponto de vista, a divisão bastante tosca do mundo entre os "bons e justos" e os "maus e injustos" e, acima de tudo, um trabalho narrativo-dramatúrgico bastante primário. São três filmes, na verdade, de valor político e atual inegável, mas passam todos longe de ser obras-primas.
(Eduardo Valente)