24.6.04

Projeção Digital

O Grupo Estação começou um radical processo de digitalização da projeção em suas salas - já há projetores digitais em pleno funcionamento nas 3 salas do Espaço Unibanco, Estação Botafogo 1, Odeon, quiçá mais ainda. É um passo que o mercado anuncia como quase inevitável (e que já era usado em salas-modelo no UCI, no São Luiz, etc), mas que ainda precisa dar panos para manga. Não foi por acaso, por exemplo, que em recente palestra na Semana ABC, o fotógrafo americano Allen Daviau (cujo trabalho em Van Helsing é bastante revolucionário no uso do digital na finalização dos filmes) disse que o processo era sim inevitável - mas que os projetores ainda precisavam de pelo menos uns 5 anos para atingirem a definição desejável, e talvez mais ainda num preço acessível para se pensar em reequipamento de todo o parque exibidor. Por isso é que olhamos com alguma estranheza para esse processo rápido brasileiro: os projetores, mesmo sendo de ultimíssima geração, ainda não conseguem o resultado de um projetor de película - a imagem sempre tende a brilhar demais, os vermelhos são mais fortes do que o desejável, dificilmente se tem os pretos realmente pretos (e sim cinzas escuros), ainda se vê pequena pixelização da tela quando vista de perto. Ou seja: as projeções ainda são piores que as dos velhos projetores (isso sem falar na ainda pouco aprofundada questão neurológica da diferença de percepção entre os dois tipos de projeção). Pior, já que um dos grandes discursos do digital é o da "democratização" e do "barateamento": mais fácil e barato fazer um filme, distribuir um filme, exibir um filme. No entanto, os ingressos não são mais baixos em salas "digitais", pelo contrário às vezes, porque se vende o tal digital como uma novidade, um melhoramento - o que não é. Ou seja: estamos vendo filmes em piores projeções (mais uma vez, não é questão de qualidade do projetor: ele é o melhor que se pode arranjar - é questão intrínseca de armazenamento de informação cromática entre película e digital), pelo mesmo preço de antes. Qual é a vantagem mesmo, então?
Eduardo Valente

22.6.04

Você sabe que está envelhecendo quando simplesmente não consegue mais acompanhar o fluxo de confusão de ressignificações (ou des-significações) que as imagens vão adquirindo, ao gosto do liquidificador insano, por exemplo, da TV brasileira, na qual o poder autofágico e descaracterizador da enorme mídia mostra-se algo de muito, muito assustador. Em dois dias as seguintes cenas foram testemunhadas:
No Domingão do Faustão, um concurso de "sósias" de Renato Russo. Nele, um cara realmente parecido (em timbre e aparência) entoava Que País é Esse? (sabe como é? "nas favelas/no Senado/sujeira pra todo lado..."), enquanto na platéia um ensandecido Super-Homem balançava os braços loucamente, ao fundo as meninas da aeróbica faziam coreografia para o ritmo da música e, não bastando isso, a cada entoada do refrão-título o sonoplasta mandava aquela vinheta ufanista dos jogos da Seleção ("Brasil-sil-sil!").
CORTE SECO
Mais tarde, celebração do final de Celebridade, na semana final da novela de Gilberto Braga - que nos seus melhores momentos foi uma senhora novela, tanto no retrato ácido e sem meios tons de uma cultura da "Fama", quanto um retrabalhar do folhetim melodramático e seus tipos característicos. Enquanto Braga se explica por não ter feito algo de forte apelo político-social (não?), o elenco inteiro da novela, no palco, reproduz com a platéia e o apresentador-fanfarrão o que poderia facilmente ser uma cena satírica na novela. Poderia - ou é? Já não dá mais pra saber - mas todos parecem comprar o enredo. Será que Braga escreveu a cena?
CORTE SECO
Morre Leonel Brizola. As análises histórico-políticas abundarão por estes dias. No Jornal da Globo, uma longa elegia a este "nome fundamental da política brasileira". Oi? Jornal da Globo? Brizola?
FADE OUT FINAL
Eu não estou mais entendendo nada. Definitivamente, devo estar velho.
Eduardo Valente

21.6.04

Cineclubes

Hoje, 21/06, no Cine Buraco, Sessão Jiguê: tem Tempestade Sobre a Ásia, do Pudovkin, e o clássico curta Geraldo Voador, do Bruno Vianna. Lá pelas 20hs30.

Amanhã, 22/06, no Sesc Tijuca, Cineclube Plano Geral (nome pouco criativo, na minha opinião): tem quatro curtas (Cordel Anti Neo Liberal ; Eu Versus Palavra ; XXII - O Vinte e Dois ; Saravá e Jongueiro) e um média (nosso já bem conhecido O Galante Rei da Boca). Terça-feira, no Teatro 1 do Sesc Tijuca, Rua Barão de Mesquita, 539, às 19hs.

Quarta é Odeon, mas isso não precisa nem dizer, né?
Daniel Caetano

17.6.04

Alguns posts abaixo eu disse que nem só de cinema se faz a Contracampo, graças a Deus. E, por isso mesmo, finalizar a edição nova - em meio à sequência que uniu nas últimas semanas jogos do Brasil pelas eliminatórias, finais da NBA, semifinais de Libertadores e Copa do Brasil, e agora a Eurocopa - está sendo bem complicado.
Mas o que interessa aqui é a transmissão da última pelo SporTV. Como lida com um monte de seleções que pouco vemos jogar, a competição tem servido para evidenciar (também pelo excesso de jogos) a completa inadequação da imensa maioria dos comentaristas de futebol da TV brasileira ao seu ofício. Alguns são reféns dos mais latentes clichês, outros órfãos de uma nostalgia do "futebol perdido", outros são os chamados "constatadores do óbvio", e alguns ainda (uma categoria que Roberto Assaf no SporTV está tornando uma forma de arte) são leitores vorazes de fichas de informação (ou, nas palavras do Gilbertão, "ah, o mal que a internet faz com o excesso de informação e nenhuma qualificação..."). As únicas coisas que nenhum parece ter é originalidade, conhecimentos tático e técnico de verdade e capacidade de comunicação com o espectador.
Aí o leitor se pergunta: "Ué, mas aqui é a Contracampo ou a Contra-Ataque?" - uma das revistas imaginárias que gostaríamos de criar algum dia, junto com a Contragosto (de culinária), a Contraponto (de música) e a Contravenção...
Claro que é a Contracampo, mas o assunto procede por pelo menos dois motivos: o mais óbvio é que transmissões de TV são assunto nosso desde que incorporamos este meio de expressão entre nossas preocupações em uma seção específica. Mas o menos óbvio e talvez mais interessante é a comparação entre o comentarista de futebol e o crítico de cinema, na visão da imensa maioria dos grandes meios de comunicação: aparentemente, não se exige de nenhum deles que entenda especificamente do assunto que trata e sim que seja um cara "gente boa" que gosta muito de futebol ou cinema. E, como são dois assuntos que todo mundo gosta de dar pitaco... cada dia tem mais gente exercendo estas ocupações e menos fontes de interesse para quem queira aprender/analisar a sério estas duas autênticas formas de arte.
Eduardo Valente

15.6.04

Sinceramente

Tem coisas que incomodam mesmo. Tipo uma notinha que saiu hoje no JB, na coluna do Boechat. Parece que Dom Barretão anda incomodado com as seleções de patrocínio das empresas estatais (leia-se Petrobras). Reclamou que só deram dinheiro para miúra, pra filme ruim de público, pra "filme papo-cabeça", pra citar a expressão idiota utilizada.
Legal saber a opinião, mesmo. Olha, eu já fiz uma entrevista com Barreto e já escrevi um artigo sobre ele, com um olhar bastante favorável ao maior produtor de cinema do país. Mas fica a questão - numa carreira de tanto sucesso, será que já não é hora de Barreto financiar seus filmes com o lucro dos anteriores? Tipo assim, se ele realmente quer nos convencer que O Quatrilho e O que É Isso, Companheiro? são filmes que, além de maravilhosos, são "sucessos que devolveram a audiência" do cinema brasileiro, a minha sugestão é que ele pegue o lucro desses 'sucessos' e invista em novos filmes - e largue o osso das empresas (lá vem a palavra maldita) estatais! Porque a Embrafilme pode ter sido a Difilm com dinheiro do estado (opinião do próprio, basta conferir a entrevista citada), mas o pessoal da Difilm já tá meio velho pra convencer a gente de que vai salvar o cinema brasileiro. Sinceramente. Os filmes não são geniais, dão lucro e tal? Então não precisa de mais dinheiro - larga o osso e reinveste!

Isso dito, só queria completar que a lista da Petrobras, que um colunista chamou de "nova embrafilme", tem algumas novidades muito legais, outras nem tanto. Da minha parte, fiquei muito feliz com o apoio a mestres como o Nelson ou o Don Carlone (que ganharam patrocínio pros seus longas) ou a camaradas como o nosso editor Valentón (que ganhou para fazer um novo curta, O Monstro), por exemplo. Só por esses já dá pra sorrir, e tem mais outros (Haroldo Marinho Barbosa de volta ao sets, pra dar mais um exemplo)

Mas fiquei triste e preocupado (e ainda estou) com o abandono a que se relegou o filme (já inteiramente rodado) Eu Me Lembro, do Edgard Navarro, que concorreu e perdeu nos concursos do MinC e da Petrobras. Em concursos anteriores eu tive projetos concorrendo, então fazer comentários sobre as decisões seria falar em causa própria, mas agora não. Ou melhor, é sim causa própria, porque é aqui que a politicalha se junta com os filmes em si - eu vi o Superoutro e quero ver um longa de Edgard finalizado, como fã mesmo.
É como espectador de cinema, que viu o Superoutro e quer ver Eu Me Lembro, que tenho a impressão contrária - faltou apoio inteligente aos filmes. Por isso teve filme que ganhou duas finalizações (e mais um apoiozinho à comercialização) e outros ficaram parados, sem nenhum apoio.
Propostas:
- Jurado que não premia Edgard Navarro fica proibido de ver, escrever e falar sobre filmes de cineastas transgressores. Não pode mais falar de Glauber nem de Pasolini. Deve ser proibido de assistir aos filmes de João César Monteiro e Raul Ruiz. Porque o cinema de Edgard é desse porte. E os jurados mostraram que não são.
- A Petrobras e o MinC (ou pelo menos esse último) poderiam instituir concursos premiando projetos sem nome do autor. Ganham os melhores projetos, sem nome famoso. Que tal?

Isso parece só politicalha. Mas, novamente, é aqui que se decide o filme que é feito e o filme que não é feito. Devemos então produzir novas BellaDonnas com o rico dinheirinho da Petrobras? Realmente, de filme-cabeça não tem nada - nem filme nem cabeça. Mas não se preocupe, Dom Barreto, que outros podem tomar esse lugar, mas gente pra pegar dinheiro estatal, com essa conversa de 'mercado', pra fazer filme que trata o público como imbecil, infelizmente, ainda é o que mais tem.
Daniel Caetano

12.6.04

Cine Buraco de volta à ativa - Sessão Jiguê!

Pois é, a Contracampo tem a alegria de anunciar que está de volta a programação de filmes exibidos em 16mm no Cine Buraco, a célebre Sessão Jiguê. Depois de um período de Cine-Boate, novos tempos agitam o Cine Buraco - agora é torcer pra coisa acertar o caminho e embalar de novo, porque aquela farra com filmes em 16mm é muito legal.
Para recomeçar, amanhã tem festa (sempre tem festa!) de um ano de Cine Buraco, logo depois da exibição em 16mm de Fuga do Passado (Out Of The Past), do Jacques Tourneur. Programa imperdível - na segunda-feira, dia 14/06, lá pelas oito e meia da noite, na Rua das Laranjeiras, 336. Essa segunda-feira a entrada é gratuita.
Só espero que o Márcio Melges, agitador cultural de primeira, consiga passar a programação com antecedência pra gente poder divulgar aqui.
Daniel Caetano

10.6.04

Programações

Era pra nós cariocas nos roermos de inveja de Sampa. No CCBB de São Paulo está rolando uma bela mostra com filmes produzidos por A. P. Galante, que exibe pepitas como A Mulher de Todos, A Ilha dos Prazeres Proibidos e Presídio de Mulheres Violentadas, além de apresentar o vídeo feito recentemente sobre o homenageado, O Galante Rei da Boca.
De quebra, Don Carlone Reichenbach avisa no seu blog que na quinta-feira que vem será exibido Corrida em Busca do Amor, filme que até alguns anos atrás era dado como perdido, no Espaço Cultural da rede de locadoras 2001, na Av. Sumaré, também em Sampa.
Bem, mas ganhamos nós cariocas uma boa notícia: o Sesc de Copacabana vai exibir (em DVD) uma mostra com os filmes de João César Monteiro. Começa hoje às 16hs, exibindo dois filmes do início de carreira: Sophia de Mello Breyner Andersen (1969) e Fragmentos de Um Filme Esmola (1972). Coisa imperdível, certamente. Depois tem uma palestra a ser feita pelo nosso editor Ruygard.
Daniel Caetano