31.5.06

O filme mais bonito

Rio Zona Norte vai ser exibido no Odeon hoje na Sessão Cineclube.
É programa imperdível porque o filme é uma jóia preciosa, como aponta o texto que o Luís Alberto, nosso querido Morris, escreveu para a sessão. Com relação ao que o Morris diz no seu texto (que é fabuloso, nem precisaria dizer) sobre a preocupação que o filme mostra sobre a divulgação do trabalho do artista popular e a representação que faz dela o artista de elite, eu complementaria lembrando a crença mostrada pelo filme numa imersão no mundo desse personagem, o artista popular - por isso, como se sabe, o Nelson morou em Bento Ribeiro durante a escrita e produção do filme, levado por Zé Kéti. Assim, o filme escolhe dar tanto espaço às questões cotidianas de Espírito quanto dá à sua relação frágil com Moacir. Inclusive porque Moacir de fato representa o único caminho para que outras pessoas (e a posteridade) venham a conhecer a música de Espírito, mas as pessoas do lugar onde Espírito viveu já convivem cotidianamente com essa música; não são elas que precisam de Moacir, é ele que depende da memória delas ao final do filme.
(e lá vamos nós rever o filme - e aquela cena com a Ângela Maria!)
Daniel Caetano

30.5.06

Festival de Cinema Universitário

Começou aqui no Rio o FBCU, cuja programação pode ser conferida no site. Além das exibições dos filmes universitários, razão central da existência do festival, vale destacar a mostra em homenagem ao professor e cineasta Luís Sérgio Person - para quem não viu os filmes dele, tá aí uma chance (São Paulo S.A. e O Caso dos Irmãos Naves não são menos que obras-primas).
Agora, numa boa, uma curiosidade: sou só eu que desconfio que o pessoal do FBCU tem predileção em homenagear cineastas/professores de fora do Rio?
Outra coisa: na mostra de filmes universitários (e pós), entre várias promessas, cabe a nós destacar aqui a primeira exibição no país do Jonas e a Baleia, do contracampista Felipe Bragança. Vai rolar no dia 04/06 às 19h00 no CCBB-RJ e no dia 06/06 às 16h00 nos Correios.
Daniel Caetano

É mesmo? Jura?

A declaração mais reveladora do dia foi de Alejandro Iñárritu, numa entrevista concedida a Silvana Arantes para a Folha, em que ele conta sofrer do transtorno conhecido como DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção).
Sinceramente, dava pra desconfiar.
(a editoria da Folha continua imprevisível. Esse comentário do Iñárritu só foi publicado na versão impressa, bizarramente foi cortado na versão on-line).
Daniel Caetano

Shohei Imamura (1926-2006)

Um dos nomes mais importantes da renovação japonesa dos anos 60, Shohei Imamura morreu de câncer de fígado aos 79 anos. Vencedor de duas Palmas de Ouro em Cannes, em 1983 por A Balada de Narayama e em 1997 por A Enguia (dividido com O Gosto de Cereja, de Kiarostami), Imamura ainda é um cineasta muito pouco conhecido no país - e no Ocidente como um todo -, com pouquíssimos filmes disponíveis em vídeo e quase nada em DVD. Grande comentarista social, com um talento soberbo para trabalhar o comportamento de personagens extremos (Minha Vingança), há uma predileção indisfarçada pelos costumes e valores da vida de cidade pequena, algo que o aproxima muito de Chabrol em seu registro paródico que, no entanto, mantém a densidade dos personagens e uma certa relação de identificação (não longe do Fassbinder de O Medo Devora a Alma e O Direito do Mais Forte). Ainda que seus filmes mais conhecidos sejam os da década de 70 para cá, os especialistas comentam que sua fase mais impressionante é a década de 60, em que fez filmes como Porcos e Couraçados, A Mulher Inseto (ou Tratado Entomológico do Japão,o título original em japonês), Os Pornógrafos (ou Introdução à Antropologia, idem) e O Profundo Desejo dos Deuses. Há algumas semanas, o CCBB exibiu Desejo Profano (Akai satsui, 1964; também conhecido como Desejo Assassino),seu último filme pela produtora Nikkatsu e, numa nota mais pessoal, um dos grandes choques estéticos que tive nos últimos tempos. Morto esse verdadeiro gigante do cinema, esperamos que seus filmes tenham a projeção e o respeito que merecem.
Ruy Gardnier

29.5.06

Maradona

Com a Copa chegando, a TV anda sendo invadida por anúncios cheios de jogadores famosos, como os com Ronaldinho Gaúcho ou aquele dos dois garotos escolhendo craques famosos para o seu time de pelada - esses anúncios serão discutidos em artigos vindouros, como já prometeu nosso editor JR. Mas, se um dos anúncios mais bestas tenta brincar com a rivalidade Brasil x Argentina sem conseguir ser engraçado (refiro-me ao das traves que se movem, que é péssimo), acho que o melhor deles (pelo menos até agora) é justamente o que lidou com essa rivalidade com mais humor. No caso, é evidente que me refiro ao engraçadíssimo comercial em que Maradona aparece com a camisa da seleção brasileira, em meio a jogadores da nossa seleção como Ronaldo e Kaká, para em seguida despertar (vestido com a camisa argentina), perceber que é um sonho e atribuir o delírio ao excesso de guaraná (cuja marca é o anunciante do comercial, evidentemente). Genial mesmo - acima de tudo pela galhardia demonstrada por Don Diego, que já foi craque de bola e ainda é craque de bom humor.
(Mesmo que seja inevitável a piada de que era mais provável ele sonhar que jogava pela seleção boliviana, mas deixa pra lá...)
Daniel Caetano

25.5.06

Cobertura de Cannes na internet

O Festival de Cannes se aproxima da premiação e já podemos ter uma boa idéia de como anda o clima na Croisette. Durante o festival, muitas das principais revistas eletrônicas (ou as tradicionalmente impressas que têm página on-line) se dedicam a uma cobertura diária. Destaquemos aqui algumas coberturas interessantes, que merecem ser vistas mesmo terminado o festival:

Diários e críticas - Eleito pela revista Les Inrockuptibles um dos 50 melhores blogs de 2005, o Contrechamp, nosso xará criado pela francesa Sandrine Marques, cobre diariamente o festival com muitas fotos (algumas captando instantes realmente especiais), mini-críticas sobre os filmes e uma atenção toda especial aos eventos paralelos às mostras (happenings, intervenções inesperadas, protestos, instalações, festas em que se perde a linha). A mesma Sandrine escreve para a revista on-line Plume Noire, em que ela e Moland Fengkov criticam os filmes da seleção oficial em três ou quatro concisos parágrafos, sempre preocupados em se posicionar em relação às aparentes preferências da crítica francesa.
Na recém-nascida Cinética, Eduardo Valente envia seu "Diário de Cannes" com críticas e comentários sobre os filmes, mapeamento de tendências, confissões cinéfilas e algumas descrições de situações inusitadas, basicamente no mesmo clima da cobertura de Cannes que ele fez aqui na Contracampo nos últimos anos, ou seja, uma viagem cinéfila com traços bem pessoais e sem deixar de lado o rigor crítico.
Kleber Mendonça Filho, em seu site Cinemascópio, também está publicando sua cobertura do Festival, como costuma fazer há vários anos com o rigor que lhe caracteriza.
O "minuto Gérard Lefort" é um formato descontraído em que o crítico do Libération exibe uma imagem e faz um breve comentário nela baseado. O time de redatores do "Libé" que cobre o festival (incluindo o próprio Lefort) escreve críticas extensas, bem elaboradas, além de fazer também um "estudo de comportamento" do festival (ver especialmente os textos "Croisette: éternel remake", de Gérard Lefort e Didier Peron, e "Les nouveaux gourous du goût cinéphile", de Antoine de Baecque).

Chats - Tanto os Cahiers du Cinéma quanto o Libération, dois veículos de peso da França, estão apostando no chat em suas versões on-line. Nos Cahiers, além da redação, há constantemente a presença de convidados, e basta se inscrever para participar da conversa (mas suas perguntas são filtradas por um moderador que decide se elas participam ou não do debate). Amanhã, dia 26, o convidado é Thierry Jousse (ex-editor da revista e hoje também cineasta) e o assunto é Wong Kar-wai. O debate será às 17:30 no horário da França.
No site do Libération, o anfitrião do chat é Antoine de Baecque, também ex-Cahiers (e autor daquela extensa biografia de François Truffaut já publicada aqui no Brasil), e hoje redator-chefe da parte de cultura do jornal francês. É colocada uma pergunta de parti pris, os internautas lançam suas questões a partir dessa questão inaugural e o Antoine de Baecque responde com entusiasmo que varia de uma frase à outra. Sem dúvida é uma proposta interessante e preocupada, sobretudo, com a avaliação de tendências da programação de filmes e com o comportamento do júri.
Por enquanto é isso. E lembrando que na próxima edição da Film Comment certamente terá o texto em que Kent Jones traça seu panorama de Cannes, texto geralmente disponível on-line (torcemos para que isso não mude este ano).
Luiz Carlos Oliveira Jr.

21.5.06

O óbvio, o óbvio...

Carioca, o novo disco do Chico Buarque, é obra-prima, imperdível mesmo. Bem, a Contra não trata de música nem tem cotação de discos (ainda bem - se tivesse, desconfio que tio Ruy daria uma estrelinha solitária pro disco e o PR tacava uma bola preta), mas vale o registro: o velho trovador fez seu disco mais bonito em uns bons vinte anos. Acho que é o melhor de todos os que ele fez com arranjo do Luiz Cláudio Ramos - o que quer dizer que é o melhor desde, pelo menos, o fabuloso Francisco (de 87). Sim, os outros discos lançados nesse meio-tempo foram ótimos, mas Carioca está um passo acima.
E ainda tem uma canção perfeita pros malandros usarem pra paquerar as mocinhas da nossa área: uma composição chamada Ela faz cinema, olhem só que beleza! ("Ela faz cinema, ela faz cinema, ela é a tal/ sei que ela pode ser mil, mas não existe outra igual", e por aí vai...)
Daniel Caetano

16.5.06

Dissidência!

A Cinética já está no ar, pessoal. É editada pelos bróders Cléber, Eduardo e Felipe, que dispensam apresentações - são todos bem conhecidos dos leitores daqui da Contra.
Aliás, logo de saída eles apresentam aos leitores uma entrevista com nossos editores Ruy e JR, além de bastante coisa a mais pra ler.
Olha, eu não resisti à brincadeira no título da nota, mas a Cinética, mesmo com a proximidade evidente que tem com a Contra (não só pelos editores, mas também pelo nosso querido designer Tiagão), já nasce com uma cara bem própria, que se faz perceber pelo time de redatores - só gente da pesada.

ATUALIZAÇÃO: só pra passar mais um link: a Cinética está publicando a cobertura do Festival de Cannes por Ed Valentoni.
Daniel Caetano

12.5.06

A Seleção da Contracampo

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que esse post é feito no intuito de colaborar. Nós chegamos aqui para somar, não para dividir. Portanto, tendo em vista a proximidade da divulgação da lista definitiva dos jogadores que irão à Copa do Mundo feita pelo professor Parreira, a Contracampo divulga aqui os seus preferidos, definidos a partir de uma votação informal dentro da redação. Não se deve entender isso como uma forma de pressão, de modo algum - é somente uma colaboração modesta da nossa redação a essa importante escolha vindoura.
Sendo assim, segue-se a lista.

Titulares: Julio César; Cicinho, Edmílson, Juan e Serginho; Emerson, Juninho Pernambucano, Kaká e Ronaldinho; Robinho e Ronaldo.
Reservas: Dida e Rogério Ceni; Cafu, Lúcio e Luisão; Zé Roberto, Gilberto Silva, Jônatas e Amoroso; Adriano, Julio Baptista e Nilmar.

Toda e qualquer escolha de nomes para a seleção sempre será polêmica. De todo modo, os leitores atentos perceberão que a Contracampo se livrou da tendência retranqueira que predominou por alguns anos, embora preservando a cautela e a sensatez. O futebol brasileiro se caracteriza pela criatividade, e é preciso dar espaço para o talento!

Novamente, sem pretender pressionar o professor Parreira, esperamos ter ajudado cumprindo a nossa missão. Agora, vamos à Alemanha!
Daniel Caetano

10.5.06

Premiações

O Festival Femina divulgou seus premiados, que a gente informa aqui. São os seguintes:
Melhor Filme de Estudante: Cousin Cousine, de Maria Mohr.
Destaque Feminino: Justine Wright, edição de River Crossing.
Melhor Direção em Curta-metragem: Ulla Bay Luehrssen, por Der Kleine Prinz, e Katell Quilivere, por A Bras le Corps.
Melhor Curta-metragem: Svegliarsi in mezzo al Mare, de Sophie Watzlawick.
Melhor Direção em Longa-metragem: Marilia Rocha, por Aboio.
Melhor Longa-metragem: Ungdommens Raskap, de Margreth Olin.

E a boa notícia que já chegou de Oberhausen é que Maré Capoeira, o novo curta da Paola Barreto Leblanc, ganhou o prêmio de melhor filme da mostra de curtas para crianças. Em Oberhausen, vale lembrar, também está o nosso querido neo-cinético e ainda contracampista Felipe Bragança, apresentando o seu Jonas e a Baleia.
Daniel Caetano

9.5.06

Presépios

No sábado, dia 06 de maio, fui ao Centro Cultural Banco do Brasil para assistir a um vídeo dirigido pelo ator, poeta e cineasta Emmanoel Cavalcanti, intitulado Presépios. Era uma sessão para convidados. Cavalcanti queria mostrar para amigos, em primeira mão, este seu mais recente trabalho.
São 57 minutos de imagens de um grande e elaborado presépio, durante os quais ouvimos a voz de Cavalcanti narrando passagens da história de Cristo entremeadas por lembranças de sua infância, sobretudo ligadas à figura de sua mãe. Cavalcanti adapta poeticamente os textos sacros e canta, sem acompanhamento algum de instrumentos, algumas músicas religiosas. Sucedem-se as imagens do presépio do princípio ao fim.
É um vídeo marcante, pois é verdadeiramente religioso em sua postura totalmente contemplativa e em sua simplicidade franciscana. Foi realizado com apenas uma câmera, em um único cenário. A voz de Cavalcanti preenche o campo da atuação teatral-musical-poética e também documental, pois o vídeo é autobiográfico em sua emocionada recordação da figura materna.
Cavalcanti conseguiu fazer um épico com apenas um presépio. Faz lembrar outro épico minimalista, o curta Alma no Olho, de Zózimo Bulbul (1976). Provavelmente, enfrentará enormes dificuldades para ser exibido, dado o seu caráter radical: trata-se de um vídeo-oração. Deixo registrado aqui a ousadia e a coragem do gesto de Emmanoel Cavalcanti: falar de si e da fé com recursos mínimos (uma câmera digital) e máximos (a sua sensibilidade poética).
Luís Alberto Rocha Melo

8.5.06

Quiroga

O Globo publicou hoje uma notícia curiosa sobre o novo filme do Paulo Sérgio de Almeida. O tom da matéria sobre o filme não vai surpreender a ninguém que já conheça a filmografia de Almeida (ele dirigiu os filmes mais recentes da Xuxa, fez Banana Split nos anos 80 e, se não me engano, foi co-diretor de Inspetor Faustão e o Malandro, o filme com Fausto Silva e Sérgio Malandro), mas achei bem curioso ver a trama do filme que estão bolando a partir de uma história do escritor uruguaio Horacio Quiroga (1879-1937). O Quiroga é um contista impressionante - vale então aproveitar a chance pra dar a dica, já que alguns de seus contos estão disponíveis na internet. Para quem tiver estômago e gostar de histórias assustadoras, eu sugeriria que a leitura começasse por um conto citado na matéria do Globo - La Gallina Degollada é uma história bem forte.
(Pra quem tiver bastante tempo, disposição e vontade de ler em espanhol, fica também a sugestão de dar uma boa olhada no acervo de contos desse site, o Ciudadseva, que é bom, muito bom mesmo).
Daniel Caetano

3.5.06

Programação - CEP 20.000, Dom João, Valente

Programação bem animada essa semana aqui no Rio.
Hoje, além da clássica sessão cineclube no Odeon com um filme do Ferreri, tem também a estréia do documentário CEP 20000, do Daniel Zarvos, sobre o evento homônimo, que acontece há mais de quinze anos no Espaço Sérgio Porto. É lá mesmo que o filme vai ser exibido hoje, quarta-feira, 3 de maio, às 20hs. O aviso ficou meio em cima, mas vale o registro. É comum ouvir críticas ao CEP que, na verdade, são dirigidas não a ele mas ao estilo que predomina por lá. Isso é besteira, porque o legal do CEP é ser um espaço criado para poesia e afins - esse mérito ninguém tira da iniciativa mantida até hoje aqui no Rio pelo Guilherme Zarvos e pelo Chacal. Agitação cultural é isso aí. Agora, se alguém não gostar dos poemas, aí é o caso de ir reclamar com os poetas. A existência do espaço é um troço da pesada.
Depois de amanhã, rola a estréia do curta A Re-volta do Rei João, do Guilherme Whitaker, já comentado por aqui. Trata-se do curta feito com o material filmado na filmeata feita em protesto à decisão grotesca da Secretaria municipal de Cultura daqui do Rio de só permitir o uso da lei de incentivo em 2006 para projetos sobre a chegada de Dom João ao Rio de Janeiro. Vai ser exibido junto com outros quatro curtas: Alô Tocayo, Francamente, Gringo in Rio e Seu Minervino e a viola caipira - a sessão acontece no Ateliê da Imagêm, sexta-feira, 5 de maio, às 20h30. Tem mais informações sobre os filmes no Curta o curta.
E no sabadão, como já sabe quem leu a matéria do Globo citada aí embaixo, vai rolar uma sessão com os filmes do nosso ex-editor Eduardo Valente na já tradicional sessão cineclubística da ABD&C, que acontece aos sábados na Casa de Rui Barbosa. Vão exibir os três curtas do Eduardo e também os dois clipes dos Los Hermanos que ele dirigiu - isso rola na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, no dia 6 de maio, às 16hs.
Daniel Caetano

2.5.06

Dinheiro público sem retorno?

Já que o assunto começou na nota abaixo, vale passar o link da matéria do Globo publicada no domingo passado sobre os planos de prorrogação da Lei do Audiovisual (já em tramitação no Congresso). É assustador notar a disposição de alguns (os clássicos...) em fazer a prorrogação ser aprovada sem qualquer alteração na forma da lei. Sim, há toda a questão dos prazos e processos, mas isso não justifica essa cara-de-pau. Há pontos já bastante discutidos que podem ser modificados sim, e isso não é nada complicado - basta que as partes interessadas evitem confundir as questões.
Antes de mais nada, é preciso discutir qual é o retorno apresentado pelo investimento nos filmes. Uma vez o nobre Luiz Carlos Barreto comentou com razão que "o retorno são os próprios filmes!". Pois bem, que se ceda os filmes então! Só faz sentido prorrogar essa lei se os próximos filmes tiverem meios de ser vistos - e um meio simples, como já lembramos mil vezes aqui, é exibi-los na rede pública de televisão.
Como o dinheiro que fez os filmes é público, através da lei, é muito justo que essa lei passe a garantir ao Estado o direito de exibir o filme na televisão sem custos adicionais, não é mesmo?
Caso convenha ao produtor não exibir o filme em rede pública aberta, sempre se pode permitir a alternativa de devolver integralmente o valor dos incentivos, a partir da renda de bilheteria e afins...

Porque se é pra prorrogar uma situação em que a maioria dos filmes não obtém sequer uma média de 50 mil espectadores nas salas de cinema, aí a proposta fica muito esquisita - parece ser uma defesa da manutenção de privilégio mesmo.

Outro ponto importante é o custo dos filmes e o favorecimento a filmes mais comerciais ou menos. Sobre isso, a reportagem traz uma idéia iluminada do veterano Roberto Faria: a de que o recriado prêmio de Adicional de Renda seja destinado somente a filmes feitos sem incentivo de leis fiscais. Se a isso se somar uma restrição maior ao custo dos filmes nas leis (ou seja, reduzir o limite dos orçamentos, barateando os custos), o que pode acontecer é o seguinte: filme com estrutura comercial joga dentro das regras do comércio, tendo o apoio do Adicional de Renda (justo, já que o mercado é reduzido e dominado); filmes menos inseridos no mercado podem ser feitos através de leis de incentivo, com orçamento reduzido e tendo que permitir a exibição em rede pública alguns anos após o lançamento.

Há outras idéias simples e interessantes a serem discutidas. Mas fica difícil se a base da conversa for esse "em time que tá ganhando não se mexe".
Que é um argumento sem sentido, inclusive porque time que tá ganhando não precisa de prorrogação. Não é mesmo?

(já o post é com links do Globo, vale também dar a dica pro pessoal que não é do Rio - saiu hoje uma matéria bem bacana sobre nosso ex-editor Valentoni)
Daniel Caetano

Dinheiro público sim, e com razão!

O pessoal gosta de repetir por aí aquela frase do Godard em História(s) do Cinema, "cultura é a regra, arte é a exceção". Pois é, é bom atentar para ela - mas não como forma de dizer que "só a arte é importante"; ao contrário, pois sem regra não há exceção.
Me desculpe o Paulo Santos Lima, gente finíssima, mas hoje ele publicou uma opinião na Folha que é preciso contestar. É, na verdade, o mesmo pensamento que o nosso leitor Antonio deixou aqui em alguns comentários numa nota abaixo - o de que é inaceitável botar dinheiro público (através de leis de incentivo) em alguns filmes recentes, devido à sua muito discutível "má qualidade".

Em uma palavra, esse argumento é absurdo.

Antes de mais nada: é muito necessário discutir o uso de recursos públicos em produção de cinema; é muito natural, do mesmo modo, que seja preciso discutir a qualidade dos filmes. Mais do que isso, é preciso também entender de que maneira o modo de produção (as leis de incentivo) acaba moldando a forma dos filmes a partir do seu contexto (facilitando a vida de alguns tipos de filme e marginalizando outros).
Mas, se o esquema de produção é fato a se considerar para compreender os filmes, o contrário não vale. A ordem dos fatores embaralha o julgamento. Não é possível discutir a correção e validade de uma lei e de uma política a partir da avaliação (sempre questionável) dos filmes. Para questionar a justeza das leis, é possível usar argumentos factuais (o valor do orçamento, o local de origem, entre outros), mas não argumentos baseados em avaliações subjetivas - como são, sempre, as opiniões sobre filmes. Por conta dessa base subjetiva, a ampliação do específico para o geral soa autoritária. Por exemplo, o Paulo diz que, com exceção do Crime Delicado do Beto Brant, entre os filmes brasileiros de 2006 só tem tranqueira, a começar pelo "horror" de Irma Vap - O Retorno. Mas e se a gente discordar da avaliação dele sobre Irma Vap (que, se está longe de ser uma obra-prima, não me pareceu mau filme)? Aí a avaliação sobre leis vai por água abaixo.
Ou seja, para se crer na qualidade da discussão sobre as leis, é preciso acreditar que há avaliações "corretas", "objetivas", para os filmes. Não há. E, mais do que isso, é preciso acreditar que uma avaliação estética específica, de um único filme, pode servir como critério para uma consideração ampla sobre uma política pública contínua, como se uma ação cultural pudesse ser avaliada por resultados imediatos. Como já escrevi num comentário, é como se olhássemos para a ponte Rio-Niterói e disséssemos: "É muito feia essa ponte - seria melhor que o governo não desse mais dinheiro para fazerem novas pontes".
Em que se pese a diferença entre construir uma ponte e produzir um filme, na verdade a lógica do argumento é a mesma, é uma lógica furada da mesma maneira.

De resto, não concordo com os olhares apocalípticos: há coisa boa nos cinemas, assim como há coisa boa para estrear. Talvez o Paulo ou o Antonio não concordem comigo com relação aos filmes que eu consideraria bons (já sei que não gostaram de Brasília 18%, por exemplo). Mas é essa a regra do jogo, né?
Daniel Caetano

1.5.06

Dois filmes brasileiros

Assisti no sábado a Achados e Perdidos e domingo a A Máquina. Não achei de nenhum dos dois ruins como eu imaginava. São dois filmes que circulam entre o óbvio e o banal, mas já que eu esperava um tédio absoluto, me impressionei com algumas coisas que eu não esperava de ambos, uma certa eficiência e empatia que não foi muito identificada (à exceção do texto do Gilberto para o filme do Joffily). Como defeito principal de A Máquina, vejo essa coisa esquizofrênica de tentar nos identificar com os personagens mas, ao mesmo tempo, se distanciar para ficar fazendo as gracinhas "poéticas" do tipo "pensei isso aqui na minha inteligência" ou aquelas definições do tipo Ilha-das-Flores-de-segunda, como em "shopping é um lugar onde moram coisas ao invés de pessoas". Achados E Perdidos, de certa forma, faz isso através do vai-e-vem dos flashbacks. Bom, vai-e-vem é um movimento muito apropriado para um filme sobre prostitutas, mas aqui ele serve justamente para ficar nos desinstalando da história, e o efeito é de que se cria uma espécie de filme-sanfona, que está mais interessado nas circunvoluções lógicas de um roteiro exibicionista do que de fato em criar qualquer vida naqueles personagens - exceção feita a Antônio Fagundes, que consegue povoar de vitalidade todos os planos em que aparece.
A Máquina, não tendo alguém que se equipare ao Fagundão, se ressente ainda mais de falta de vida, mesmo porque tudo é de uma artificialidade feia, de uma lógica superior à dos personagens (É claro! toda a graça do filme se baseia em como esses ignorantes têm uma sabedoria adorável, em que adorável revela toda a relação paternalizante que um público metropolitano, para o qual o filme foi concebido, desenvolve com eles) que retira a vida da cena e nos faz identificar apenas com a narração, ou seja, com o modo da história ser contada. Aí há mais um ponto de contato com Achados E Perdidos: ambos acham que suas histórias são contadas de uma forma bastante original e de que a narração cria um mundo gostoso de acompanhar. NÃO É GOSTOSO DE ACOMPANHAR. É FALSO. Às estruturas pomposas que garantem portfólio para roteiristas, é o momento de preferir filmes lineares, simples ou simplórios, que não precisam fazer mais nada a não ser DEIXAR SEUS PERSONAGENS VIVER.
No momento em que um personagem valer mais do que uma trapacinha inteligente de roteiro, o cinema brasileiro finalmente poderá dizer que vive novamente.
Ruy Gardnier