23.12.04

Uma historinha de Federico Fellini

Prometi ao editor Valentón contar aqui uma estorinha como complemento à notinha abaixo - então vai aí:
Numa entrevista, perguntaram a Fellini sobre os comerciais que fora chamado para criar depois que sua fama como cineasta era imensa. Ele contou então uma história sobre o último roteiro para um comercial que escrevera. Era um filmete publicitário para um banco que pretendia se anunciar como hiper-seguro. Fellini então pensou na seguinte estória: dois ladrões entram no banco e gastam todo o tempo tentando perfurar a caixa-forte - e, enquanto eles perdem tempo na tarefa, a polícia recebe o alarme e corre para a agência assaltada (dá pra imaginar que aqui seria uma narrativa com a clássica estratégia do suspense através da montagem paralela). Pois bem, quando enfim os bandidos terminam de abrir o cofre, já cercados pela polícia, eles descobrem que lá dentro não há nada além de um bilhete, onde se lê que "este banco está falido devido ao cachê de Federico Fellini"...
Infelizmente, parece que a instituição não aceitou o roteiro de Fellini.

De todo modo, para ser sincero, não lembro em que enrevista ele conta esse caso - e, além disso, o próprio Fellini admitia que gostava de inventar estórias em suas entrevistas.
Mas tudo bem - acho que, como dizem os italianos, essa história, se não for verdadeira, é um bom achado.
Bem que um dos moços contratados podia arriscar um filmetinho desses, vocês não acham? Afinal, foram escolhidos pelo talento e, não custa lembrar, vão ter total liberdade de expressão!
Daniel Caetano

Eita Brasirzão besta, seu!

Ó meu Brasil varonil, terra de contrastes, uns com tanto, outros com tão pouco...
Não é que na mesma semana que o MinC revela o resultado de seu suado concurso de produção de longas (destaco de novo: LONGAS) de baixo orçamento, no qual cinco bravos competidores saíram de uma briga com outros 135 roteiros, com R$1 milhão para realizar seus filmes, ficamos sabendo que o Banco do Brasil convidou (assim, sem necessidade de concurso nenhum, sem esforço) oito cineastas brasileiros de "ponta" para realizar filmes de divulgação de fim de ano da referida instituição pública, com a duração de três minutos e um orçamento de R$700 mil cada. Os nomes escolhidos (em produção de Renata Magalhães) eram de pessoas com sabidas dificuldades recentes de conseguirem financiamentos para seus projetos (ou seja: Carla Cammurati, Cacá Diegues, Daniel Filho, Andrucha Waddington, Fernando Meirelles/Nando Olival, Beto Brant e Jorge Furtado).
Tudo muito certo e dentro da Lei, diga-se. Mas, afinal, há que se ver em qual país se pode viver: naquele onde custa 1 milhão fazer um longa, ou naquele onde custa R$700 mil um filmete de três minutos?
Com uma liberdade de expressão deste tamanho, não tem quem não consiga ser "artista independente"!!
Eduardo Valente

Ainda no assunto do concurso do MinC

Não deixa de ser peculiar esta mania "stalinista" do Ministério ficar democratizando as listas de inscritos nos cursos, selecionados em fases diferentes, comissões. Se não fosse por mais nada, dava pelo menos para a gente dar umas risadas com esta chanchada chamada audiovisual brasileiro. Afinal, chequem lá, no site do Minc (é preciso ter o programa Adobe para abrir a página): Entre os selecionados da primeira fase no edital para desenvolvimento de roteiros (onde o Ministério dá R$ 30 mil para aspirantes a escrever um roteiro de longa poderem se dedicar aos seus projetos), a gente pode ver um monte de nomes desconhecidos (alunos de audiovisual, aspirantes a estréias em longa, jovens de uma forma geral, podemos supor), mas também garimpamos umas referências, digamos, curiosas. Um certo Zelito Viana, um outro Miguel Falabella de Souza Aguiar, um determinado Paulo Betti ou um Joaquim Vaz de Carvalho - desculpem se me restrinjo a alguns nomes, é que o espaço é curto.
Gente, tudo bem, vai, tá ruim pra todo mundo. E, mais uma vez, nada de ilegal em nada disso. Mas, pô, galera, larga o osso pra garotada, vai! Vocês realmente precisam de um salário do Governo para poderem tirar uns meses e pensarem nos seus roteiros??? Se tá complicado assim, fala com a gente que na próxima chopada da Contracampo a gente faz uma vaquinha... Tudo para não ver o pessoal passando este mico de concorrer com os estudantes de cinema do Brasil, né?
Para citar o título de um dos projetos que ainda está concorrendo ali: "Que os velhos mortos cedam lugar aos novos mortos"!
Eduardo Valente

18.12.04

Sinopse Nova e reedição de Glauber em Sampa

Duas boas notícias: vai ser lançada a nova edição da Revista Sinopse (número 10); e, como já se noticiou por aí, vai ser relançado o livro Revolução do Cinema Novo, um dos últimos trabalhos de Glauber Rocha.
Sobre a Sinopse, as edições anteriores são a melhor apresentação que se pode ter - é mais do que bem-vinda ao front a chegada desse novo número.
Sobre a Revolução..., é muito curioso reler o livro mais de duas décadas depois dele ter sido editado. Não só pela presença fantasmagórica que Glauber Rocha ainda mantém nas discussões sobre cinema brasileiro, mas também porque alguns dos principais personagens das ações políticas atuais (no caso Ancinav ou nas leis de incentivo) são figuras centrais do Cinema Novo - um movimento cujos integrantes, nos últimos tempos, cada vez mais parecem com uma trava anti-movimento. Aquelas questões incômodas, no entanto, continuam por aí.

O que os dois lançamentos têm em comum? Os dois vão ser lançados em Sampa nesta segunda-feira, dia 20/12, com coquetel, no Espaço Unibanco, às 19hs. Depois, às 20hs, tem exibição de Câncer, um dos melhores filmes de Glauber Rocha, seguido de debate sobre esse tema espinhoso que são as relações entre Cinema Novo e cinema brasileiro contemporâneo, com Alfredo Manevy e Ismail Xavier.
Daniel Caetano

15.12.04

Prates Correa no Tela Brasilis

Tem filmão na programação dessa semana da sessão Tela Brasilis: vão exibir Minas Texas, do Carlos Alberto Prates Correa.
O pessoal da Cinestesia mandou bem na programação. Esse filme fez parte da leva (sofrida) de filmes feitos ou finalizados na era Collor - e, por isso, invisíveis ao público. E o Prates Correa é diretor de belezas como Perdida e Cabaré Mineiro - desde Minas Texas ele tem andado recluso, infelizmente.
Ou seja, programão. No mesmo esquema de sempre: sala de cinema do MAM, às 18hs30, nessa quinta-feira, dia 16/12.
Daniel Caetano

5.12.04

Documentários e Globo Repórter

A edição desta sexta-feira do programa Globo Repórter, da TV Globo, pode representar um marco no quadro atual da TV aberta brasileira. Um marco circunstancial, é verdade, mas ainda assim um momento de definição. O programa Personagens de uma tragédia não foi um Globo Repórter normal, em vários sentidos.
O primeiro deles, embora seja menos aparente, é que ele se trata, provavelmente (prometo informações mais precisas em breve), de uma produção independente, um procedimento não inédito mas raro - e, sobretudo pelo grau de liberdade que o programa se deu, surpreendente. As pistas para isso estão, para começar, no desvio, na estética do programa, do padrão adotado pela emissora para filmagem, edição e até de identificação visual e gráfica.
Mas a grande diferença é que aquele não foi um programa de reportagens normal. Não apenas pela pauta, que escapa à estatística que dita os temas de vida selvagem, saúde, comportamento ou temas noticiosos se revezando, mas pela abordagem. Para ir direto ao ponto: Personagens de uma tragédia não era uma reportagem, era um documentário. Clássico, é verdade, mas a recusa a elementos tradicionais de reportagem de TV (até mesmo do mais vaidoso e habitual, a passagem, o momento em que o repórter aparece) deu tal fôlego ao programa que o conduziu a outro eixo de interpretação. Mas o traço mais forte de documentário que ele apresentou é que ele, feito na TV, é um bom documentário, como eram os do Globo Repórter quando começou, com realizadores como Eduardo Coutinho ou Walter Lima Júnior: nega aquilo que de pior há na reportagem de TV, a certeza.
Em vez disso, momentos como o de uma das últimas cenas, em que o "criminoso" em questão no programa (que narra a história da investigação de uma chacina em um bairro da periferia de São Paulo), ao ser preso, diz ao jornalista: "Como é que você estraga a vida de uma pessoa assim, rapaz?" (a reportagem havia localizado o suspeito e contribuído para sua prisão). O repórter, que é apenas uma voz em todo o programa, responde com um tradicional, heróico e jornalnacionalzístico "Eu estou fazendo o meu trabalho". Em qualquer edição normal, acabaria aí. Nesta, a contradição é cabida: "Você não está fazendo seu trabalho, não, amigo. Sabe o que você está fazendo? Destruindo a vida de um pai de família, que tem filhos para criar".
Cabe uma investigação (que, assumo aqui o compromisso, proponho-me a trilhar) sobre de onde veio este documentário e para onde vai o programa agora.
Alexandre Werneck

3.12.04

Acervos Embrafilme e Concine

Boas novas: a ANCINE acaba de nos enviar uma nota comunicando-nos que os famigerados arquivos da Embrafilme e do Concine (aos quais refere-se o texto do Luiz Gonzaga de Luca publicado aqui ao lado) encontram-se em "adiantado processo de recuperação". A nota afirma ainda que, após a recuperação, os arquivos deverão ser disponibilizados ao público, o que está previsto para o primeiro trimestre de 2005.
Fernando Veríssimo

1.12.04

Programações

Rio e Sampa têm programas e tanto para as próximas semanas:
- No Rio rola a mais que tradicional mostra Curta Cinema, abrindo sua programação na sexta-feira, com as habituais mostras de curtas nacionais e internacionais.
- Em Sampa, Remier Lion está aprontando mais uma das suas - a edição paulistana da mostra Malditos Filmes Brasileiros. São pérolas imperdíveis de vários nomes míticos do cinema brasileiro dos anos '60 e '70 - e eu espero que depois o Remier trate de trazer esses filmes para o Rio!
Enfim, ninguém pode reclamar de falta de programa para ir ao cinema nas duas cidades em dezembro...

ATUALIZAÇÃO: já ia me esquecendo de avisar: por conta da Curta Cinema, o calendário dos programas cariocas se modificou um pouco - a Sessão Cineclube vai ser antecipada da próxima quarta-feira para esta sexta, dia 03/12, e o Cachaça Cinema Clube acontecerá na noite de sábado, dia 04/12, às 21h30.
Vale muito a pena ir nos eventos. Vale ir na Sessão Cineclube porque ela será dedicada a exibir curta-metragens de Rogério Sganzerla, do seu primeiro filme, Documentário, ao último, sobre Hans-Joachin Koellreuter. E vale ir ao Cachaça porque... oras, porque é o Cachaça!
Daniel Caetano