28.8.07

Ah, essa hipocrisia!...

Pois é, estava eu lendo o Globo na web, coisas do meu cotidiano em Rio das Ostras... E eis que leio um texto escrito por José Padilha, diretor de Tropa de Elite, publicado hoje no Segundo Caderno, em que o realizador condena a pirataria que vem dando popularidade ao seu filme, nega com veemência que a distribuição pirata seja uma jogada de marketing ("acredito que a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial encontrará quem pirateou o meu filme, e confirmará assim o absurdo dessas alegações") e ataca violentamente os que compraram os DVDs piratas, reservando maior rigor para jornalistas e policiais que tecem comentários sobre o filme, mas não assumem ter visto cópias piratas e usam o subterfúgio de dizer "me contaram". Estes, segundo Padilha, protegem-se da acusação de violação a direitos autorais "ao custo de revelar a sua hipocrisia".
Aí o link que está logo abaixo do que nos remete ao texto irado de Padilha é do Blog do Bonequinho, em que a redatora faz uma reportagem sobre um dos atores de Tropa de Elite. Ela conta que os passantes nas ruas elogiam o desempenho do sujeito - com razão, segundo ela, porque ele "arrebenta" no filme.
Daniel Caetano

Jairo Ferreira em São Paulo

Entre os destaques da Mostra Internacional de Curtas de São Paulo, vale a pena destacar um: é a exibição dos filmes de Jairo Ferreira, e o dia apropriado para assistir é hoje, dia 28, na Sala Cinemateca, às 18h, porque há filme-bônus e minidebate depois. A sessão regular, já exibida no CCSP e no Cinusp, apresenta os filmes Antes Que Eu Me Esqueça (1977), Ecos Caóticos (1975), Horror Palace Hotel (1978), O Ataque das Araras (1975) e O Guru e os Guris (1973). Todos os filmes passam em Beta. O filme extra, que só passa hoje, é Nem Verdade Nem Mentira, de 1979. Para aqueles que não podem se deslocar até a Vila Mariana nessa terça-feira, a sessão passa, sem os mimos de filme-bônus e debate, no Espaço Unibanco de Cinema, amanhã (quarta 29) às 19h. Para mais detalhes e imagens dos filmes, vale a pena visitar o blog Cinema de Invenção, capitaneado por Juliano Tosi, em homenagem à obra de JF.
Todo mundo sabe, mas não custa ratificar: imperdível.
Ruy Gardnier

27.8.07

700 cópias significa força ou o prenúncio da agonia?

Essa nota do Rapha aí embaixo nos obriga a chamar a atenção para outra consequência da pirataria de filmes: o aumento do número de cópias dos chamados blockbusters nos anos recentes. Mesmo quando o país tinha cinco mil cinemas, não havia tantas cópias para a estréia de um único filme como vem acontecendo com investimentos nem tão vultuosos das empresas gringas que compõem a Motion Pictures. Será que o fato de Homem-Aranha 3 ter estreado com tantas cópias é apenas consequência da casa-de-mãe-joana que é o mercado de salas de cinema? Se é assim, por que antes a invasão não era ainda maior, quando havia mais salas?
Me parece evidente que esse imenso número de cópias é consequência de um punhado de razões - o retorno para publicidade maciça e a necessidade de encurtar a janela para DVD e TV - mas o diferencial é justamente essa pirataria que obriga os filmes a serem acessíveis o mais rapidamente possível nas salas.
Basta fazer as contas, porque Hollywood não gosta de jogar dinheiro fora - qual seria o motivo para gastar mais dinheiro fazendo o dobro de cópias do que se fazia anteas? Porque é assim que dá lucro. A médio prazo, com o aumento (inevitável?) da pirataria de DVDs e de downloads, como é que os investimentos nesses filmes carésimos vão obter retorno?
Há décadas se fala no fim do cinema, e no entanto a produção de filmes continua, mesmo que os conceitos e significados sociais dos filmes tenham mudado muito. Mas blockbusters não são uma invenção imprescindível para o cinema e não existem desde o início dos tempos - ao contrário, há um período claro em que começam a ser feitos, no final dos anos 70. Isso ainda pode demorar anos, mas, assim como surgiram, eles podem um dia se tornar inviáveis e acabar. Ou serem reduzidos a espaços similares aos que seus produtores tentam reduzir o resto dos filmes. Um espaço marginal e circense, circense como são estes filmes que representam o auge da indústria.
(Ok, alguém poderá dizer que essa profecia está mais próxima de uma praga rogada. Pode ser...)
Daniel Caetano

22.8.07

Pirataria

Tem sido veiculada em alguns dvds uma campanha publicitária anti-pirataria. A história é simples. Um pai chega com um presente para o filho. Um famigerado dvd pirata de "um filme inédito no cinema", como diz. O filho, contente, recebe o presente e mostra ao pai a prova pirata que havia feito no colégio. O pai não entende muito bem, até o filhote explicar: "prova pirata, pai. copiei tudo de um amigo meu". E então, como de se esperar, o paizão fica com uma cara de bobo, sem saber como agir, sob o olhar repressor da mãe, que está ao fundo só observando a cena. Nesse momento, e só então, o pai é invadido pelo sentimento de culpa, tomando ciência do ato incorreto. A imagem se transfigura, ganha um tom uniforme, quase preto e branco. Atitude anti-ética, deve ser combatida com todo vigor.
Antes de combater a atitude, no entanto, talvez devêssemos combater a propaganda. Não se trata, aqui, necessariamente, de defender a pirataria, mas levarmos em conta, em primeiro lugar, o mercado distribuidor e exibidor de filmes, tanto em home-video quanto, e sobretudo, no cinema. Os ingressos são caríssimos, as salas normalmente estão concentradas em shoppings, sob a outorga dos multiplex e seus preços comumente exorbitantes. O cinema, popular um dia, hoje é bem menos freqüentado do que seu potencial permite. Não se trata de falta de vontade ou mesmo de interesse do espectador, falando em números brutos. Entretanto, muitas vezes o "programa cinema" torna-se inviável. Para uma família composta de um casal e dois filhos, o desembolso de um filme em cartaz é por volta de 42 reais (sendo 14 reais a entrada inteira, e 7 reais a meia-entrada para estudante). E ainda existem as despesas paralelas, como estacionamentos, ônibus e mesmo as guloseimas e seus preços supervalorizados.
Para a mesma família assistir ao mesmo lançamento em sua casa, com a imagem ruim, a janela de exibição errada, os contrastes alterados, o som de péssima qualidade e a diversão garantida, ela gasta apenas 10 reais (levando em conta um grande lançamento como Piratas do Caribe ou Homem-Aranha 3).
Antes de prosseguirmos, melhor voltar à recente trajetória do mercado fonográfico. Lembram-se do Napster? Combatido, seus idealizadores foram perseguidos e acusados de falta de ética. Hoje, no entanto, vemos a proliferação de Emules, Soulseeks, Kazaas e uma série de outras fontes onde se podem baixar músicas de graça pela internet. Atividade ainda não regulamentada, mas absolutamente fora do controle das gravadoras ou mesmo dos artistas.
A comparação com o mercado fonográfico torna-se inevitável. Guardadas todas as proporções (que de fato não são pequenas) o mercado exibidor de cinema precisa se atualizar. Certamente não serão as campanhas de cunho educativo e moralista que reverterão a situação calamitosa prestes a se instalar. A pirataria tende a crescer, não somente com os camelôs pelas ruas, mas com a internet, sobretudo.
Mas as atitudes recentes são as de revista nas cabines de imprensa, com a entrada proibida de celulares ou aparelhos eletrônicos, a fim de evitar a produção futura de dvds piratas dos filmes exibidos. As grandes distribuidoras, ao invés de repensar o sistema operacional, apelam para o sistema repressor e de controle (sempre corrompíveis, evidentemente).
Voltando à propaganda supracitada, o que mais chama atenção, no entanto, é a forma como a campanha é desenvolvida. O tom provocador faz com que o espectador pirata se sinta absolutamente culpado. Transforma o ato em condenável, fazendo da própria comparação com a prova do filho algo cabível, quando na verdade não passa da mais absurda estratégia de repressão moral. A condenação da ética imposta pelos idealizadores de tal campanha beira a atitude mais nociva, digna de comparação, esta sim bastante cabível, com sistemas totalitários, que apelavam ao convencimento da população a partir de golpes baixos, colocando o indivíduo contra si próprio. Ah, claro, o tom engraçadinho está presente. Assim, se em um primeiro momento você ri, no outro se esconde. E dessa forma vamos levando: faz-se filmes, eles são copiados, as cópias são combatidas, culpa-se o espectador final e faz-se filmes...
O espectador ávido pelo cinema. Realizadores batalhando para produzirem. E um sistema operacional absolutamente desconectado dessas vontades. Mas mudar é trabalhoso, e a gente vai levando, vai levando, vai levando...
Raphael Mesquita

13.8.07

MAM/RJ traz Bressane, Fuller, Chabrol, Glauber, Oiticica, Godard, Sganzerla... o responsável é Ivan Cardoso...

Uma feliz coincidência faz com que as três exposições presentes no MAM/RJ sejam relacionadas, com mais ou menos propriedade, ao cinema brasileiro. A primeira, estreada há duas semanas, é a de Bia Lessa (realizadora do longa-metragem Crede-Mi, há menos de dez anos) sobre Guimarães Rosa e seu Grande Sertão: Veredas.A segunda, estreada terça-feira da semana passada, é dedicada à Tropicália e, apesar de não envolver uma mostra com os filmes pertencentes ao período, traz cartazes, fotografias, capas de disco e, com mais força, exposições dedicadas aos artistas plásticos mais decisivos do período e do "movimento", como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Antonio Dias, Lygia Pape, entre outros. Curiosamente, trata-se da primeira geração artística brasileira a fazer uso ostensivo da película como suporte às suas experimentações artísticas (parte dessa produção pôde ser vista numa mostra recente, em vídeo, infelizmente muito mal montada, curada e apresentada ao público pelo Oi Futuro há uns meses atrás). Mas eu queria chamar atenção mesmo é para outra exposição estreada no mesmo dia da badalação tropicalista, que foi a FOTOIVANGRAFIAS, com fotografias, colagens e objetos de Ivan Cardoso produzidos de 1970 até os dias de hoje. Boa parte do material já aparece em seus livros ou ilustrou reportagens e livros de outros, mas pouco importa. Expostos, enormes na nossa frente, seus retratos encontram sua dimensão apropriada, e vistos todos em conjunto nos permitem vislumbrar um olhar de artista que, por trás do reconhecido escracho e teor pop que permeia sua obra (e tão celebrado quando do lançamento de um O Segredo da Múmia, em 1981, por exemplo), existe um cuidado, um detalhismo, uma delicadeza da construção do gesto, do momento, que só aparece a partir de um olhar mais cuidadoso, revelando um potencial icônico que ora acasala a personalidade do retratado (impossível existir imagem mais apropriada de Torquato Neto do que a fotografia de seu rosto envolto no escuro, p.ex., ou os irmãos Campos + Pignatari vistos em dois tempos diferentes, Macalé com os telefones...), ora como pura força de imagem, como as fotografias de Hélio Oiticica ou a fantástica imagem que ressalta os olhos de Jardel Filho, escondendo quase a totalidade de seu rosto. No mais, a exposição ainda serve como uma coleção, um registro daqueles personagens que foram culturalmente os mais significativos para uma geração de artistas brasileiros, aqueles que se identificavam com a vanguarda e a renovação das artes brasileira, no cinema, na poesia, na arte plástica, na crítica, etc. Uma forma de paideuma (para usar um termo muito badalado por essa turma), por que não?
A exposição vai até 30 de setembro, mas pra que esperar tanto tempo?
Ruy Gardnier

12.8.07

Como Debord já dizia...

Em "Cette mauvaise réputation...", livro composto de réplicas a jornalistas e intelectuais que haviam escrito sobre ele, Guy Debord comenta que "uma das múltiplas utilidades do espetáculo, justamente, é de dirigir o grande público para debates bem conhecidos e até prefabricados ad hoc". E qual não é o espanto (porque surpresa em si não há, infelizmente até) ao conferir, tardiamente, confessamos, os debates surgidos nos jornais brasileiros em decorrência da morte de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni (a se notar, naturalmente, que nenhum desses jornais deu a devida atenção à morte de Edward Yang, e nenhum deles deu qualquer atenção à morte de Isidore Isou - poeta, pintor, teórico e cineasta -, sequer noticiada). O tom dos artigos e reportagens, de uma solene nostalgia com o "cinema sério", "autoral" dos anos 60, faz crer que esses veículos buscam incansavelmente, dos anos 60 até os dias de hoje, por realizadores de "cinema sério", "autoral", e que é por evidência comprovada que nada nos dias de hoje se compara a esse cinema de antão, e que, conseqüentemente, é legítima a fonte de indagação: com a morte desses artistas, ainda existe cinema de autor?
A resposta, no entanto, não deve ser dirigida ao panorama cinematográfico, mas ao próprio trabalho diário dessas pessoas que, iletradas, míopes e/ou hipócritas, pouco se importam com os aspectos artísticos da arte cinematográfica quando se dignam a falar de filmes "eletrizantes", quando abrem as pernas para o espectador mais raso, quando falam em "cinema oriental" com aparente propriedade quando esse termo tem significação nula para qualquer um que acompanha com alguma atenção o cinema asiático em toda sua diversidade, quando JAMAIS usam do espaço que têm em seus respectivos veículos para falar de diretores como Hou Hsiao-hsien, Chantal Akerman, Hong Sang-Soo, Pedro Costa, João César Monteiro, Apichatpong Weerasethakul, Wang Bing, Philippe Garrel, Claire Denis, ou quando jamais utilizam o espaço que têm para falar em termos autorais de gente como M. Night Shyamalan, Michael Mann ou Clint Eastwood.
O fato de que a morte de dois cineastas que marcaram os anos 60 só conseguiu originar um debate sobre a morte do cinema de autor só serve para corroborar algo que está aí o tempo inteiro, mas que fica mais evidente quando vemos uma enxurrada de gente fazendo as perguntas erradas e erigindo falsas questões no lugar das apropriadas: não é que o cinema não se reconstruiu como "cinema de autor" a partir dos anos 60, o problema é que as pessoas autorizadas a construir cânones e panteões são meros funcionários de um senso comum vigente, funcionários de um modo de vida que preza o "entretenimento de qualidade" (função ideológica de uma certa crítica há tempos imemoriais) e que, por deficiência de posição e de visão, foram incapazes de ver um panorama cinematográfico se reconfigurar e produzir novos artistas e grandes autores.
E o problema não é só brasileiro, como se pode ver nas estupidíssimas declarações dadas por Michel Ciment ao suplemento Mais da Folha de S. Paulo de 5 de agosto: fora com os radicais (Costa, Hou, Weerasethakul), fora com os desabusadamente comerciais (irmãos Farrelly, Mann), vida longa ao bom senso unanimista. Não à toa, uma palavra que rondou os últimos escritos de Guy Debord e que perpassa os escritos recentes de Jacques Rancière é consenso - assim como a idéia de que vivemos tempos consensuais em que a verdade é construída através do reforço e da insistência da mesma coisa dita e escrita em diferentes lugares, ou seja, por um imenso (e até inconsciente) aparato de marketing, ou ür-marketing, se se quiser. Nesse breve estudo de caso, eles não poderiam estar mais certos.
Mas como aqui a gente gosta de ser chato; como, torquatamente adoramos desafinar o coro dos contentes, jogamos a bola no campo do adversário dizendo que o que não se renovou não foi o cinema, foi o olhar de quem se perguntou sobre cinema dessa forma.
Ruy Gardnier

- Peixe fresco, quem vai querer?

Pois é, depois dos cascudos que o Conceição tomou do crítico do Globo, o Segundo Caderno publicou ontem um texto meu que tentou oferecer uma outra visão sobre o filme para os leitores do jornal. Foi um espaço bem bacana para um texto, só temos a agradecer. Não dá pra comparar com esses textos bonitos que estão por aí (dois aqui na Contra, outros pela web afora) porque é, vamos ser claros, um texto de um dos diretores do filme querendo dar razões claras às pessoas para assisti-lo. Mas tentei evitar que fosse apenas um texto rebatendo a crítica publicada, porque isso normalmente é muito chato. Como o acesso ao Globo não é coisa muito simples na web, republico aqui o texto para quem quiser ler.

Falei que rebater a crítica é chato, mas acho que tem um ponto do texto que vale a pena comentar aqui, porque não diz respeito apenas ao filme que eu fiz ou ao sujeito que fez a resenha (embora eu tenha percebido isso porque estava ligado, é claro). É o seguinte: o texto em questão terminava com as frases: "Como brincadeira, deve ter sido divertidíssimo. Para o espectador, nem tanto".
Como opinião, problema nenhum, tudo parte do jogo - é claro que fazer um filme não é brincadeira, mas o juízo de valor é problema do cara que escreveu e ele pode achar o que quiser. O problema está no lugar em que ele se coloca para o leitor - como se tivesse a visão d'O Espectador'. O sujeito que escreveu o texto é apenas um dos vários espectadores, e outros podem ter uma visão diferente da dele, sem por isso serem "menos" espectadores do que ele. Isso é o óbvio. Não haveria problema algum caso a frase final fosse "Para este crítico, nem tanto".
Achei que valia a pena falar desse caso aqui por conta disso. Alguns velhos de guerra vão saber que volta e meia isso acontece, há muito tempo, e que o que me levou a comentar a questão foi o envolvimento que eu tenho com o filme - mas os outros leitores podem achar interessante essa questão que envolve a ética da escrita sobre cinema (e sobre arte em geral). Sobretudo porque esse tipo de equívoco é bastante estimulado pelo formato editorial de "guia de consumo" dos cadernos culturais, mas deixa evidente a vergonha que o crítico tem de assumir o seu papel no texto (ou o seu texto no papel, sei lá). Até dá para entender os motivos, eu também já tive altos problemas com o termo "crítico" e a imagem social da parada. Mas o rapaz que resenhou o filme no Globo não é "o espectador", ele é um crítico e precisa se reconhecer como tal. E, mal ou bem, isso sempre vale pra todos nós que escrevemos sobre filmes, é claro.
Daniel Caetano

11.8.07

Sobre a terceira temporada de Desperate Housewives

Quando se acertou, a partir de meados da primeira temporada, e principalmente durante a segunda, a série Desperate Housewives parecia dar um frescor novo à programação televisiva americana. Dado o sucesso inicial, os roteiristas começaram a esticar até o limite o quanto suas personagens principais poderiam se meter em acontecimentos escabrosos e, ainda assim, continuarem a ser objetos de afeição para o espectador. A fórmula, episódio por episódio, era proporcionar, dentro daquele mundo "comum" do subúrbio, narrativas cada vez mais surreais, de tal forma que os limites dados para cada um daqueles "seres" - tanto os principais quanto os coadjuvantes - pareciam ser totalmente elásticos, a ponto de qualquer reviravolta na vida do subúrbio representado ser absolutamente crível. O distanciamento da narradora, e sua eterna posição de sarcasmo, favoreciam esse certo estado do espectador, no qual a verossimilhança poderia ser suspensa para que fosse possível adentrar, semana a semana, aquela "brincadeira" surpreendente, dentro da qual as peças do jogo eram revertidas e recompostas a cada episódio, prendendo a atenção para - afinal - o que ainda fosse possível no episódio seguinte. De forma bastante inteligente, a série, tomando o jogo de aparências e fofocas predominantes na vida dessas "donas-de-casa desesperadas" como a premissa de sua construção narrativa - fazendo com que os próprios enredos parecessem essa rede de fofocas que aos poucos vai se desvendando -, conseguia se aproximar afetiva e sentimentalmente das personagens, ainda que quase sempre pelo lado do humor.
Acabada a terceira temporada da série, no entanto, algo parece ter mudado. Aos poucos, o drama de cada protagonista foi se tornando estranhamente real, como se os acontecimentos grandiosos - assassinatos, traições, chantagens - não pudessem mais pertencer a elas. Ainda que as donas-de-casa continuem dotadas de suas imperfeições, ou mesmo que permaneçam objetos de riso, a série se afeiçoou tanto a estas protagonistas que não consegue mais colocá-las em um estado no qual o crime não possa ser seguido - ou antecedido - de sua absolvição, como se, no fundo, a moral de cada uma possa continuar sempre intacta. Dessa forma, Desperate Housewives, ao colocar-se junto a suas personagens para o que der e vier, coloca-se junto, também, ao mundo no qual elas vivem, não mais o subúrbio americano surreal e fantasioso criado de forma tão pertinente, mas um subúrbio aparentemente real, no qual o sarcasmo não pode existir sem uma boa dose de tristeza. O que era uma grande comédia de humor negro sobre a vida de uma classe alta alienada, com toques de drama e sentimentalismo contido, começa a parecer uma novela mal roteirizada, que acaba sempre por resvalar em uma emoção que não pertence àquele universo.
Desperate Housewives é o caso de uma obra que por ter, ao longo de seu decorrer, se aproximado e se apaixonado por aqueles personagens que criara, faz com que estes mesmos personagens, no momento em que deixam de ser tratados como seres distanciados, em um outro mundo que não o nosso, percam boa parte da graça, dos sentimentos, ou mesmo da proximidade. E, talvez, o melhor exemplo de que se afeiçoar aos protagonistas pode ser bastante negativo para o produto final, dependendo de qual seja este produto.
Leonardo Levis

10.8.07

Jards Macalé cantando Conceição!

Pois é. A gente teve uma idéia que eu acho bem bacana para comemorar o início da terceira semana de exibição de Conceição - Autor Bom É Autor Morto no circuito comercial de Rio e São Paulo: a gente resolveu disponibilizar a gravação de Conceição (a canção lançada pelo Cauby e composta em 1956 por Jair Amorim e Dunga - claro que é o compositor, não é o técnico) feita pelo Jards Macalé para o nosso avant-trailer. Que, claro, está disponível no youtube. Mas, para quem quiser curtir nosso ator-cantor-compositor cantando esse clássico da música brasileira, basta baixar aqui.
Aproveitem aí, porque Macalé nunca tinha gravado essa canção - e quem sabe agora o homem não se empolga e nos dá essa alegria num estúdio?... Mesmo com um microfone meio fajuto, a interpretação é linda.
E, para quem ainda não viu, cabe avisar que essa gravação não é ouvida ao longo do filme. Ela foi feita apenas para esse trailer. No filme Macalé canta uma parceria sua com Wally Salomão, Revendo Amigos. Mas essa vai ficar exclusiva pra quem for ver Conceição no cinema, por enquanto.
Daniel Caetano

9.8.07

Edgard Navarro no Cachaça!

Depois de ter exibido o Conceição em julho, não se pode dizer que o Cachaça deixou o nível cair: para a sessão de agosto, que comemora o aniversário de cinco anos do evento, o pessoal do Cachaça programou nada menos que uma retrospectiva dos filmes de Edgard Navarro!
Além do já muito célebre média-metragem SuperOutro, a tela do Odeon vai receber ainda os curtas Alice No País das Mil Novilhas, Exposed, O Rei do Cagaço e Lin e Katazan. Esses dois últimos já foram exibidos no mesmo lugar, junto com o SuperOutro, numa outra homenagem feita a Navarro em 2001 - a Contracampo até publicou uma entrevista que fizemos com o Edgard na época. Mas tanto Alice... quanto Exposed, se chegaram a ser exibidos no Rio de Janeiro alguma vez, então o foram ainda na década de oitenta - mas, sinceramente, desconfio que é a primeira vez que esses filmes são exibidos em conjunto aqui no balneário.
Ou seja, trata-se de uma sessão imperdível, porque vai ser uma comemoração de cinco anos do Cachaça com cinema do mais alto nível. Odeon, 15/08, 20h30.
Daniel Caetano

8.8.07

Maradona ou Pelé?

Sobre a nota aqui embaixo, eu queria complementar com mais um comentário. Essa lista que eu fiz tem vinte longas excepcionais e mais outros tantos curtas e médias - e isso porque não botei filmes de que gosto como Estorvo, A Ostra e o Vento, Garotas do ABC e O Ano em que meus pais entraram de férias (porque acho esses muito bons, mas eu me esforcei pra fechar a lista em 20 filmes - nem sempre vejo sentido nisso). Enfim, o que eu queria notar é que, mesmo que eu me esforce muito, não consigo fazer uma lista de filmes argentinos excepcionais com tantos títulos. Comento isso porque já falei algumas vezes com amigos e acho que isso precisa ser dito desde que o Jean-Claude Bernardet escreveu aquele artigo polêmico na Revista de Cinema em que afirmava que o cinema argentino estava se mostrando muito superior ao brasileiro.
Isso não quer dizer que eu contesto a afirmação em si - na verdade, se eu não consigo listar vinte filmes argentinos recentes excepcionais, é porque tenho muito mais acesso à produção de cinema feita no Brasil do que a feita na Argentina. E duvido que consigam listar tantos filmes o Bernardet ou qualquer outro dos que advogam essa superioridade, como nosso querido Inácio. Não se trata de querer encontrar a versão argentina para o Eduardo Coutinho ou tecer juízos de valor entre O Pântano e Serras da Desordem, e sim notar que é muito fácil pegar três ou quatro filmes argentinos mais bem-feitos e apontar a superioridade deles sobre um grupo heterogêneo de mais de sessenta filmes brasileiros.
Qualquer comparação entre cinematografias já é, por natureza, subjetiva e um tanto bizarra. Mas, para fazer um mínimo de sentido, seria preciso comparar as produções anuais por inteiro. Caso contrário, parece apenas ser o caso de achar que a grama do vizinho é mais verde.
Por outro lado, isso sempre me leva à questão sobre a recepção aos filmes brasileiros no exterior - porque não me surpreendi com o sucesso de Cidade de Deus ou Central do Brasil, mas acho realmente muito intrigante que alguns filmes com propostas bastante fortes, como O Signo do Caos ou os filmes do Coutinho, simplesmente passem em branco nos lugares em que se vê e se discute cinema com mais atenção.
Alguns podem supor que isso se deve a estarmos valorizando filmes que não são tão bons. Acho que não é por aí - o fato é que cinema depende de comunicação, compreensão, e alguns dos nossos maiores filmes recentes trazem questões que são muito fortes para quem as vive e as tem próximas, mas não têm o mesmo peso para quem não faz parte da aldeia. E, sinceramente, a valoração de obras de arte pelo seu caráter universal me parece um negócio meio simplista. Não importa tanto se afeta inicialmente apenas a um número um pouco mais restrito - desde que realmente cause uma boa agitação nas idéias e afetos.
(e eu acho que a lista da Paisà confirma isso que eu disse)
Daniel Caetano

7.8.07

Velhas novidades...

Bem, o chato de voltar à conversa depois desse tempo todo parado é que tem aqueles assuntos que a gente não pode deixar de comentar, mesmo que quase todo mundo já saiba. Então, fica aqui o registro de uma lágrima pelo fim da Nomínimo. É bem triste que um site com uma proposta bacana e bons redatores tenha tanta dificuldade de obter patrocínio hoje em dia, mesmo que seja tão acessado e acessível como foi a Nomínimo. Pelo menos o amigo Ricardo Calil continua com o seu blog, assim como alguns outros do site.
Enfim, os tempos da imprensa são brabos: só têm solidez os velhos conglomerados, os esquemas chapa-branca e as publicações que servem sobretudo de publicidade - o resto vai se equilibrando na corda bamba ou simplesmente não tem remuneração, como é sabidamente o caso da turma aqui.

Por conta disso, se o sumiço da Nomínimo causa tristeza, é preciso saudar com esperança renovada o surgimento da Zé Pereira, comandada pelo Eduardo Zé José Souza Lima. Já está à venda nas bancas pelo simpaticíssimo preço de R$ 2,00, além de ter site e blog (com um post sobre o programa Documenta Brasil que merece atenção).
Novamente podem me acusar os leitores de parcial, já que até devo fazer umas participações por lá, mas é muito legal ver surgir uma iniciativa como essa, que pode reanimar o jornalismo cultural carioca, cada vez mais preso entre a preguiça e a pose. Da nova edição, aconselho sobretudo as matérias sobre a Rádio Saara e sobre o Garage - essa, especialmente, foi pra mim um verdadeiro aprendizado, já que nunca fui naquele lugar mítico.

Além disso, agora que estreou Em Busca da Vida, cabe aqui também passar o link pra entrevista fundamental que nosso bróder Felipe Bragança publicou na Cinética com o diretor do filme, Jia Zhang-ke.

E, pra finalizar, cabe passar o link pra Revista Paisà, com sua lista de vinte melhores filmes do cinema brasileiro feita a partir de uma enquete junto à redação. É smpre curioso ver a formação dos cãnones numa geração, e sobre isso o artigo do Cléber já fala bastante.
Mas vi que muito se falou sobre uma certa nostalgia, um certo passadismo dessas listas todas. Oras, é claro que o tempo permite que se dê relevância histórica a um punhado de filmes de uma maneira que os mais recentes não se beneficiam, e isso é muito natural. Mas não custaria fazer uma listagem alternativa dos grandes filmes brasileiros de anos recentes, nem que seja para comprovar que, no meio de muita coisa, alguns grandes filmes andam sendo produzidos por aqui.
E confesso que fiquei com vontade de fazer a minha listinha de vinte filmes - quem tiver uma melhor, que apresente a sua. Pensei apenas em filmes estreados entre o início de 1990, quando houve a chegada do Collor, e o final de 2006 - até porque seria mais complicado se eu incluísse o ano de 2007 numa lista pessoal.
Então, não necessariamente nessa ordem:
- Serras da Desordem
- O Signo do Caos
- O Fim e o Princípio
- Alma Corsária
- Madame Satã
- O Prisioneiro da Grade de Ferro
- O Invasor
- Lisbela e o Prisioneiro
- Santo Forte
- Brasília 18%
- O Vigilante
- Amélia
- Nelson Freire
- O Céu de Suely
- Edifício Master
- Tudo É Brasil
- Crime Delicado
- Amores
- Eu me lembro
- Coração Iluminado

Numa lista pessoal, insisto. Isso só com os longas. Porque vale citar também os curtas:
- O Palhaço Xupeta
- Ação e dispersão
- Juvenília
- Um Sol Alaranjado
- A Menina do Algodão
- Polêmica
- Meu Cumpadre Zé Ketti
- Vinil Verde
E ainda os médias:
- Onde a Coruja Dorme
- O Galante Rei da Boca
- Futebol 3
- Anchietanos
E a série Capitão Zum.

Devo ter esquecido um monte, mas, enfim...
Não acho esquisito que os filmes mais lembrados pela Paisà sejam mais antigos. Pensemos no caso do cinema norte-americano: numa lista de apenas vinte filmes, quem deixaria de fora filmes de Ford, Chaplin, Hawks, Welles e outros? A questão não se resume a vigor, mas basicamente à força que o tempo dá a cada obra. Em escala menor, isso se repete na cinematografia brasileira, apesar de tudo.
Daniel Caetano

6.8.07

Autores mortos, editores postos...

Pois é. O pior da morte do Bergman e do Antonioni é o que isso nos obrigou a ver publicado por aí. A sorte deles é terem falecido, ou iam acabar morrendo de novo de desgosto se lessem as abobrinhas que suas mortes motivaram. Vocês podem me acusar de parcial, não me importo, mas só salvo dos horrores os textos do Inácio e do Cássio Starling sobre os dois, porque o resto... Enfim, talvez esses dias vindouros nos dêem a alegria de ver outros bons textos sobre os dois, já que a morte motiva essas revisões. Mas o cerca-lourenço que guia as análises sobre a crise de um cinema "autoral" me parece impedir qualquer visão que vá além dos clichês - e, então, só sobra torcer pra que os tais clichês sejam usados com um pouco de inteligência, o que nem sempre é o caso.
Mas vou parar de resmungar pra avisar que, sim, os falecimentos de figuras tão expressivas quanto Bergman e Antonioni (e, antes deles, Edward Yang) devem motivar algumas reflexões por aqui - mas não com a obrigação de respostas imediatas que pauta quase toda a mídia. É assim a Contracampo, bem ou mal.

Além disso, e igualmente importante, devo avisar também que mudaram os editores da seção aqui. O Plano Geral agora será tocado pelos bravos Léo Levis e Rapha Mesquita, os atacantes da seleção da Contra, ainda que eu prometa dar uma ajuda vez por outra, pra eles não se sentirem sozinhos demais. Acho que cabe admitir que meus compromissos recentes e essa transição editorial foram os motivos principais para que a seção tenha ficado parada, coisa que não deve voltar a acontecer. Isso já vem sendo pensado há alguns meses e algumas mudanças por aqui devem ser notadas em breve.
E, assim, esse espaço aqui deve voltar a ficar animado.
Daniel Caetano