29.8.03

Ninguém sabia ao certo o que era Capital do Medo, o obscuro filme inscrito para concorrer com outros oito longas-metragens brasileiros à vaga de candidato brasileiro a uma vaga ao Oscar (o de produção estrangeira). Dirigido por Manoel Carlos, profissional egresso da Boca do Lixo nos anos 80 (onde rodou Vai e Vem à Brasileira (1982), painel com atores amadores sobre o lado saudável da juventude santista), o filme é subversivo. Primeiro, porque custou R$ 300 mil, investidos por um empresário do ramo de padarias e supermercados da Baixada Santista, sem mediação de leis de incentivo. Segundo, porque a história da formação de um sequestrador é encenada a partir de uma dramaturgia quase inexistente, contrariando a tendência de roteiros amarrados na fórmula causa-efeito, e tem atores não-profissionais empenhados em ferir nossos ouvidos ao discusarem/vociferarem os diálogos, também em contraposição às atuações naturalistas de gente famosa. Terceiro, porque as cenas de violência ganham representação desdramatizada e podem até soar como crítica à espetacularização da brutalidade.
Não é o caso de reverenciar o neo-udigrudi da rua do Triunfo, mas filmado em Alphaville (espécie de Barra da Tijuca da Grande São Paulo), apenas por ir na contramão do cinema de qualidade. Mas também seria redutor ver tal expressão apenas pelo seu exotismo e deslocamento no panorama atual. Há em algumas imagens sinais de um imenso desejo pelo cinema, a despeito da falta de articulação geral, e o resultado tem postura ideológica cristalina: satanizar os criminosos e assustar os espectadores. "Fiz um filme instrututivo para as pessoas se protegerem", diz o diretor Manoel Carlos, que tem quatro videos pornôs inéditos no currículo. "Escolhi os atores pela plástica". Plástica? Como assim? Eles tinham de ter cara de bandido?. "Isso mesmo", responde. Manoel Carlos evidencia a pobreza de recursos em suas opções narrativas. E justamente quando tenta driblá-la, fazendo elipses ou usando letreiros destinados a explicar o caos urbano, seu filme pulsa, mesmo em descompasso. "Meu filme é superior a Cidade de Deus", conclui. Para ser habilitado ao Oscar, terá de ser exibido, por pelo menos uma semana, até o dia 30 de setembro. Pode ser lançado em Ubatuba ou São Caetano do Sul.
(Cléber Eduardo)