20.9.02

A questão é que o cinema brasileiro dessa nova década tem ficado desmembrado entre um lirismo extremado (Lavoura Arcaica) e uma pretensão culpada ou despreocupada de contemporaneidades (Cidade de Deus/Avassaladoras). Esse nó artístico entre o EU do autor de classe média e a realidade parece só ter sido resolvida de forma marcante mesmo por O Invasor. No filme de Beto Brant as passagens de terror interno da classe média e os acontecimentos oriundos do universo do "invasor" são costurados sem que se despedace a dramaturgia entre poesia e realidade, simbolismos e imagens factuais. A questão é que um filme como Avassaladoras, apesar de todos os pesares, é muito mais efetivo em sua relação com os códigos cotidianos do olhar audiovisual vivido no Brasil, do que o autismo barroco de Lavoura. Os ditos autores brasileiros parecem passar por uma fase de medo, de cautela diante de uma realidade que não conseguem apreender. O cinema de atrações visuais, dito comercial, se dessamarra desses deveres, e se deixa levar - o que acaba gerando frutos representativos - como Cidade de Deus. O importante é frisar que filmes limitados esteticamente como O Dia da Caça são tão relevantes para um retrato contemporânea do cinema brasileiro quanto um Lavoura Arcaica - pois um não é o contrário do outro - são retratos de um mesmo momento de perplexidade entre dois monolistos conceituais: a arte livre e a realidade. Pela pequena fresta, escapam Beto Brant, Tata Amaral, Eduardo Coutinho...e alguns fragmentos dos desconjuntados (mas instigantes) Bicho de Sete Cabeças e Cidade de Deus. (Felipe Bragança)

E retomando a reflexão do Ruy a respeito da superioridade dos nossos filmes comerciais atuais, acrescento mais um argumento. A presença na tela, após anos de monopólio burro, inexpressivo, de figuras globais (poderia o cinema comercial chegar a superficialidade da imagem mais total?), de corpos com relevo. Digo, de corpos que fogem aos ditames estéticos televisivos, de corpos que podemos novamente identificar aos brasileiros que cruzamos na rua. Não se trata apenas de seu aspecto, mas de uma gestualidade, de uma expressividade, enfim, de uma presença. Alguns dos filmes ditos comerciais também mostrariam ao nosso visitante extraterrestre como eram, como andavam, como falavam os brasileiros. Por isso continuo apreciando e defendendo filmes como Cidade de Deus ou Domésticas, apesar de problemáticos (ou talvez até mesmo por causa disso também). E não me venham com o argumento crítico de que é a burguesia falando do que não conhece, o povo. Isto é arma para quem quer afastar toda e qualquer análise. Afinal, não é o que o cinema brasileiro (e provavelmente mundial) tem feito desde os primórdios? Os clássicos do Cinema Novo não são outra coisa. Ou alguém contestaria a origem burguesa de um Glauber, de um Nelson?
(Carim Azeddine)

18.9.02

- Elza Soares é coisa de cinema! Já se sabe, pelas notícias nos jornais, que sua vida com Mané Garrincha é tema de um filme que está sendo produzido, baseado no livro Estrela Solitária. Mesmo que a estrela do livro e do filme seja Garrincha (interpretado por André Gonçalves!), Elza vai acabar roubando a cena, como sempre. E os cariocas podem aproveitar a curta temporada de duas semanas no Teatro Rival para revê-la, no lançamento de seu mais recente e badaladíssimo disco, Do Cóccix ao Pescoço - Elza voltou à moda, o que não é surpresa. Agora, não precisa ter essa conversa toda de que "enfim ela fez um bom disco" - desde o início dos anos 60 que Elza faz grandes discos, ao contrário do que se pode afirmar com fins promocionais. Aliás, por melhor que seja o novo disco produzido e arranjado por José Miguel Wisnik (e é muito bom), para conhecer o som de Elza ainda é preciso conhecer seus discos dos anos 60 - onde se pode ver que a cantora já teve sim discos muito bem produzidos, assim como se pode ver que as influências de Elza vão muito além dos cantos afro-brasileiros - suas variações e seus scats são essencialmente influenciados pelo samba e pelo jazz modernos que se fazia nos anos 50, como é fácil notar na sua histórica e fabulosa versão do samba de Lupiscínio Se Acaso Você Chegasse. Para tirar a dúvida, leitor, trate de correr ao Teatro Rival - e ouça os discos! E vamos torcer para o filme não criar uma nova falsa imagem folclórica da grande cantora. (Daniel Caetano - 18/09/2002)

17.9.02

- O filósofo Edgar Morin, um dos maiores pensadores vivos, esteve no último dia 16 na PUC de Porto Alegre, para o seminário Cultura, Poder e Tolerância no Mundo Complexo. Entre alguns dos seus pensamentos simples, que na sua junção formam o pensamento complexo exposto pelo francês, impossível, para uma revista de cinema, ignorar esse: “A arte é o momento de compreensão do ser humano”. Morin citou O Poderoso Chefão como um exemplo em que personagens com atitudes criminosas encontram momentos de humanidade, de afeição, de laços familiares. Chaplin foi outro exemplo citado. Quando vemos Carlitos, disse o filósofo, nos afeiçoamos pelo vagabundo, mas quando vemos os vagabundos nas ruas, os tememos, ou os ignoramos. Em tempos de Cidade de Deus invadindo os shoppings centers e trazendo o morro para baixo, para o cotidiano da elite brasileira, não podia haver reflexão mais oportuna. (Bolívar Torres - 17/09/2002)

16.9.02

Mais uma vez o assunto Conceição - Autor Bom é Autor Morto invade a Contracampo, mesmo que o projeto não tenha sido ainda finalizado - ele já fôra tema por aqui de um artigo meu e de uma crônica de Guilherme Sarmiento. Agora chegam duas cartas, aqui à direita, tratando do quiproquó recente com a Riofilme - a primeira delas, inclusive, tem o meu nome entre as várias assinaturas. Pois bem, para quem ler tudo aquilo e quiser saber um pouco mais da visita cívica à sede da empresa, vale a pena dar uma olhada no site midia independente - um site, aliás, bastante divertido. Na matéria dedicada ao caso há relatos, fotos, fotos e mais fotos, e até mesmo imagens em vídeo de toda a manifestação. Pena que não tem todas as músicas cantadas - lembro-me especialmente de uma canção natalina que foi uma idéia espontânea e hilária. Aquela que perguntava "Como é que Papai Noel / Não se esquece de ninguém? / Seja rico ou seja pobre / O velhinho sempre vem...".(Daniel Caetano - 16/09/2002)

O Festival de Biarritz, no sul da França, que acontecerá de 30 de setembro a 6 de outubro, será dos mais brasileiros dos últimos tempos, sinalizando que os franceses voltam a se interessar pelo cinema tupiniquim. Dois filmes brasileiros estarão na competição: Dois Perdidos numa Noite Suja, de José Joffily, e Madame Satã, de Karim Ainouz. Na parte de curtas é uma verdadeira invasão, com cinco dos nove que competem (Reminiscênia, de Eduardo Nunes, Palíndromo, de Philippe Barcinsky, Bendita TV, de Marcelo Müller, Sinistro, de René Sampaio, e Françoise, de Rafael Conde). Além disso, o festival estará homenageando Mister Barretão. Treze filmes serão projetados, entre ficções e documentários, de Vidas Secas a O Quatrilho. Pode-se gostar ou não desta figura polêmica, mas a escolha é inquestionável. Afinal, Luiz Carlos Barreto é um personagem central do cinema brasileiro dos últimos quarenta anos. (Carim Azeddine - 16/09/2002)

A pergunta fica no ar: tudo bem, Bicho de Sete Cabeças bateu Lavoura Arcaica no Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro. Mas isso serve a exatamente o quê ou a quem, na prática? O Oscar (que o presidente da Academia Brasileira não nega imitá-lo) existe por funções mais comerciais do que artísticas. Para lá de ano de seu lançamento, o que ganhou o Bicho afinal? (além de uma ótima festa) (Eduardo Valente 16/09/2002)

Contra-blog também é dica programação. No CCBB-Rio está rolando uma daquelas mostras pouco faladas, mas que podem ter algumas surpresas interessantes escondidas. No caso, a mostra se chama Matar ou Morrer, e tem desde o Bresson de Lancelot du Lac e O Processo de Joana D'Arc até Alexander Kluge ou A Chinesa de Godard em versão sem legendas. Para os garimpadores de plantão. (Eduardo Valente - 16/9/2002)

Da superioridade dos recentes filmes comerciais brasileiros em relação aos filmes de arte – Já estamos sendo brindados com o trêiler do novo filme de Paulo Thiago sobre Carlos Drummond de Andrade. Há pouco tempo entrou em cartaz As Três Marias, filme "autoral" de Aluízio Abranches. Em outra chave, em breve teremos a estréia de Gregório de Matos, filme novo de Ana Carolina. Isso para não falar em Deus É Brasileiro, de Cacá Diegues, que também está por vir. Tirando o quesito qualidade, onde a diretora de Mar de Rosas ganha dos outros com corpos de vantagem, existe uma incrível semelhança entre esses filmes e outros do recente cinema "de arte" brasileiro (podemos pensar em Lavoura Arcaica, por exemplo): existe uma constante negação do presente em temas 'atemporais', legitimados pelo tempo (temática histórica, nobre), pela arte (livro importante, grandes artistas) ou simplesmente pela pretensão temática (a vingança, o Brasil). Curiosamente, nossos filmes comerciais vêm se saindo bem mais interessantes no que diz respeito à contemporaneidade. Se dependêssemos de nossos estetas, um extraterrestre que quiser conhecer o que foi nossa época pelos filmes, jamais descobriria que no Brasil dessa época houve: pitboys, patricinhas, cachorras, pagodeiros, funkeiros, favelas, traficantes, emergentes. Assim como os cenários mudaram: academias, condomínios, escritórios de profissionais liberais transformados num labirinto de baias de compensados, fim do lazer em espaços públicos (praças, por exemplo) para o lazer privado (boates, parques temáticos), as novas leis e novas formas de emprego, nada disso é contemplado em nosso cinema "de arte". Assim, ainda que moderadamente e com matizes diversos (e qualidades idem), três vivas para filmes como Cidade de Deus, O Invasor, O Casamento de Louise e até Avassaladoras, filmes que ao menos nos dizem que estamos vivendo no Brasil, e não numa miríade advinda do rico cérebro de um autor. (Ruy Gardnier)

11.9.02

Uma notícia que se escondia na parte de política dos jornais: Eduardo Coutinho e João Moreira Salles estão dando início a um projeto de fazer um documentário sobre o processo eleitoral brasileiro, registrando o dia-a-dia da disputa à presidência da república. Segundo as declarações de Salles, as filmagens só começam no segundo turno. Lula já aceitou fazer parte do filme - sendo provável a hipótese de que ele siga adiante, resta saber quem vai ser o seu adversário, se houver de fato um segundo turno. É esperar para ver - até porque esse filme promete ser muito mais revelador do que qualquer debate que tivemos até aqui. (Daniel Caetano) 11/09/2002

Eduardo Coutinho acertou em cheio ao criticar o novo modelo de premiação de filmes do Festival de Gramado: o isolamento do cinema documentário numa categoria própria e única é um grande e recorrente equívoco. Além de desprestigiar os técnicos que construíram o filme (documentário não tem fotógrafo, montador, roteirista?...), contribui para o emburrecimento do gênero e para a proliferação de uma maré de documentários cinematograficamente medíocres, amuletados numa suposta nobreza específica do fazer documental. A arte cinematográfica de Eduardo Coutinho não merece ser isolada num nicho seguro (alguns "documentaristas" meia-boca devem estar querendo mesmo essa casa segura...) e afastado do corpo amplo do Cinema Brasileiro. À obra de um CINEASTA como Eduardo Coutinho (e de outros grandes cineastas-documentaristas brasileiros) deve ser dado o desafio justo e merecido de se confrontar e dialogar com toda a nossa cinematografia. Esperemos que esse retrocesso cultural seja desfeito na próxima edição do Festival.(Felipe Bragança) 01/09/2002

10.9.02

mas, que diabos é um contrablog?? pois então, será que a contracampo cansou de ser tão séria para que assim nossos leitores não achassem que não vamos a botecos ou que moramos em cavernas cinemato-afegãs? não exatamente, mas sentimos necessidade de um contato mais direto, um bate papo mesmo com os nossos leitores. para mostrar que a paixão pelo audiovisual é exercitada pela revista nos menores atos, no dia a dia mesmo. vamos então embarcar nessa viagem e ver o que sai dela. talvez muita bobagem, mas talvez a revista revelando muito mais sobre si mesma nos pequenos detalhes. mas tomara, principalmente, que vocês gostem!