24.10.06

Almoço pelado

Aviso pro pessoal que gosta de colecionar filmes e nem sempre se dá ao trabalho de procurar as pechinchas nas bancas de jornal: a edição de outubro da DVD News vem acompanhada de um belo DVD de Mistérios e Paixões, a fabulosa versão do David Cronenberg para o livro Naked Lunch, do William Burroughs - em widescreen e tudo mais. Dá até pra comprar pela web, custando dez reais no site da 2001.
(não, eles não me deram um DVD pra fazer essa propaganda. Pô, bem que eu merecia, né?)
Daniel Caetano

23.10.06

A lente da verdade

Excelente a entrevista do deputado Clodovil para o Terra, não deixem de ler. O papo revela muita coisa sobre seu próximo programa de TV ("inspirado no Juruna, tive a idéia de vários índios bichas, de cor-de-rosa e com microfones para investigar os casos da semana e o que acontece no Congresso"), sobre suas reservas morais ("Não posso viver apenas do salário de deputado, meu padrão de vida é caro, mas não me corrompo e não me vendo") e suas visões sobre os candidatos (Alckmin é "chuchuzinho temperado", Lula um "operário mutilado"). Pena que ele não fale de projeto algum. Ele mesmo diz que não fará fazer emendas "porque não sabe", mas que promete "estudar e aprender". Não deu para entender ao certo em quê a sua eleição pode ajudar o país. Mas deu para ouvir sua definição da mulher moderna: "Não posso julgar, mas a mulher ficou louca no mundo inteiro. Procurando a liberdade, perdeu o freio. Eu falo porque gosto muito de mulher. Embora tenha outras preferências sexuais, tenho profundo respeito pela vagina, um órgão sagrado".
Todos nós temos, deputado. Todos nós temos.
Bolívar Torres

16.10.06

Mudar para permanecer igual?

As redes de TV sempre argumentaram que é autoritária qualquer tentativa de garantir a exibição em suas grades de programação de produções brasileiras independentes. Até dá para entender o argumento, mas, venhamos e convenhamos, ele vai por água abaixo quando essas mesmas redes procuram a ajuda financeira do Estado. Afinal de contas, aí muda a relação básica e cria a seguinte situação bizarra, bem conhecida de todo mundo e sempre lembrada aqui: o Estado brasileiro investe na produção de filmes, através das leis de incentivo; investe diretamente numa rede de televisão, a Rede Brasil; e investe nas emissoras privadas, através do BNDES. Ainda assim, nem a sua rede pública nem as redes privadas exibem os filmes pelo Estado patrocinados.
Ok, beleza, isso todo mundo já sabe.
Mas o que eu queria apontar aqui é que as atitudes para mudar essa situação não precisam ser apenas as gigantescas, como projetos de Ancinavs e Leis Gerais. Ainda que isso faça sentido, há algumas oportunidades que passam à janela de tempos em tempos e podem ser aproveitadas. Por exemplo? Bem, o xará Daniel Castro contou na Folha de sábado que o BNDES prepara um belo e gordo pacote de financiamento às redes privadas de televisão para estimular a implantação do formato de TV digital, graças a mais uma iniciativa dessa figuraça inesquecível que é o ministro das comunicações Hélio Costa.
Legal, muito bacana, todo mundo aqui é favorável ao desenvolvimento do país, é claro. Mas basta sugerir a qualquer um que dê uma olhada na programação de filmes na TV, em qualquer dia da semana, para a gente notar o que há de errado: são raros os dias em que há um filme brasileiro ou qualquer tipo de programa de produção que não seja das próprias emissoras (além dos filmes americanos, claro).
Se o BNDES vai investir tanta grana para fazer a TV brasileira se desenvolver em seu formato de transmissão, não era justo requerer como contrapartida a exibição de programas nacionais (inclusive os regionais) e independentes nas emissoras que pegarem o seu bocado desse pacotão de apoio?
Não que isso vá ser coisa simples, é claro. As redes de TV andam tão interessadas no assunto que, como nos conta hoje o mesmo Daniel Castro na Folha, o SBT e a Record fizeram uma trégua com a Globo e aceitaram voltar para a Abert (a associação que quando foi criada reunia todas as emissoras e que, desde 2003, só representava a Globo e suas filiadas).
Enfim, não precisa dizer que, se não é fácil, o pleito é justo. E, bem, quem sou eu?, mas eu aconselharia o BNDES a ver isso com atenção e a pensar com calma antes de anunciar qualquer pacote. Lembram daquele ministério sugerido pelo Chico Buarque, o ministério do Vai Dar Merda? Pois é, sem querer urubuzar ninguém, mas vai ficar estranho se um pacotão desses sair às vésperas de uma eleição e sem nenhuma contrapartida que seja bem explícita nas regras escritas. Corre o risco de alguém achar que as contrapartidas foram outras, e aí...
Portanto, acho que seria mais interessante se a oportunidade que o BNDES tem nas mãos fosse aproveitada para fazer com que os filmes brasileiros passassem na rede de TV aberta. O Ministério da Cultura já tem um projeto bem legal que poderia ser aproveitado para isso, a Programadora Brasil. Seria melhor pra todo mundo.
Daniel Caetano

13.10.06

Desordem no aniversário da Cinequanon!

Na segunda-feira o pessoal da Cinequanon vai fazer uma sessão e tanto pra comemorar o aniversário de um ano do site: vão exibir um dos melhores filmes do mundo, o Serras da Desordem, do Andrea Tonacci. Isso vai rolar no Cinesesc, em São Paulo, no dia 16/10, às 21hs. Depois da sessão vai ter debate com o diretor.
Não precisaria nem dizer mais nada, né? Mas, enfim, o alto nível da Cinequanon já fica bem claro pela escolha do filme. Sendo assim, daqui da Contra fica a congratulação: parabéns aê!
Daniel Caetano

12.10.06

Lubitsch e a senadora soviética

Ao comentar uma fotomontagem que colocou o seu rosto sobre o corpo de uma modelo de uma revista masculina, Heloísa Helena se disse vítima do machismo da classe política e da imprensa. Como de hábito, a super-heroína da ética chorou. Acusou o PT de estar por trás da foto. Reclamou da pressão que recebe do partido para apoiar aquele "vagabundo do Lula". E contestou reportagem do jornal "O Globo" que informava que ela se achou "bonitinha" na foto. "Só se eu fosse uma mulher vagabunda, uma mãe vagabunda para olhar para uma montagem horrorosa como aquela, como se eu estivesse nua na capa da Playboy e eu me achar bonitinha", desabafou Helena.
A gente deve respeitar os sentimentos da senadora. Ela tem todo o direito de não gostar da fotomontagem. E não há dúvida de que sofrer pressão de uma quadrilha como o PT não deve ser fácil. Mas que saco esse discurso moralista!, que saco esse puritanismo, essa falta de jogo de cintura, essa falta de senso de humor! Que visão estreita, que preconceito (qual o problema de uma mãe posar para a Playboy?)!
Heloísa Helena parece a Ninotchka do Lubitsch - com o agravante de não se parecer nem um pouco com a Greta Garbo. E eu não quero uma Ninotchka como presidente da república.
Senadora, faça como a heroína de Lubitsch: largue esse udenismo de macacão e vá dançar em Paris, namore um charmoso Melvyn Douglas, tome um bom champagne, compre um vestido caro, olhe-se no espelho e se ache bonita, aproveite a vida, enfim: você é mulher e você merece...
Bolívar Torres

11.10.06

"Precisamos de novos clichês"

O Calil contou na Nominimo que um produtor norte-americano se associou à Total Entertainment para fazer um remake nos EUA de Se Eu Fosse Você, dirigido pelo Daniel Filho, que atualmente está em cartaz com outro filme, Muito gelo e dois dedos d'água.
Tem um aspecto que eu acho muito curioso nisso tudo: é que mostra como a questão de "originalidade" já foi por água abaixo mesmo (se com gelo ou sem gelo, aí eu não sei). Logo um produtor norte-americano, ou seja, do país de Quero Ser Grande (Big) e outros filmes de troca de personalidade, vai resolver fazer um remake de Se Eu Fosse Você?
Enfim, que ótimo para eles...

Mas esse belíssimo sucesso todo me desperta uma questão - a de sempre: Os filmes da Total e outros dirigidos por esse realizador de sucesso que é meu xará Daniel Filho precisam mesmo de leis de incentivo?
Porque tudo bem, a gente já sabe pela Folha de São Paulo que meu xará é bem-humorado (quando diz, sobre seu filme recente, que "se fizer 20 mil, 30 mil espectadores já está do cacete", depois do filme anterior ter tido mais de 3 milhões de espectadores). Mas será que eles realmente não confiam no seu taco na bilheteria? Não era hora de, após tanto sucesso (agora internacional), confiar na sua própria competência para que o filme se sustente, sem precisar da ajuda da Petrobras, do BNDES e dos suspeitos de sempre?
Porque, afinal, não há motivo para duvidar da competência de Daniel Filho e seus profissionais. Ou há?
Daniel Caetano



Depois de um post falando do texto do Ivan Lessa, nada melhor que um post sobre o disco do Caetano Veloso. Pra começar pela ironia de juntar os dois (cujos grupos sempre se adoraram...). Segundo porque para um desavisado isso poderia parecer obsessão com os anos 70 - mas tanto o texto comentado aí embaixo quando o novo disco do baiano são sobre hoje, 2006, agora.
E que discão é esse , hein?
Para não fugir da inevitável comparação com o outro mega-medalhão: quando foi lançado Carioca, o disco mais recente do Chico Buarque, eu comentei por aqui que era um disco admirável pela maturidade. Bem, isso não se pode dizer de - ao contrário, o disco é fabuloso justamente pela sua imaturidade. Misturando o estilo da revista Caras com o dos diários populares, poderíamos dizer do disco do xará Veloso: "levou um pé na bunda e fez um disco de rock!".
Nos vários textos bons sobre o disco, muita gente comentou da relação com a época de Arnaldo Antunes e Los Hermanos. É, pode ser, mas a presença fundamental do Pedro Sá em me faria pensar antes em outra banda de que ele participou, o Mulheres Q Dizem Sim, desfeita já há alguns anos. E quem já viu o Pedro tocando guitarra sabe que ele tem três grandes influências: Jimi Hendrix, Jimi Hendrix e Jimi Hendrix.
O neo-jovem Veloso, com seu humor de sempre, disse à Istoé que fez esse disco "para irritar os roqueiros". Não importa - seja para isso, seja para se aproximar de uma nova onda do rock entre os jovens, seja para expôr ao mundo suas dores de amores, o sujeito estava invocado e fez o seu melhor álbum desde o fim da Outra Banda da Terra, lá se vão mais de vinte anos. Algumas canções são realmente bonitas demais: "Deusa urbana", "Musa híbrida", "Odeio". Essa última tem uma letra que lembra várias outras do baiano em que as figuras vão surgindo para o poeta - coisa de cinema! (essa é pro Ruy não dizer que eu não falo de cinema). Mas é o disco, no seu todo, que transmite uma energia incrível.
(O contracampista e dono de loja de discos Serjão Alpendre concorda comigo)
Daniel Caetano

piauí com Ivan

E, só pra fazer o registro, tá uma beleza a primeira edição da revista piauí. O site tem umas piadas engraçadinhas, mas a revista impressa faz por merecer a aquisição (mesmo que a gente implique com o símbolo botafoguense que fecha os artigos) - tem conto inédito do Rubem Fonseca, tem um diário de uma imigrante ilegal feito pela Cecília Gianetti, entre outras coisas. Mas, além de tudo isso, essa edição conseguiu um feito histórico: trouxe o expatriado Ivan Lessa para uma curta passagem pelo Rio de Janeiro, publicando nessa edição o texto que ele fez a partir da experiência de voltar ao Rio.
E o texto do filho do dr. Orígenes é aquela coisa impressionante - a escrita do Ivan Lessa contorceu e recriou o formato da crônica. Aqueles críticos culturais da Inglaterra que falam tanto em pós-colonialismo iam pirar se dessem de cara com o suíngue da escrita do Ivan. Ela se imbrica de tal jeito com a vivência dele (com a questão do expatriamento, com a fuga de um mundo que parecia desabar e que só ficou na lembrança) que, lá de longe, ele terminou se tornando um grande memorialista dessa geração da juventude ipanemense pasquineira - talvez o maior, justamente por ser, ao contrário, o miúdo, um proustiano carioca perdido em outro lugar e outro tempo. Algumas pessoas tomam sustos com a agressividade da escrita do Lessa, mas a verdade é que ele se põe tão presente nos textos que esses afetos e ataques ganham outro sentido - é quando o escritor se faz personagem para quem lê.
Daniel Caetano

A política se debate

Parece gozação, e é mesmo. Em meio à confusão de começar a dar aulas na UFF em Rio das Ostras e acompanhar o Festival do Rio, tive que ouvir do editor o seguinte: "até eu estou escrevendo mais no PG que você". É mole?
Bem, então vamos das uma animada aqui com assuntos diversos. O primeiro, agora que já está velho, foi esse debate, que me chamou a atenção, entre outros motivos, pela curiosa opção da Bandeirantes em mostrar as reações dos candidatos ao serem perguntados e como isso contribuiu para que os dois participantes deixassem seus personagens bem claros: Alckmin sóbrio, Lula emotivo.
Ao contrário de muita gente, achei o debate bom apesar da agressividade, ou até por causa dela, já que as diferenças ficaram bem explícitas: Lula argumenta que seu governo foi mais eficiente na economia e ajudou as pessoas mais pobres de forma mais consistente que o governo anterior (e praticamente todos os números comprovam isso); já Alckmin bate na tecla da ineficiência e da corrupção.
Como já apontou Cristovam Buarque, não há dois modelos em jogo, não há diferença de propostas, há apenas questões sobre ética e eficiência.

Mas o Alckmin me incomodou com aquela insistência em questões que não fazem sentido (além da sua fala pomposa de político interiorano e daquela cara de candidato arrumadinho). Não faz sentido perguntar "de onde veio o dinheiro?" como se estivesse inquirindo um culpado ao se dirigir a um presidente, e aquela conversa do Aerolula foi de uma mediocridade constrangedora.
Por outro lado, mesmo com toda aquela agressividade, faltou ao tucano o interesse em nos fazer saber justamente aquilo que Lula, como presidente, nunca se deu ao trabalho de informar: como ele procedeu diante das primeiras denúncias de Roberto Jefferson e o que apurou daquele caso. Vale registrar que, pela primeira vez, Lula mencionou o termo "mensalão" (que "teria começado com os tucanos em Minas", segundo as investigações, como ele lembrou). Se existiu mensalão, eu devo admitir que, como eleitor de Lula em 2002, gostaria muito de saber quem foi responsável e como ele agiu na situação. Nunca gostei da sensação que me vem quando junto as lembranças das denúncias de Jefferson aos comentários de Lula sobre o Congresso (como na famosa frase dos "300 picaretas").

Eu não sei se vocês são assim, mas eu gosto de imaginar cenas, e confesso que essa cena de Lula e Jefferson me parece tão intrigante quanto a última reunião de Getúlio com seus ministros. Dá pra imaginar algo como:

"Gabinete presidencial - Interior/Noite
Lula se despede de Jefferson com um abraço. Em seguida, pega o telefone e liga para Dirceu
".

O que teria acontecido a partir daí, a imaginação e a vontade de cada um se vê obrigada a dar livre curso. E eu bem que gostaria de ouvir o relato presidencial. Pode ser só uma versão, mas é uma versão a que a gente tem direito. Sinceramente, nunca me senti confortável diante desse silêncio.
Daniel Caetano