23.8.03

De Gramado 4
Atualizando a pauta 2 - os verbetes
ELIAS, Ricardo - Formado na ECA-USP, Elias realizou três curtas bastante premiados nos anos 90. Seu filme de estréia, De Passagem, joga um olhar interessado para os personagens da periferia paulistana tentando, propositadamente e mesmo como projeto, fugir da abordagem pelos caminhos mais óbvios da violência e do rap. Se, por um lado, o olhar afetuoso cria um retrato de relações humanas com um interesse especial pelo jogo do ambiente urbano com seus moradores, por outro há uma inegável condescendência excessiva com os personagens, uma certa tentativa de redimi-los de todos os pecados, que se torna um duplo, como espelho distorcido, da desumanização de outros filmes. Os atores principais dão vida a seus personagens, mas Elias transforma carinho numa proteção excessiva - atrapalhada ainda por uma narrativa um pouco truncada por uma decupagem por demais ligada ao modelo televisivo (onde Elias trabalha há algum tempo) e um roteiro inseguro de contar só com as ações o trajeto de seus personagens. Se com certeza não acerta de todo neste primeiro filme, é verdade que Elias pelo menos erra no caminho certo, e podemos esperar trabalhos promissores do cineasta.
GÓES, Moacyr - Vindo de uma carreira bastante premiada no teatro ao longo dos anos 90, e tendo experiência recente na teledramaturgia global, Góes acaba estrangulado por estas duas referências pessoais e realiza com Dom um filme que nunca consegue respirar por si mesmo, acima de tudo por estar todo baseado numa relação amorosa na qual não acreditamos nem por um segundo. Não é caso de se comparar o filme com a matriz machadiana (afinal, o próprio diretor chama seu filme de homenagem e não de adaptação), mas de ver que pelas suas próprias características o filme acaba sendo derrubado (o uso incomodamente óbvio de trilha sonora, fotografia, direção de arte, o apelo constante a uma chave melodramática nunca tornada adequada pelos atores e diálogos, etc). A se notar alguns bons momentos de atores na chave cômica (Bruno Garcia e Luciana Braga principalmente), o que nos faz torcer para que Góes deixe de lado a tentativa indigesta da mistura popularização+intelectualidade e simplesmente busque um projeto que aproveite seu talento com os atores em chave menos forçada. Resta ver o que será seu segundo longa, que estréia ainda este ano, onde trabalhou como contratado por Diller Trindade (também produtor de Dom e dos filmes da Xuxa) num produto bíblico voltado para o público católico, com a participação do Padre Marcelo Rossi.
MOTTA Filho, Geraldo - Nada na carreira anterior de Motta Filho (formado em filosofia, trabalha como assistente de direção em filmes de Carla Camurati, Murilo Salles, Alain Fresnot) faria esperar um documentário sobre Lucio Costa como seu projeto de estréia. Muito menos se poderia esperar que aquilo que começa como mais uma biografia jornalística-laudatória, acabe enveredando por uma discussão altamente técnica (mas nunca deixando de ser clara e interessante) sobre as proposições, papéis e mudanças no ideário do Modernismo da arquitetura e urbanismo nacionais. Chega a ser interessante ver que repercussão de público terá um filme tão "especializado", por assim dizer. Se não atinge maior brilhantismo é, no mínimo, uma opção inesperada na atual obsessão biográfica do cinema documental brasileiro. E, tendo-se em vista os antecedentes de Motta (que co-escreveu ainda um roteiro ficcional ainda não filmado com José Joffily), é difícil saber o que antecipa de sua carreira futura.
MORELLI, Paulo - Fundador há 20 anos da produtora Olhar Eletrônico (a mesma que viraria a O2 e de onde vem Fernando Meirelles, por exemplo), Morelli estréia com dois longas em 2003. O primeiro a ser exibido foi O Preço da Paz, projeto onde trabalha como diretor contratado, e que levou quase sete anos entre filmagem e lançamento. Nele, Morelli parece se exercitar na linguagem mais clássica, como em busca de domínio da mesma. Neste sentido, realiza um dos poucos filmes históricos do cinema brasileiro recente que nunca tropeça na precariedade (e aqui não se fala só de produção, mas também de estilo audiovisual e narrativo). No entanto, parece um filme dirigido com muito know-how e pouca alma, que aposta ainda numa visão "heroicizante" de figuras históricas, francamente conservadora em sua defesa de uma "paz" que esconde uma covarde capitulação. Difícil saber qual o projeto de carreira de Morelli por este filme, mas logo teremos o bem mais autoral Viva Voz.
(Eduardo Valente)