11.8.07

Sobre a terceira temporada de Desperate Housewives

Quando se acertou, a partir de meados da primeira temporada, e principalmente durante a segunda, a série Desperate Housewives parecia dar um frescor novo à programação televisiva americana. Dado o sucesso inicial, os roteiristas começaram a esticar até o limite o quanto suas personagens principais poderiam se meter em acontecimentos escabrosos e, ainda assim, continuarem a ser objetos de afeição para o espectador. A fórmula, episódio por episódio, era proporcionar, dentro daquele mundo "comum" do subúrbio, narrativas cada vez mais surreais, de tal forma que os limites dados para cada um daqueles "seres" - tanto os principais quanto os coadjuvantes - pareciam ser totalmente elásticos, a ponto de qualquer reviravolta na vida do subúrbio representado ser absolutamente crível. O distanciamento da narradora, e sua eterna posição de sarcasmo, favoreciam esse certo estado do espectador, no qual a verossimilhança poderia ser suspensa para que fosse possível adentrar, semana a semana, aquela "brincadeira" surpreendente, dentro da qual as peças do jogo eram revertidas e recompostas a cada episódio, prendendo a atenção para - afinal - o que ainda fosse possível no episódio seguinte. De forma bastante inteligente, a série, tomando o jogo de aparências e fofocas predominantes na vida dessas "donas-de-casa desesperadas" como a premissa de sua construção narrativa - fazendo com que os próprios enredos parecessem essa rede de fofocas que aos poucos vai se desvendando -, conseguia se aproximar afetiva e sentimentalmente das personagens, ainda que quase sempre pelo lado do humor.
Acabada a terceira temporada da série, no entanto, algo parece ter mudado. Aos poucos, o drama de cada protagonista foi se tornando estranhamente real, como se os acontecimentos grandiosos - assassinatos, traições, chantagens - não pudessem mais pertencer a elas. Ainda que as donas-de-casa continuem dotadas de suas imperfeições, ou mesmo que permaneçam objetos de riso, a série se afeiçoou tanto a estas protagonistas que não consegue mais colocá-las em um estado no qual o crime não possa ser seguido - ou antecedido - de sua absolvição, como se, no fundo, a moral de cada uma possa continuar sempre intacta. Dessa forma, Desperate Housewives, ao colocar-se junto a suas personagens para o que der e vier, coloca-se junto, também, ao mundo no qual elas vivem, não mais o subúrbio americano surreal e fantasioso criado de forma tão pertinente, mas um subúrbio aparentemente real, no qual o sarcasmo não pode existir sem uma boa dose de tristeza. O que era uma grande comédia de humor negro sobre a vida de uma classe alta alienada, com toques de drama e sentimentalismo contido, começa a parecer uma novela mal roteirizada, que acaba sempre por resvalar em uma emoção que não pertence àquele universo.
Desperate Housewives é o caso de uma obra que por ter, ao longo de seu decorrer, se aproximado e se apaixonado por aqueles personagens que criara, faz com que estes mesmos personagens, no momento em que deixam de ser tratados como seres distanciados, em um outro mundo que não o nosso, percam boa parte da graça, dos sentimentos, ou mesmo da proximidade. E, talvez, o melhor exemplo de que se afeiçoar aos protagonistas pode ser bastante negativo para o produto final, dependendo de qual seja este produto.
Leonardo Levis