1.5.06

Dois filmes brasileiros

Assisti no sábado a Achados e Perdidos e domingo a A Máquina. Não achei de nenhum dos dois ruins como eu imaginava. São dois filmes que circulam entre o óbvio e o banal, mas já que eu esperava um tédio absoluto, me impressionei com algumas coisas que eu não esperava de ambos, uma certa eficiência e empatia que não foi muito identificada (à exceção do texto do Gilberto para o filme do Joffily). Como defeito principal de A Máquina, vejo essa coisa esquizofrênica de tentar nos identificar com os personagens mas, ao mesmo tempo, se distanciar para ficar fazendo as gracinhas "poéticas" do tipo "pensei isso aqui na minha inteligência" ou aquelas definições do tipo Ilha-das-Flores-de-segunda, como em "shopping é um lugar onde moram coisas ao invés de pessoas". Achados E Perdidos, de certa forma, faz isso através do vai-e-vem dos flashbacks. Bom, vai-e-vem é um movimento muito apropriado para um filme sobre prostitutas, mas aqui ele serve justamente para ficar nos desinstalando da história, e o efeito é de que se cria uma espécie de filme-sanfona, que está mais interessado nas circunvoluções lógicas de um roteiro exibicionista do que de fato em criar qualquer vida naqueles personagens - exceção feita a Antônio Fagundes, que consegue povoar de vitalidade todos os planos em que aparece.
A Máquina, não tendo alguém que se equipare ao Fagundão, se ressente ainda mais de falta de vida, mesmo porque tudo é de uma artificialidade feia, de uma lógica superior à dos personagens (É claro! toda a graça do filme se baseia em como esses ignorantes têm uma sabedoria adorável, em que adorável revela toda a relação paternalizante que um público metropolitano, para o qual o filme foi concebido, desenvolve com eles) que retira a vida da cena e nos faz identificar apenas com a narração, ou seja, com o modo da história ser contada. Aí há mais um ponto de contato com Achados E Perdidos: ambos acham que suas histórias são contadas de uma forma bastante original e de que a narração cria um mundo gostoso de acompanhar. NÃO É GOSTOSO DE ACOMPANHAR. É FALSO. Às estruturas pomposas que garantem portfólio para roteiristas, é o momento de preferir filmes lineares, simples ou simplórios, que não precisam fazer mais nada a não ser DEIXAR SEUS PERSONAGENS VIVER.
No momento em que um personagem valer mais do que uma trapacinha inteligente de roteiro, o cinema brasileiro finalmente poderá dizer que vive novamente.
Ruy Gardnier