16.10.06

Mudar para permanecer igual?

As redes de TV sempre argumentaram que é autoritária qualquer tentativa de garantir a exibição em suas grades de programação de produções brasileiras independentes. Até dá para entender o argumento, mas, venhamos e convenhamos, ele vai por água abaixo quando essas mesmas redes procuram a ajuda financeira do Estado. Afinal de contas, aí muda a relação básica e cria a seguinte situação bizarra, bem conhecida de todo mundo e sempre lembrada aqui: o Estado brasileiro investe na produção de filmes, através das leis de incentivo; investe diretamente numa rede de televisão, a Rede Brasil; e investe nas emissoras privadas, através do BNDES. Ainda assim, nem a sua rede pública nem as redes privadas exibem os filmes pelo Estado patrocinados.
Ok, beleza, isso todo mundo já sabe.
Mas o que eu queria apontar aqui é que as atitudes para mudar essa situação não precisam ser apenas as gigantescas, como projetos de Ancinavs e Leis Gerais. Ainda que isso faça sentido, há algumas oportunidades que passam à janela de tempos em tempos e podem ser aproveitadas. Por exemplo? Bem, o xará Daniel Castro contou na Folha de sábado que o BNDES prepara um belo e gordo pacote de financiamento às redes privadas de televisão para estimular a implantação do formato de TV digital, graças a mais uma iniciativa dessa figuraça inesquecível que é o ministro das comunicações Hélio Costa.
Legal, muito bacana, todo mundo aqui é favorável ao desenvolvimento do país, é claro. Mas basta sugerir a qualquer um que dê uma olhada na programação de filmes na TV, em qualquer dia da semana, para a gente notar o que há de errado: são raros os dias em que há um filme brasileiro ou qualquer tipo de programa de produção que não seja das próprias emissoras (além dos filmes americanos, claro).
Se o BNDES vai investir tanta grana para fazer a TV brasileira se desenvolver em seu formato de transmissão, não era justo requerer como contrapartida a exibição de programas nacionais (inclusive os regionais) e independentes nas emissoras que pegarem o seu bocado desse pacotão de apoio?
Não que isso vá ser coisa simples, é claro. As redes de TV andam tão interessadas no assunto que, como nos conta hoje o mesmo Daniel Castro na Folha, o SBT e a Record fizeram uma trégua com a Globo e aceitaram voltar para a Abert (a associação que quando foi criada reunia todas as emissoras e que, desde 2003, só representava a Globo e suas filiadas).
Enfim, não precisa dizer que, se não é fácil, o pleito é justo. E, bem, quem sou eu?, mas eu aconselharia o BNDES a ver isso com atenção e a pensar com calma antes de anunciar qualquer pacote. Lembram daquele ministério sugerido pelo Chico Buarque, o ministério do Vai Dar Merda? Pois é, sem querer urubuzar ninguém, mas vai ficar estranho se um pacotão desses sair às vésperas de uma eleição e sem nenhuma contrapartida que seja bem explícita nas regras escritas. Corre o risco de alguém achar que as contrapartidas foram outras, e aí...
Portanto, acho que seria mais interessante se a oportunidade que o BNDES tem nas mãos fosse aproveitada para fazer com que os filmes brasileiros passassem na rede de TV aberta. O Ministério da Cultura já tem um projeto bem legal que poderia ser aproveitado para isso, a Programadora Brasil. Seria melhor pra todo mundo.
Daniel Caetano