5.12.04

Documentários e Globo Repórter

A edição desta sexta-feira do programa Globo Repórter, da TV Globo, pode representar um marco no quadro atual da TV aberta brasileira. Um marco circunstancial, é verdade, mas ainda assim um momento de definição. O programa Personagens de uma tragédia não foi um Globo Repórter normal, em vários sentidos.
O primeiro deles, embora seja menos aparente, é que ele se trata, provavelmente (prometo informações mais precisas em breve), de uma produção independente, um procedimento não inédito mas raro - e, sobretudo pelo grau de liberdade que o programa se deu, surpreendente. As pistas para isso estão, para começar, no desvio, na estética do programa, do padrão adotado pela emissora para filmagem, edição e até de identificação visual e gráfica.
Mas a grande diferença é que aquele não foi um programa de reportagens normal. Não apenas pela pauta, que escapa à estatística que dita os temas de vida selvagem, saúde, comportamento ou temas noticiosos se revezando, mas pela abordagem. Para ir direto ao ponto: Personagens de uma tragédia não era uma reportagem, era um documentário. Clássico, é verdade, mas a recusa a elementos tradicionais de reportagem de TV (até mesmo do mais vaidoso e habitual, a passagem, o momento em que o repórter aparece) deu tal fôlego ao programa que o conduziu a outro eixo de interpretação. Mas o traço mais forte de documentário que ele apresentou é que ele, feito na TV, é um bom documentário, como eram os do Globo Repórter quando começou, com realizadores como Eduardo Coutinho ou Walter Lima Júnior: nega aquilo que de pior há na reportagem de TV, a certeza.
Em vez disso, momentos como o de uma das últimas cenas, em que o "criminoso" em questão no programa (que narra a história da investigação de uma chacina em um bairro da periferia de São Paulo), ao ser preso, diz ao jornalista: "Como é que você estraga a vida de uma pessoa assim, rapaz?" (a reportagem havia localizado o suspeito e contribuído para sua prisão). O repórter, que é apenas uma voz em todo o programa, responde com um tradicional, heróico e jornalnacionalzístico "Eu estou fazendo o meu trabalho". Em qualquer edição normal, acabaria aí. Nesta, a contradição é cabida: "Você não está fazendo seu trabalho, não, amigo. Sabe o que você está fazendo? Destruindo a vida de um pai de família, que tem filhos para criar".
Cabe uma investigação (que, assumo aqui o compromisso, proponho-me a trilhar) sobre de onde veio este documentário e para onde vai o programa agora.
Alexandre Werneck