4.4.03

Não é por acaso que o cinema de Abbas Kiarostami traz, para muitos olhares ocidentais, a fama de chato. Nossa sociedade é toda baseada no conceito de "fatos", de "acontecimentos", enquanto o cinema de Abbas é um cinema do processo, do caminho, da impossibilidade dos fatos. Um cinema da estrada ao invés da chegada, do caminho ao invés do destino final. Impossível não pensar nele quando acompanhamos a cobertura da Guerra essa semana: a cada dia a manchete dizia "Tropas a 150km de Bagdá", "...a 70 km", "... a 30km", "... a 10km". Essa surreal contagem regressiva evidencia o mesmo olhar ocidental: obcecadamente esperando um "fato", onde o caminho por si não basta se não em perspectiva deste "destino". A "Batalha de Bagdá" é uma necessidade não só militar, mas mesmo filosófica. Senão corre-se o risco da mesma decepção que se costuma perceber em exibições dos filmes de Kiarostami: tudo isso para quê, se não acontece "nada"? Nada, claro, além da vida. Ou da morte, no caso iraquiano.
(Eduardo Valente)