15.6.04

Sinceramente

Tem coisas que incomodam mesmo. Tipo uma notinha que saiu hoje no JB, na coluna do Boechat. Parece que Dom Barretão anda incomodado com as seleções de patrocínio das empresas estatais (leia-se Petrobras). Reclamou que só deram dinheiro para miúra, pra filme ruim de público, pra "filme papo-cabeça", pra citar a expressão idiota utilizada.
Legal saber a opinião, mesmo. Olha, eu já fiz uma entrevista com Barreto e já escrevi um artigo sobre ele, com um olhar bastante favorável ao maior produtor de cinema do país. Mas fica a questão - numa carreira de tanto sucesso, será que já não é hora de Barreto financiar seus filmes com o lucro dos anteriores? Tipo assim, se ele realmente quer nos convencer que O Quatrilho e O que É Isso, Companheiro? são filmes que, além de maravilhosos, são "sucessos que devolveram a audiência" do cinema brasileiro, a minha sugestão é que ele pegue o lucro desses 'sucessos' e invista em novos filmes - e largue o osso das empresas (lá vem a palavra maldita) estatais! Porque a Embrafilme pode ter sido a Difilm com dinheiro do estado (opinião do próprio, basta conferir a entrevista citada), mas o pessoal da Difilm já tá meio velho pra convencer a gente de que vai salvar o cinema brasileiro. Sinceramente. Os filmes não são geniais, dão lucro e tal? Então não precisa de mais dinheiro - larga o osso e reinveste!

Isso dito, só queria completar que a lista da Petrobras, que um colunista chamou de "nova embrafilme", tem algumas novidades muito legais, outras nem tanto. Da minha parte, fiquei muito feliz com o apoio a mestres como o Nelson ou o Don Carlone (que ganharam patrocínio pros seus longas) ou a camaradas como o nosso editor Valentón (que ganhou para fazer um novo curta, O Monstro), por exemplo. Só por esses já dá pra sorrir, e tem mais outros (Haroldo Marinho Barbosa de volta ao sets, pra dar mais um exemplo)

Mas fiquei triste e preocupado (e ainda estou) com o abandono a que se relegou o filme (já inteiramente rodado) Eu Me Lembro, do Edgard Navarro, que concorreu e perdeu nos concursos do MinC e da Petrobras. Em concursos anteriores eu tive projetos concorrendo, então fazer comentários sobre as decisões seria falar em causa própria, mas agora não. Ou melhor, é sim causa própria, porque é aqui que a politicalha se junta com os filmes em si - eu vi o Superoutro e quero ver um longa de Edgard finalizado, como fã mesmo.
É como espectador de cinema, que viu o Superoutro e quer ver Eu Me Lembro, que tenho a impressão contrária - faltou apoio inteligente aos filmes. Por isso teve filme que ganhou duas finalizações (e mais um apoiozinho à comercialização) e outros ficaram parados, sem nenhum apoio.
Propostas:
- Jurado que não premia Edgard Navarro fica proibido de ver, escrever e falar sobre filmes de cineastas transgressores. Não pode mais falar de Glauber nem de Pasolini. Deve ser proibido de assistir aos filmes de João César Monteiro e Raul Ruiz. Porque o cinema de Edgard é desse porte. E os jurados mostraram que não são.
- A Petrobras e o MinC (ou pelo menos esse último) poderiam instituir concursos premiando projetos sem nome do autor. Ganham os melhores projetos, sem nome famoso. Que tal?

Isso parece só politicalha. Mas, novamente, é aqui que se decide o filme que é feito e o filme que não é feito. Devemos então produzir novas BellaDonnas com o rico dinheirinho da Petrobras? Realmente, de filme-cabeça não tem nada - nem filme nem cabeça. Mas não se preocupe, Dom Barreto, que outros podem tomar esse lugar, mas gente pra pegar dinheiro estatal, com essa conversa de 'mercado', pra fazer filme que trata o público como imbecil, infelizmente, ainda é o que mais tem.
Daniel Caetano