25.5.03

Valente em Cannes (26)
As estrelinhas do Duda para a Competição Oficial:
Mystic River - ****
Dogville - ****
Shara - ***
Uzak - ***
Elephant - ***
Purple Butterfly - **
Bright Future - **
The Brown Bunny - **
Ce Jour-Lá - **
Les Égarés - **
Tiresia - **
Swimming Pool - *
Les Invasions Barbares - *
Carandiru - *
La Petite Lili - *
Pere et Fils - 0
The Tulse Luper Suitcases - NV
Panj é Asr - NV
Cuore Altorve - NV
Les Côtelettes - NV
(Eduardo Valente)


Valente em Cannes (25)
Brincando de loteria
Prêmios dados por júri não devem ser muito discutidos, porque refletem tão somente a opinião de cinco ou sete pessoas sobre um grupo de filmes, pouco mais do que isso. Comparo isso ao Oscar por exemplo, que, se certamente não mede mérito cinematográfico (nada mede, aliás, não se deve mensurar arte com um resultado final), tem uma lógina interna pelo que representa a tal "Academia", que é um coletivo bastante numeroso com um olhar sobre o cinema americano e o que ele deve ou não ser, etc. Júris não são assim porque são colocados juntos apenas para um festival, muitas vezes com pessoas de gostos completamente diferentes e que nem se conheciam antes do Festival. Por isso é meio absurdo tanto querer adivinhar de que filmes essas pessoas gostam quanto discutir depois se foi "justo" ou não. Isso dito, é claro que as pessoas que estão seguindo a cobertura (espero que não seja só o Renato!! hehe) esperam uma mínima idéia sobre a Palma de Ouro, etc (embora eu venha dando algumas nos últimos dias). Então, lá vai, já feita a ressalva acima de que isso não é nada mais do que especulação completa baseada em parte no meu gosto e no que eu ouvi de todas as pessoas com quem me comunico mais por aqui.
A Palma de Ouro deveria estar, se o júri se deixar levar pelos melhores filmes simplesmente, entre Von Trier e Eastwood. E não parece absurdo que assim seja. Caso haja uma reviravolta pelo lado "humano", pode-se apelar para o filme do Denys Arcand, que não chega aos pés dos dois acima, mas "se comunica" mais com as pessoas (o que quer que seja isso).
No entanto, essas seriam Palmas de "consenso", digamos assim, e muitas vezes acontecem "disensos" em júri. Nesse caso, os três acima devem com certeza sair daqui com prêmios, mas pode ser que sejam o do Júri, Direção, Roteiro (este parece a cara do filme de Arcand). E aí sempre pode subir uma idiossincracia de júri, que por exemplo é o caso clássico de Rosetta e Sob o Sol de Satã - que, filmes admiráveis que eram, na verdade não estavam cogitados por ninguém para ganhar, pelo seu radicalismo. Mas, se o presidente do júri resolve ir por alguma ordem pessoal de gosto... Aí tem alguns filmes que podem levar: Elephant, Père et Fils, Tulse Luper, Purple Butterfly e o próprio Carandiru são os tipos dos filmes "love me or leave me", e se o júri tiver amado, sabe-se lá...Três filmes parecem também bastante próximos de alguma premiação, o turco Uzak, o filme de Samira Makhmalbaf e o japonês Shara (mais o primeiro do que os outros), mas espera-se que briguem pelos outros prêmios já citados muito mais do que pela Palma de Ouro.
Finalmente, há uma lista de filmes que surpreenderão se ganharem qualquer coisa (notem que me refiro aqui aos prêmios dados para o "filme", ou seja, Palma de Ouro, Direção, Grande Prêmio, etc. não me refiro a interpretações ou prêmios técnicos porque aí é loteria e gosto pessoal mesmo!), e eles são por ordem de probabilidade: La petite Lili, Swimming Pool, Ce jour-lá, Les égarés, Bright Future, Tiresia, Il Cuore Altrove, The Brown Bunny, Les côtelettes. Mas, mais uma vez: se este é o "outlook" do momento, o júri pode negar tudo que eu disse. Afinal eu nunca conversei pessoalmente com Patrice Chereau, Steven Soderbergh, Meg Ryan, etc, pra saber do que que eles gostam no cinema...
(Eduardo Valente)


Valente em Cannes (24)
Últimos filmes
- Shara, de Naomi Kawase - Apenas um dia depois de termos que dar ouvidos a mr. Sokurov e suas fascinantes teses sobre a decadência do mundo moderno e da necessidade de se buscar ternura em abstrações visuais que disfarçam sua contemporaneidade em busca de um ideal artístico do século XIX, nos chega do Japão a surpresa final desse Festival. A jovem Kawase (34 anos, em seu terceiro longa, tendo ganho a Camera D'Or com o primeiro, em 96) celebra a vida de hoje mesmo e a ternura e a possibilidade de se buscar alívio das perdas irreparáveis nos outros seres humanos. Dito assim parece tão pomposo, mas o mais belo deste filme é que se trata de uma poesia do cotidiano, muitas vezes lembrando as ferramentas do documentário (de onde, aliás, vem Kawase), para construir um painel rápido da vida interligada de duas famílias numa pequena cidade japonesa. Em ambas, há no passado o trauma de uma perda, mas há no presente a chance de curar esta dor com um senso de comunidade como não se vê no cinema há algum tempo. Kawase consegue alguns planos e sequências memoráveis (em especial o da festa popular e uma corrida da escola para casa), mas nenhuma mais do que a final, uma sequência que de tão absurdamente simples não vale descrever aqui, e que abunda com uma generosidade e um amor tamanho pela vida (onde o plano final, amigos, eu quero algum dia filmar algo da relevância daquilo). Um filme para nos faz ver que o cinema, ao contrário do que queiram uns e outros, está longe de uma arte morta. Mortos são os olhares destes que, por exemplo, enxergam neste ano uma suposta seleção fraca na Competição (basta ir ler alguns dos nossos críticos e tantos de fora também), simplesmente por se basearem no apego a nomes de cineastas que não estiveram aqui ou a uma concepção de cinema muito mais preocupada com o seu umbigo (o do cinema) do que com o mundo. A seleção deste ano, mesmo que de fato não excepcional, foi uma das mais energéticas, pela quantidade de propostas distintas de cinema e pela disposição, em especial de alguns jovens cineastas, em ainda se interessar pelo que esta forma de arte tem a oferecer de novo ou, em termo melhor, de renovado.
- Tulse Luper Suitcases, de Peter Greenaway - Mais um filme do qual vou me eximir de "criticar", embora desta vez o problema não tenha sido sono. Não pude ir na sessão de crítica e, por isso, tive que ir pela primeira vez nesse Festival numa sessão oficial noturna. Se por um lado, (sim, podem rir, eu riria) isso significa ter que colocar um terno preto e uma gravata borboleta, por outro (muito mais incômodo para mim como espectador e crítico) significa que ao invés de escolher o lugar na sala como na sessão de críticos, eu sou obrigado a ficar no topo de uma arquibancada gigantesca (que é o segundo andar do Grand Theatre Lumiere), não só vendo o filme quase com uma lupa, como ainda tendo que ver meia Cannes passear por mim saindo do filme (e, diga-se, isso não é maldade com o Greenaway, eles fazem isso em todas as sessões - as sessões noturnas, pelo menos no chamado balcão, são apenas para os senhores e senhoras de Cannes ou franceses de férias que acham a maior aventura da Terra colocar um smoking ou um longo e passear no tapete vermelho do Palais du Festival, quiçá sendo visto em casa por algum parente na TV - ninguém (ou, sejamos justos, muito poucos) se importa com o filme. Especialmente quem me conhece sabe o sofrimento que é ver um filme nessas condições e a absurda dificuldade de concentração. Por isso, am absoluto respeito ao trabalho do artista, me recuso a passar julgamento nessas condições. Mas posso dizer o que eu vi, objetivamente: quem acha que Greenaway é barroco, auto-centrado e pomposo ainda não viu nada. Este filme é como Peter Greenaway Reloaded, não por acaso o personagem de Luper era uma das "brincadeiras internas" favoritas de Greenaway desde os primeiros curtas. O que vemos é um dos mais impressionantes (sem significado bom ou ruim no termo) espetáculos de excesso de informação, imagens, sons, o que pelo menos dá algum interesse a este trabalho que é menos "metido a sério" do que alguns dos mais recentes de Greenaway, e por isso ganha até pontos. Obcecado com seu próprio trabalho e as relações labirínticas dentro dele, e a criação de uma mitologia baseada em listagens, enumarações e citações constantes a si mesmo e a tudo mais que possa existir no mundo, que ninguém diga que Greenaway não leva sua proposta até o fim nesse filme.Se é bom, como eu disse, eu não vou poder dizer ainda (mas suspeito que... bem... não), mas foi no mínimo bizarro vê-lo como fechamento do Festival depois do filme de Kawase. No mínimo servem como prova dos olhos abertos para todos os lados pela curadoria: o mais excessivo dos cineastas logo depois do mais minimalista e simples dos filmes.
(Eduardo Valente)