22.5.03

Valente em Cannes (12)
Outros filmes
- Hoy e Mañana, de Alejandro Chomski - O segundo argentino da Un Certain Regard. Torcemos muito sempre pro cinema argentino (ao contrário do futebol), mas Chomski nessa sua estréia não consegue fazer muito de interessante, mesmo com toda a atualidade de seu tema (uma jovem de classe média precisando fazer de tudo para pagar suas contas - e por de tudo vocês certamente já sabem a que me refiro). O problema de Chomski é lidar com um tema absolutamente clichê, e fazê-lo de uma forma onde ele não só não apresenta nada de novo (seja em conteúdo ou forma), mas ainda cai em várias das armadilhas morais que o tema apresenta (onde há uma forte noção de culpa por cima de tudo, não da personagem, e sim do próprio diretor que precisa fazer a personagem então passar pelo maior dos calvários possível).
- La Petite Lili, de Claude Miller - Quando chegamos ao Festival o rumor era de que havia um forte desejo de se dar a Palma de Ouro a um filme francês (afinal, eles eram um quarto da competição, há muito tempo não ganham e Von Trier tinha contra ele a Palma recente). Bom, com a exibição hoje do filme de Miller, só resta ver se Bertrand Blier fará um filme irretocável, porque fora disso as chances gaulesas são pequenas. Miller adapta e atualiza A Gaivota de Tchekov, mas o que ele faz mesmo é banalizar e tornar excessiva uma obra de uma sutileza fenomenal. O filme não chega a ser péssimo, mas passará em branco, ou pelo menos deveria.
- Purple Butterfly, de Lou Ye - O representante chinês da competição é um trabalho dos mais complexos e ricos em nuances (embora a crítica no geral o tenha descartado por não ter entendido a história - numa mistura de impaciência, pois ela se revela aos poucos mesmo, e de ignorância mesmo, seja histórica ou por considerar que não dá para diferenciar muitos chineses em cena - e é difícil mesmo, em primeiro olhar, mas afinal os personagens vão se construindo oras). No começo parece que será um épico à la Indochina, cheio de valores históricos e excessos de ostentação vazia. No entanto, ele vai lentamente se tornando uma sinfonia audiovisual de enorme sutileza, com momentos profundamente abstratos de montagem e imagens em idas e vindas temporais, com uma fotografia que é absolutamente impressionante o tempo todo. E, ao se desvelar como trama totalmente só nos últimos planos (um deles, o traveling mais impressionante em muito tempo), dá uma dimensão pessoal e trágica ao contexto histórico (da invasão japonesa à China) que o torna especialmente relevante. Um dos filmes do Festival que pede urgente revisão, e muito mais carinho e tempo do que todos aqui têm a oferecer.
- Père et Fils, de Alexander Sokurov - Eu juro que eu venho tentando, dentro da minha subjetividade impossível de escapar, ser o mais objetivo também nestes posts sobre os filmes, dando uma idéia da recepção, qualidades, defeitos, etc. Mas aqui não será possível, desculpem: é oficial, Sokurov faz a mais morta das artes cinematográficas atuais (se bem que Greenaway vem aí no sábado...). Este filme novo é só auto-indulgência e repetição sem justificativa. A mesma estilização da imagem sem nenhuma da poesia dos seus filmes iniciais (e até Mãe e Filho, por que não?), a mesma sensação de esforço em encontrar o sublime a cada plano, doa a quem doer (e dói na gente), a trilha insuportável... "Arte" no pior sentido da palavra.
(Eduardo Valente)


Valente em Cannes (11)
Em termos de Palma de Ouro (falo mais disso no sábado após todos os filmes), já tendo sido exibidos 15 dos 20 filmes da Competição, de fato só três parecem ter chances: se fosse por cinema em si era de Dogville fácil. Já Les Invasions Barbaires de Denys Arcand (trato dele amanhã) leva pelo lado "humano", se o júri assim quiser (um prêmio à la O Quarto do Filho, digamos, ainda que o filme de Moretti seja muito melhor), e se optar por ousadia (embora Patrice Chereau como presidente de júri não chegue a fazer imaginar isso), correria por fora o turco Uzak. Todos os outros até agora seriam surpresas. Mas a impressão que se tem por aqui é que se torce para que Sokurov, Eastwood ou Greenaway possam tirar o prêmio de um destes. Pra não repremiar Von Trier, não dar uma Palma francamente fraca nem premiar um turco desconhecido.
(Eduardo Valente)


Valente em Cannes (10)
Estando em Cannes como membro da imprensa por gentileza acima de tudo do Estado de S. Paulo, começo hoje a pagar minha dívida com eles, com a matéria que saiu no Caderno 2 sobre o filme de João César Monteiro. Tinha prometido falar mais sobre o filme, e lá está.
(Eduardo Valente)