23.5.03

Valente em Cannes (17)
- Mystic River, de Clint Eastwood - Senhoras e senhores, o senhor Clint Eastwood nos traz um filme absolutamente maior, que pode perfeitamente terminar dando para ele a Palma que Von Trier já ia levando por default. Na verdade, são filmes complementares: se o de Von Trier é, como ele mesmo diz, um espelho da América vista de fora, o de Eastwood é uma profunda reflexão sobre ela vista muito lá de dentro. E o que é melhor: como principal herdeiro da tradição americana clássica de filmar, trata-se de uma reflexão não argumentativa e estudada (como é o filme de Von Trier), mas simplesmente colocada na tela como um bom e velho "simples filme dramático e policial". Na coletiva após o filme (e ter sido a mais concorrida depois da de Von Trier diz tudo), Eastwood deixava clara a diferença: ao invés da ironia e das frases provocadoras cheias de conteúdo político do dinamarquês, simples respostas sobre a estrutura dramática do filme, o trabalho com os atores, a escritura do roteiro. Lembrou o velho John Ford e sua clássica resposta "It's only westerns". Mas, assim como os filmes de mestre Ford, é muito mais do que isso. Por trás da história de três amigos de infância que se reencontram em meio ao dramático assassinato da filha de 19 anos de um deles (um como pai sofrendo, o outro como o policial que investiga o caso e o terceiro como suspeito), Eastwood arma uma teia de relações absolutamente complexa que fala de violência, vingança, família, ecoando uma série de situações de origem claramente shakespereana. Isso tudo com um domínio da mise-en-scène, um foto em contraste belíssimo e acima de tudo um elenco perfeito, no qual Sean Penn se firma como o grande ator americano de sua geração para o fim de todas as dúvidas. Um tremendo filmaço que reitera o melhor que a América pode produzir em termos de uma arte que, em meio a um processo industrial, reflete e repensa seu próprio país como nenhum outro cinema do mundo sabe fazer.
(Eduardo Valente)