15.5.03

Valente em Cannes (2)
Os primeiros três filmes...
- Ce jour-lá, de Raoul Ruiz - O menino Ruiz está cada dia mais sapeca. Depois do delicioso Combate de Amor Sonhado, exibido na Mostra de SP do ano passado, ele comparece com uma ainda mais deliciosa e saborosa brincadeira com a noção de loucura e com a ganância. Feito com enorme graça (e absolutamente "narrativo", no que se refere a Ruiz), grande dose de poesia e muita, muita ironia, tem desde já algumas das cenas antológicas do Festival (a melhor delas uma dança ao som de músicas de celulares) e uma interpretação etérea e linda de Elsa Zylberstein.
- En Jouant "Dans la compagnie des hommes", de Arnaud Desplechin - Desplechin andava frequentando a Competição, então talvez a inclusão deste filme na Un Certain Regard seja um tipo de "rebaixamento branco". Mas ele e o elenco pareciam bem felizes ao apresentar o filme, embora avisasse tratar-se de cópia de trabalho (de fato, nos créditos aparecia "rough draft"). Não deixa de ser uma certa jogada, porque é difícil julgar um trabalho em andamento, mas, se ele apresenta, por que eu não julgaria? O filme tem pontos de partida muito interessantes (tanto o texto da peça "Na Companhia de Homens", que se dispõe a adaptar como indica o título, como esta encenação de um processo de encenação), mas talvez sofra justamente deste excesso de opções. Algumas delas acabam bem soltas (como a incorporação de trechos de Hamlet ao filme), e o filme torna-se bastante cansativo, apesar de atuações excepcionais do protagonista Sami Bouajila e outros do elenco masculino (as mulheres parecem perdidas no filme, o que talvez tenha a ver com o fato de que no texto original não havia nenhuma delas - algo dito no próprio filme). Não se sabe quão "rough" o filme esteja e o quanto se vá mexer nele, mas dá para imaginá-lo bem melhor resolvido.
- La Cruz del Sur, de Pablo Reyero - representante argentino na Un Certain Regard, trata-se de um filme de estréia. O diretor demonstra efetivo domínio narrativo e fluência, mas peca na composição de seus personagens. Assim, uma história que por si tem pouco de novo (personagens marginais numa fuga após roubarem as drogas de um traficante), e que poderia crescer justamente no trabalho dos personagens, acaba patinando bastante na obviedade, apesar da encenação cheia de energia. O final é especialmente interessante, mas não resolve os problemas que o filme traz.
(Eduardo Valente)