18.5.03

Valente em Cannes (6)
- Sansa, de Siegfried - Mesmo realizador de Louise, Take 2, este seu filme exibido aqui na Quinzena dos Realizadores leva adiante tudo que o filme já trazia, para o bem e para o mal. A mesma liberdade de câmera, o mesmo senso libertário do trabalho com personagens marginais vagando pelo mundo (aqui, no caso, literalmente, porque o personagem passa por 14 países durante sua peregrinação), e acima de tudo, o mesmo desejo de tornar o cinema o espelho de uma utopia de vida sem autoridades e com muito amor (e sexo). O problema é que o filme perde sua força pela duração excessiva e também o seu foco, especialmente nas cenas do terceiro mundo (que lembram um pouco demais um trabalho do tipo de Sebastião Salgado). Mas o que fica mesmo é um delicioso exercício que lembra em muitos momentos o trabalho de alguns exemplos do nosso Cinema Marginal (em especial o de Andrea Tonacci).
- Swimming Pool, de François Ozon - Ozon se dedica a mais uma brincadeira com os gêneros cinematográficos, sendo que aqui há uma dupla brincadeira, pois inicialmente ele parece trabalhar num registro que logo descobrimos falso (num jogo de espelhos que inclusive aparece formalmente no filme). Mas, se o filme tem inegável elegância e conhecimento de causa no quesito de construção, ele se revela de pouca permanência uma vez que o jogo fique às claras e terminado. Trabalhando por demais com alguns estereótipos (como o da inglesa travada ou o da jovem loira maluquinha que a liberta), mesmo que conscientemente, Ozon acaba ficando um pouco óbvio demais, ainda que sedutor. Especialmente para a platéia masculina, para quem pela segunda vez (a primeira foi em Gotas D'Água...) ele apresenta Ludivine Sagnier como veio ao mundo. E ela veio ao mundo bem demais...
- Arimpara, de Murali Nair - Exibido na Un Certain Regard, o filme trabalha a conflituosa relação entre tradição e modernidade na sociedade indiana a partir de uma curiosa história - que permite momentos de autêntico filme trash a partir de uma verruga que não pára de crescer no rosto de um homem. Uma das maiores qualidades do filme está justamente em não ter medo de levar sua história até o final, sem qualquer temor de parecer ridícula. Só que a mistura de realismo quase naturalista na encenação de boa parte do filme e o crescendo em direção a um simbolismo de leitura por demais simplória acaba tornando o filme um pouco mais difícil de "descer" do que gostaria. Sobressaem um exotismo por demais evidente e uma estranheza como valor em si, quando deveriam ser parte do todo.
(Eduardo Valente)


Valente em Cannes (5)
Pintou o primeiro filme realmente importante da competição do Festival de Cannes. Embora já tivéssemos visto dois muito bons filmes menores de cineastas importantes (Techiné e Ruiz) e dois filmes interessantes e até importantes (o turco Uzak, principalmente, mas também o novo filme de Samira Makhmalbaf, sendo que neste caso confio na opinião dos críticos amigos), faltava o filme que nos fizesse parar pra discutir o que de fato ele é, qual sua real importância, o quanto ele vem a somar no cinema mundial atual - e é desses filmes e não dos médios que se faz a memória de um evento como Cannes. Pois bem, este filme, por enquanto, é Elephant, de Gus Van Sant. Nele, o diretor encena o que seria um dia comum numa high school americana, filmada como nunca se filmou no cinema jovem americano. Em Elephant, além desta filmagem de uma beleza e poesia incomuns, trata-se de uma encenação ficcional (tanto que a escola não tem o mesmo nome) do dia do massacre de Columbine. Quando isso fica claro no final do filme, somos surpreendidos por uma encenação absolutamente chocante justamente por mantar sua desespetacularização constante. Um filme que deixa marcas profundas, ainda que (e em grande parte por isso mesmo) não busque respostas ao que mostra. Acima de tudo, um filme inesquecível, a ser revisto e rediscutido (já que a correria de Cannes impede um olhar mais completo).
(Eduardo Valente)