10.11.06

Incentivo bom não é o que concentra, mas o que amplia

Peço licença para um compadrio mais do que justificado: vale dar uma lida atenta no texto "Cinema brasileiro para quem? - O retorno", assinado pelo Felipe e pelo Eduardo na Cinética.
O problema é que as iniciativas de apoio ao cinema feitas pelo Estado brasileiro são quase todas concentracionistas, e continuarão sendo enquanto estiver no poder essa turminha medíocre que comanda a Ancine e as associações classistas. Não é por acaso que essas figurinhas carimbadas subiram nas tamancas com algumas mudanças distributivistas feitas pela atual gestão do MinC. Os filhotes da Embrafilme, espalhados pela Ancine e pelas distribuidoras gringas, só querem saber de "cinema brasileiro" se não prejudicar os interesses de sempre. Como já me disse Nelson Pereira, é fácil saber quem é de direita no cinema: quem acha que o cinema brasileiro deve produzir apenas algo em torno de trinta filmes por ano, "porque é o que o mercado pode aceitar", é de direita. Não interessa se "direita" e "esquerda" são conceitos defasados: essas pessoas jogam contra os interesses do cinema brasileiro. Só querem continuar a mamata de sempre.
Duro é ver que a desculpa de sempre é "competitividade", "profissionalismo" e outras baboseiras. A cascata desmorona se a gente notar que, pra ter essa "competitividade", os filmes da turminha precisam receber todo o dinheiro que o Estado distribui, seja o da Petrobras, o do BNDES ou de onde for. O "profissionalismo" desses veteranos em monpolizar o incentivo público não se sustenta sem o apoio público - na maioria das vezes, porque os filmes feitos "para o mercado" são medíocres, tão medíocres quanto essa mentalidade tacanha. "Criatividade", nessa conversinha, é só peça de discurso.

Mas eu estou sendo um pouco injusto, admito. Essa mamata toda não se restringe à geração do Gustavo Dahl - afinal, O Dia Em Que Meus Pais Saíram de Férias, dirigido pelo Cao Hamburger (e que parece ser bom - vem sendo elogiado por muita gente), é produzido pelos irmãos Gullane, da novíssima geração. Afora o fato de que o filme pode ser realmente bom, devemos parabenlizar os Gullane por aprender rápido as regras da turminha concentracionista. Afinal, dessa vez o projeto deles, como notou o Eduardo, recebeu R$ 200 mil para o lançamento depois de ter sido lançado. Não é a primeira vez que a produtora dos irmãos se dá bem no esqueminha concentrador - uma produção anterior deles, Nina, ganhou dois prêmios de finalização, um do concurso do MinC e outro da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (e eu nunca entendi como é que um filme pode ser finalizado duas vezes - ainda mais já tendo sido exibido em uma sala de cinema para uma sessão privada..).
De todo modo, parabéns a eles, que mostraram aprender depressa. Será que dessa vez eles vão lançar o filme do Cao Hamburger duas vezes?
Enquanto isso, os melhores filmes brasileiros ficam à margem - Tonacci, Navarro...

Acho que deve ter escapado aos leitores de uma nota aí embaixo um dos motivos da minha alegria ao ver o filme do Tonacci ser selecionado em Turim para ser exibido ao lado de um novo do Godard, entre outros. É que, na mediocridade que pauta o nosso cenário, um filme gigante como Serras da Desordem foi recusado pelos principais festivais do país (esses mesmos que vocês estão pensando) antes de ser aceito por Tiradentes e por Gramado (em que foi premiado). Lá fora, é exibido junto aos mais originais. Isso, pra mim, comprova a visão raquítica que os manda-chuvas dos festivais daqui têm. Deve ser por isso que um dos diretores do Festival do Rio confessou a um jornalista que Sonhos e Desejos e Nenhum Motivo Explica a Guerra só entraram na seleção porque o pessoal do Festival tinha medo de "levar bronca" do Barretão e do Cacá Diegues. E o Serras da Desordem ficou de fora. Isso é que é seleção brilhante, o resto é conversa!
Pelo menos em Turim não é assim. A melhor saída para o bom cinema brasileiro, pelo jeito, continua sendo o Aeroporto Antonio Carlos Jobim.
Daniel Caetano