24.11.06

Enquanto isso, em Aracaju...

Pois é - vou tentar explicar aqui o tipo de constrangimento que pode rolar com o resultado da soma entre "regionalização" e "produções profissionais" (leia-se: dos grandes centros). Passeando pela linda praia de Atalaia numa breve estadia em Sergipe, acabei ouvindo estórias meio brabas sobre uma produção que está sendo feita lá, o novo filme de Paulo Thiago, Orquestra de Meninos. O Paulo Thiago, pra quem não lembra, é o cineasta de A Batalha dos Guararapes, Águia na Cabeça e O Vestido, entre outros.
Bem, como todo mundo sabe, o Roberto Santos sempre dizia que o desafio do cinema brasileiro é usar a criatividade para superar a falta de recursos. Mas o pessoal dessa produção anda sendo criativo demais, segundo me contam as vozes de Atalaia. Coisas do tipo: figurantes recebem dez reais por dia; num dia em que foram convocados mais figurantes do que a produção previra, para evitar o problema de falta de alimentação, a produção pediu que velhos e crianças fossem almoçar em casa - depois de passar a manhã inteira trabalhando; e, finalmente, o pessoal da região contratado para fazer parte da equipe recebe menos, "porque na região os salários são mais baixos" - a ponto de alguns serem rebaixados para estagiários, apenas para poder baixar salários (quinhentos reais para assistentes de produção - por mês, que tal?). É como já ensinou Luiz Carlos Barreto: "regionalização quer dizer nós, profissionais, irmos às regiões do país fazer filmes sobre eles"...

Daria até pra entender e justificar a falta de verbas da produção, caso fosse um BO da vida. Mas a coisa fica bem estranha quando a gente fica sabendo que a empresa já captou cerca de R$ 4,5 milhões - até agora. Aí a coisa fica estranha mesmo.

De todo jeito, eu adoraria receber e publicar uma resposta da equipe de produção que conteste as vozes de Atalaia. Ainda pediria a eles que me dissessem se é verdade que foi pedido à direção regional da Petrobras que arcasse com as despesas de transporte, o que não seria estranho, se a verba para o servio de transporte já não tivesse sido assegurada pela própria Petrobras, num concurso nacional... (motivo pelo qual o apoio foi recusado pela direção regional)

Pra quem também não se lembra, o Paulo Thiago foi o sujeito que sugeriu ao jornal O Globo que a Lei do Audiovisual deveria ser prorrogada "por uns mil anos", assim como foi o mesmo que quatro meses atrás falou em "direitos adquiridos" para garantir verbas para cineastas da velha guarda. Pudera - assim fica fácil, não é mesmo, meu querido?
Sinto muito aí pela futricagem, mas são essas as histórias que uma parte considerável do novíssimo cinema brasileiro vai deixando pelo caminho.
Qual seria a solução?
A Ancine publicar o orçamento na internet?
Ou reduzir esses orçamentos - uma vez que o aspecto bizarro não são os salários baixos, mas os salários baixos numa produção de cerca de 5 milhões?
(aliás, uma curiosidade: o Paulo Thiago já fez algum sucesso de bilheteria? Ou ele só é um cineasta apoiado graças à quantidade e discutível qualidade dos seus filmes e ao talento de sua esposa para captar verbas?)
Daniel Caetano