31.10.03

Balanço da Mostra SP - II
Leões de Lata
Que premiações em festivais não devem ser critérios para nada, já cansamos de falar - até porque muitas vezes são frutos de negociações em júris formados por figuras díspares (basta lembrar o constrangimento de Nanni Moretti em dar um Prêmio do Júri ao grotesco Dias de Cão para impedir que ele levasse Leão de Ouro em sua presidência de júri em Veneza). Ainda assim, há que se ter algum respeito no mínimo pelos que são chamados os três grandes festivais do mundo. Ou talvez não mais, mesmo. Se a escolha de Cannes este ano por Elefante se mostra em retrospecto cada vez mais importante e acertada (ainda que o prêmio de direção para Eastwood fosse uma intessante opção), Veneza e Berlim não param de jogar seu nome no lixo da História. O prêmio para o filme de Michael Winterbottom (Neste Mundo) em Berlim ainda tem a desculpa (esfarrapada, mas ainda assim desculpa) da atualidade do tema, da expiação de culpa das grandes nações. No entanto, os dois Leões de Ouro de Veneza em 2002 e 2003 são indesculpáveis. O filme de Peter Mullan, Em Nome de Deus, não merecia prêmio nenhum mesmo num Festival onde só ele fosse exibido, tal sua precariedade de argumentação e cinema. Agora, mais insidioso é o prêmio para o russo O Retorno, com sua embalagem fake de filme de arte a serviço de dramaturgia psicologizante de terceira e muita, muita pose. E o Leão de Prata ainda foi para No Céu do Líbano, grotesca exibição de ingenuidade disfarçada de humanismo, para aquecer os corações dos tolos. E pensar que o mesmo Festival exibiu pelo menos três obras-primas: Um Filme Falado, Adeus, Dragon Inn e Bom Dia, Noite (isso dos que já passaram no Brasil, o que não foi o caso do filme de Kitano, por exemplo). Convém começar a se ignorar seriamente os júris que, cada vez mais, servem ao mesmo lugar comum lamentável que já domina boa parte do circuito de cinemas de arte e a crítica em geral.
(Eduardo Valente)