5.5.04

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No meio deste panorama de falta de visão coletiva, lamentavelmente há que se destacar duas ações individuais de enfrentamento do "estado de coisas":
Paulo Sacramento, ao receber um prêmio para a Petrobras de verba de lançamento, se deu conta de que gastar como se fosse o diretor de Homem-Aranha 2 fazia pouco sentido (outdoors, anúncios em ponto de ônibus, etc), porque sua verba seria ainda ínfima para tal, e o dinheiro rapidamente iria embora com pouca visibilidade assegurada. Então, pegou parte desse dinheiro e "subsidiou", por assim dizer, a colocação do seu filme numa sala do centro de SP que até então nunca havia exibido o cinema nacional (o Cine Paris). Resultado: tem sido a maior média de espectadores do seu filme (maior do que a de qualquer circuito de arte do país - mesmo o de SP), com ingressos mais baratos para que o público do Centrão tivesse condições de ir ao cinema. Sacramento mostra, assim, que talvez os investimentos públicos estejam indo na direção errada o tempo todo quando tentam usar a lógica importada do "mercado de cinema", muito boa para uma Globo Filmes (que subsidia sua "comercialização"), enquanto nossas preocupações também precisavam ser outras.
A outra iniciativa foi de Marcelo Masagão, com 1,99. Masagão, se faz filmes com os quais não poderemos jamais ser condescendentes, sempre foi uma cabeça de marketing muito boa (tanto que teve a idéia brilhante de fazer um trailer sem nenhuma imagem do filme em questão). Colocou no Globo um anúncio do seu filme onde ironiza o famigerado Bonequinho do mesmo jornal, que aparece dormindo (como havia sido a "cotação") mas com um texto que diz que quem dormia era o crítico - o Bonequinho sonhava. Tal e qual a boa sacada da ironia com os logotipos de empresas no início do seu filme (única boa sacada do filme, aliás), Masagão nos propõe uma saudável inversão de valores, na primeira vez que alguém destaca uma cotação como essa (geralmente só se aproveitam os aplausos eventuais - numa validação do mesmo Bonequinho que se critica depois como arbitrário ou desrespeitoso quando ele dorme ou sai no meio do filme). Nunca discutimos o direito dos "opinadores" (críticos, não, por favor) gostarem ou não de um filme, mas sim o fato de toda a carreira de um filme ser decidida hoje pela posição de um desenhozinho numa cadeira - é a arte jogada aos leões, a democratização do acesso nas mãos de uma pessoa despreparada (democratização sim, porque se o "opinador" de fato não impede ninguém de ir ao cinema com uma cotação ruim, no estado atual de coisas ele decide a simples existência deste filme em cartaz). Masagão, como franco-atirador (uma vez recebida esta cotação, não há mesmo muito a perder), se saiu com esta saudável "zoada" no processo todo - que até pode não servir de nada prático, mas pelo menos "avacalhou" com a instituição do Bonequinho.
Um PS importante: ambos os filmes foram lançados pela Imovision, uma das distribuidoras pequenas que mais arrisca na compra dos filmes para o circuito - e mais tem sofrido com sua canibalização. Não é caso aqui de se heroicizar Jean-Thomas (dono da distribuidora), já que seu investimento ou risco de fato nos lançamentos destes filmes brasileiros (subsidiados por prêmios para lançamento) é muito pouco. Mas há que se dar a ele pelo menos o reconhecimento pela vontade de pensar lançamentos diferenciados, de responder ao que o mercado apresenta - atitudes das mais necessárias. São três indivíduos realizando pequenas brigas - mas e o coletivo??
Eduardo Valente