9.10.03

Alguns leitores fiéis fizeram comentários numa nota de dias atrás que acho que merecem mais espaço aqui, para conversarmos. A pergunta, sobre re-avaliação de um filme, é muito boa. Meu amigo Kléber Mendonça (com pelo menos umas cinco coberturas de festivais de Cannes a mais do que eu) sempre dizia que toda opinião emitida num Festival como Cannes precisa ser revista depois, porque além de vc ver uma média de cinco filmes por dia, correr de uma sala pra outra e pra escrever na sala de imprensa, comer mal, ver filmes morto de cansado, etc, ainda está vendo todos aqueles filmes nas primeiras exibições deles no mundo, portanto emitindo valores com enorme pressa sobre algo que não há qualquer valor emitido ainda. Por isso, sobre vários filmes lá eu disse que precisava voltar mais tarde, mas isso é verdade sobre quase todos. (Só como exemplo: Demonlover, no Festival do Rio, eu voltei para rever dias depois de ter visto pela primeira vez) Nessas revisões, alguns filmes crescem, outros caem, outros se mantêm. Exemplos de cada um deles? Shara, que achei belo filme em Cannes, revelou-se obra prima na revisão no Rio. Demonlover mantém a força além da surpresa. E Dogville cai, por vários motivos: primeiro porque sua estrutura voltada para o choque, uma vez passado este, revela-se dramaturgicamente mais precária. Segundo, porque em Cannes, em plena guerra do Iraque, e cercado por jornalistas americanos, o filme tinha uma força completamente diferente. E terceiro, porque agora há outras opiniões a serem ouvidas, o que eu fiz nestes meses. E, ao contrário do que se diz, ouvir opiniões alheias não é falta de personalidade, é no mínimo inteligência e humildade. Assim, reconheço falhas que considero sérias no filme, mas ainda dou muito valor ao impacto que ele causou em mim e no Festival em maio. Daí que passo sua avaliação de um **** para um *** (ainda assim, avaliação que dou a poucos filmes). Quanto a não ter escrito sobre o filme, fiz um texto longo na Contracampo do mês seguinte a Cannes sobre os temas abordados no filme. Fora isso, cobrir mais de 100 filmes num Festival, como fizemos aqui no Rio, requer muita coordenação e divisão de tarefas, e Dogville era um filme que tinha gente disposta a escrever sobre, com argumentos fortíssimos, como o Daniel e o Ruy (não era o caso de vários outros filmes, que por isso assumi). Adoro os dois textos, vejo validade nos argumentos de ambos, e não creio que tenha muito a dizer que ele não tenham dito. Essa é uma das belezas de, como diz nosso editorial, "pensar junto".
(Eduardo Valente)