13.5.03

Não custa lembrar. O drama romântico Um Homem, Uma Mulher (1966),de Claude Lelouch, que acaba de sair em DVD, homenageia a bossa-nova e o Cinema Novo. Em uma das cenas, o marido de Anouk Aimée, em um flash-back, canta em francês "Samba da Benção", de Vinicius de Moraes e Baden Powell, e presta tributo a deuses da MPB. Ele cita vários nomes, de Noel Rosa a Edu Lobo. Vinicius ameaçou processar o diretor por não ter pago direitos autorais nem dar crédito aos compositores na ficha técnica. Diante da pressão, sem pegar um franco sequer, Lelouch deu o crédito. Em um outro momento, o da homenagem ao Cinema Novo, se assim pudermos considerar, Jean-Louis Trintignant passeia de carro com seu filho e dá voltas circulares na praia, a exemplo de Os Cafajestes, de Ruy Guerra. Como é assumido o fascínio do diretor pelo Brasil, expresso em entrevistas e em uma seqüência desse filme, há poucas dúvidas se é citação ou mero acaso. Curiosidades à parte, o filme tem vivacidade. É obra de paixão pelo cinema de seu diretor e das desafiadoras circunstâncias de produção. Lelouch vinha de um tremendo fiasco comercial, Les Grands Moments, e precisava de um sucesso para pagar suas dívidas. Um Homem, Uma Mulher tinha de preencher os cheques para tirá-lo do vermelho. Ele escreveu o roteiro em um mês e meio, filmou em três semanas e montou em outras três. Um produtor acrescentou uma quantia para se filmar em cores, mas o dinheiro não era suficiente para tanto e apenas algumas cenas ficaram coloridas. Isso explica a falta de critério da passagem de um registro para outro. Sempre com a câmera no ombro e aberto a improvisos na filmagem, Lelouch segue a lógica do "quanto mais planos melhor". Filma as mesmas cenas de ângulos diferentes apenas para se satisfazer com a manipulação da imagem. O diretor economiza nas palavras e abusa da música de Francis Lai, a principal marca registrada da obra ao lado da câmera rodopiante em torno do casal. Ao contar o encontro, o envolvimento, a separação e o reencontro de um par de viúvos, que ainda sentem as dores de perdas recentes, mas se abrem um ao outro para renovar seus afetos, Lelouch visa criar encanto. É um filme de climas, embora, fruto dos excessos do cineasta, climas demais.
(Cléber Eduardo)