13.6.05

O choque dos capetalistas

Legal a gente poder rever uma opinião. O Globo publicou uma matéria neste domingo chamada "Polêmica Divisão de Bens", escrita pelo mesmo Mauro Ventura que tinha entrevistado o Barreto alguns dias atrás, motivando uma outra notinha aqui embaixo. Bem, dessa vez não faltou disposição ao repórter - ao contrário, agora tivemos uma matéria de duas páginas em torno da movimentação de Barreto e associados em torno de uma graninha básica que está pra receber destinação. Legal, legal mesmo.
Mas é preciso apontar um problema, o ponto crucial da questão, que fica um pouco oculto no texto. O problema não se trata de "qualidade", "capacidade competitiva" ou outras cascatas - trata-se de retorno, contrapartida ou seja lá o nome que se dê.

A questão fica bem clara numa contradição do diretor Paulo Thiago, quando ele diz concordar com Barreto que é preciso patrocinar "filmes competitivos" e completa dizendo que "dar R$ 60 mil para duzentos produtores ao invés de dar R$ 200 mil para sessenta não cria democracia alguma" - e a reportagem chama atenção para o fato de que o filme mais recente de Thiago fez pouco mais de trinta mil espectadores.
Mais à frente, Leonardo Monteiro de Barros, produtor da Conspiração, sintetiza o problema ao dizer assim: "Não existe auto-sustentabilidade quando se tem apenas de 15% a 30% do mercado".
No entanto, nossos grandes produtores não pedem que o Estado aja de modo a fazer seus filmes serem vistos, que aja para aumentar sua participação através da regulação do mercado - pedem esmola para fazer mais um filminho, tentando tomar o lugar de quem ainda precisa dessa graninha.
Aí vem uma questão. Peguemos o exemplo de Barreto: desde o início do uso de leis de incentivo, o maior produtor de cinema do país já fez O Quatrilho, O Que É Isso, Companheiro?, Bella Donna, Bossa Nova, O Caminho das Nuvens, A Paixão de Jacobina, entre outros. A despeito de discussões sobre qualidade, é preciso notar um fato evidente - estes filmes foram exibidos nos cinemas, foram lançados em vídeo. Por menor que seja, tiveram retorno comercial. Onde esse dinheiro foi parar?

Quando a Lei do Audiovisual foi criada, usou-se como justificativa lógica que ela estimularia investidores a usar o lucro em novos filmes - o lucro fica com o patrocinador. Na Rouanet, o lucro fica com a empresa produtora. Por que, ao invés de ficar tentando manter seu quinhão na repartição das verbas de cultura e marketing da Petrobras (que, todo mundo já sabe, virou uma versão terceirizada da Embrafilme), Barreto não usa o lucro de filmes anteriores para financiar seus novos projetos?
É preciso que um grande produtor aposte em seus próprios projetos - ele não acha que faz filmes "competitivos", afinal?

Outra questão, nem mencionada, a gente já falou muito aqui: qual é o sentido de discutir bilheteria de centenas de milhares, no máximo, esquecendo a audiência televisiva de possíveis milhões? Como seguir com a discussão de acesso ao público sem falar de filmes nacionais recentes na TV? E como entender um sistema de financiamento de filmes que, feito por um Estado que mantém uma rede de televisão pública, não define que estes filmes devam ser exibidos nessa rede pública?

(Infelizmente, a versão on-line do Globo esconde seus links depois da edição diária - mas dá pra ler a matéria catando no arquivo. Ainda vamos tentar achar o link dela e botar nos comments, mas se alguém conseguir antes...)
Daniel Caetano