2.6.05

Capitalista em estado de choque

Chora tua tristeza, cinema brasileiro, como na velha canção. Ontem o Globo publicou uma nova matéria com Luiz Carlos e Lucy Barreto. Verdade seja dita, essas matérias com os dois são tão habituais e parecidas umas com as outras que parecem ter sido guardadas em velhas gavetas. Mas tudo bem - só que, se essa tem algo de diferente, é um troço bem triste. No final da matéria, há um comentário que deveria provocar lágrimas de esguicho, pra usar a expressão do outro, em todo mundo que gosta de cinema brasileiro. Cito aqui o que disse a matéria:

"Segundo Barretão, de 2002 para cá os recursos foram pulverizados e se voltaram para primeiros filmes, produções experimentais e regionais.
- São filmes que devem ser feitos, sim, mas com outras formas de financiamento. É função da Secretaria do Audiovisual botar debaixo do seu guarda-chuva toda a produção de investigação de linguagem. Do jeito que está vamos bater o recorde de produção de filmes inéditos, que não chegam ao mercado. Estão sendo feitos menos filmes competitivos
"

Olha, é triste pra cacete ler um negócio desses. Não apenas pelo comprometimento dela, nem apenas pelo engodo que pretende criar. É triste sobretudo pela trajetória de vida de Luiz Carlos Barreto.
Barreto, pra quem ainda não sabe, é o maior produtor de cinema da história do país. Produziu filmes excelentes e filmes péssimos, grandes sucessos e alguns fracassos. Nos últimos anos, dedicou-se principalmente a fazer filmes dirigidos por seus filhos Bruno e Fábio, mas também participou de outros projetos.
E esta frase é uma admissão de fracasso. O maior produtor de cinema brasileiro admitiu que perdeu a guerra. Não é capaz de manter sua produção se não tiver a ajuda financeira de empresas estatais, mantida através de incentivo fiscal, ou seja, usando dinheiro público. Barreto prega um cinema de altas bilheterias, mas nem mesmo considera a hipótese de que este cinema se sustente através destas mesmas bilheterias - é preciso ter a ajuda estatal. Ajuda estatal para fazer produtos comerciais, "filmes competitivos", seja lá o que ele pretenda dizer com isso.
Isto é profundamente triste. Parece que nosso cinema comercial não pode alçar vôo - não confia em suas próprias asas. Barreto não pede regulação para que seus filmes sejam bem distribuídos e sejam vistos por muita gente - pede ajuda apenas para que sejam feitos, mesmo que depois esses filmes competitivos tenham resultados semelhantes aos do Julio Bressane. Barreto, assim, confessa ao cinema brasileiro: "Fracassamos miseravelmente". Que os deuses do cinema lhe protejam.

No mais, vale lamentar profundamente a falta de disposição do repórter do jornal, Mauro Ventura. Com todo respeito, faltou-lhe vontade de entrevistar. Não era tão difícil: "Senhor Barreto, mas o senhor não considera que um filme comercial, por natureza, deve se sustentar através de sua bilheteria?". Ok, talvez fosse um pouco difícil - mas este seria o trabalho de um repórter. Ao não fazer esta pergunta, a reportagem omitiu-se e comprou a versão sem prestar atenção. Azar dos leitores, que eventualmente podem não perceber o jogo sendo jogado.
Daniel Caetano