4.5.03

É engraçado que a discussão criada por quatro ou cinco figuras de destaque seja retratada por veículos de imprensa como "forte indignação dentro da classe cinematográfica"... De toda maneira, acho que têm toda a razão os doutores Diegues, Barreto e Babenco - que já se manifestaram contra possíveis critérios de apoio dirigistas de algumas empresas estatais que tradicionalmente investem em seus filmes. Já até escrevi aqui pela Contracampo algumas vezes que não cabe a instâncias governamentais estabelecer critérios estéticos ou temáticos - e isso vale para instâncias nacionais, estaduais e municipais.
No entanto, tem toda a razão também a SeCom ao notar que isso não significa, de maneira nenhuma, que o Estado não tenha o direito de pedir uma contrapartida ao investimento que representam os reais que são abatido dos impostos da empresas co-patrocinadoras. A contrapartida é a obra, como afirma com razão Diegues? Então os filmes precisam ser vistos, e não só na zona sul carioca ou nos cinemas da Paulista, e isso não é um problema dos exibidores, ou pelo menos não apenas deles. Mesmo que se construam salas país afora (como pretende fazer a Petrobras), ainda assim é preciso notar que nos dias de hoje há um imenso público a ser conquistado através da televisão. Então os filmes precisam passar na televisão!...
Bem, eu devo estar me repetindo, na edição passada já defendi essa idéia no Cinema Falado e num artigo, mas volto a bater na mesma tecla: uma justa contrapartida a se pedir de filmes que fossem produzidos majoritariamente através de incentivos fiscais ou apoio estatal seria a de, após um período determinado para distribuição comercial, terem seus direitos de exibição cedidos para as redes públicas de televisão. Estas redes públicas poderiam então exibir o cinema brasileiro recente para o público que já o pagou através dos incentivos fiscais. Afinal, "a contrapartida é a obra", com certeza! Então, mesmo que não deva de fato ter ingerência sobre a produção desta, certamente merece algum direito sobre a sua exibição o Estado patrocinador, não é mesmo?
Considerando que os realizadores de filme de grande sucesso podem querer manter os direitos de exibição na tevê, pode-se pensar em outras alternativas. Uma contrapartida possível para filmes de grande bilheteria seria a de o Estado recuperar o dinheiro investido através dos descontos de impostos por meio do percentual de bilheteira que lhe cabe como co-produtor - possibilitando inclusive o apoio a novos filmes, dessa forma. Para ficar num exemplo óbvio: se o doutor Babenco prefere guardar o seu Carandiru para exibir numa emissora privada (como talvez a da co-produtora), basta que devolva aos cofres públicos o dinheiro abatido de impostos que foi usado na produção do seu filme. Ainda que metade do orçamento de Carandiru tenha sido de investimento sem incentivos, a outra metade já daria uma grana razoável para o Ministro Gil, o doutor Orlando, a Ancine ou seja quem for reinvestir em filmes baratos, que tal? Certamente é uma opção melhor que criar critérios estéticos ou temáticos.
(Daniel Caetano)