23.8.04

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O cara tá se achando malandro: escreveu um texto, citou Adorno e Benjamin, denunciou o movimento do sistema para abraçar a revolta contra ele e torná-la parte de si, analisou cinematograficamente três filmes de sucesso como sintoma de um algo a mais. Alguns não gostaram (a ver aqui nos comments), outros elogiaram (pessoalmente, orkut, etc) - que é a melhor coisa que um texto pode fazer, a meu ver. Tudo uma maravilha.
Aí sai o jornal na sexta-feira - não por acaso o jornal O Globo, do mesmo grupo da tal Rede Globo, onde trabalha Jayme Monjardim, e da Globo Filmes, que lança e promove o filme Olga. Na capa do seu "suplemento cultural" lá está Camila Morgado como Olga - até aí algo esperado - segurando um fuzil. Mas, epa, e aquela chamada principal: "OLGA S/A"??
Será ironia - pegar um ícone comunista e nomear como empresa?? Será que o sistema denuncia a mesma coisa que o escriba contracampista? Não - fala dos números mágicos envolvidos na "maior produção do cinema nacional". OK - Olga Benário virou empresa, garota-propaganda da pujança de produção global-cinematográfica. Me parece um golpe duro contra a memória de qualquer pretenso revolucionário, mas vamos suportar.
Mesmo jornal, sábado - Caderno Ela, o caderno, er..., "feminino", especializado em creminhos e em editoriais de moda. Primeira página: Camila Morgado, como Olga. Er..., olho com mais atenção, porque acho que é visão: eles estão fazendo um editorial de moda com a atriz vestindo modelitos da "militante comunista"??? É isso mesmo? Vou ler a legendinha ao lado da foto - "Trenchcoat Ellus: R$568" - e paro por aí, mais não dá.
OK, eu me rendo: o sistema é muito, MUITO maior do que eu e minha suposta malandragem denunciando seus movimentos. Ele torna tudo uma tamanha chanchada ahistórica, apolítica, de tal maneira que não há mais o que se dizer. Afinal, como ser mais contundente que estas duas matérias, que são parte dele??? Eu podia pensar nas duas coisas ("Chamemos a Olga de empresa","Vamos fazer um editorial de moda - vista-se como uma revolucionária!") como tiradas geniais para deixar nus os estratagemas absurdos - e eles vão lá e fazem a sério! O que vem a seguir - a bonequinha Olga, que você pode vestir como revolucionária ou dona de casa, e que se vc aperta a barriga diz "Eu estou grávida de Luis Carlos Prestes"? Ou a atração de parque temático com campo de concentração - quiçá a dieta Olga para emagrecer ou a moda da cabeça raspada a la judeus na Alemanha??
Pano rápido, por favor! Antes que a piada fique velha porque fizeram de verdade.

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E mais triste é ver mesmo quem não quer se prestar ao jogo não conseguindo fugir: na matéria do Rio Show tem a "celebridade da semana", a filha de Olga, Anita. Que aparece a matéria inteira dizendo que não quer tirar foto pra jornal, dar entrevista ou depoimento, sair no jornal, em suma. E lá está ela: "celebridade da semana". Neguinho é muito mau mesmo.

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Mas, peraí... mesmo jornal, mesmo sábado, Segundo Caderno, coluna de Arnaldo Bloch. Título: "Olga é algo" - trocadilho que o Ruy usou há mais de um mês e queria muito que fosse usado em algum lugar. O texto? Basta dizer o seguinte: aqui na Contracampo eu pediria, como editor de críticas, que o redator reescrevesse, tentando ser menos desrespeitoso com os realizadores do filme e mais atento a aspectos do mesmo. Menos desrespeitoso, vejam bem, é a parte que importa. O cara acabou com o filme de uma forma... Uau. No Globo?? O que pensar disso??
Me vêm duas coisas a cabeça: uma tentativa de se mostrar "democrático" em meio às discussões da Ancinav é a primeira coisa - mas me parece conspiratório demais. Aí vem a segunda: há dias, quando do lançamento de Querido Estranho, Daniel Filho, big boss da Globo Filmes, declarou em algum lugar que crítica boa não ajudava filme popular, que bom mesmo era crítica ruim, porque aí que a galera ia ver só de raiva do crítico.
Putz! Não imaginava que ele ia usar tão cedo a sua bem pensada tese de marketing!
É como disse uma vez o Luis Fernando Verissimo (o gaúcho, não o da Contracampo), e depois repetiu o pessoal do Casseta e Planeta: é difícil ser humorista no Brasil onde tantos exercem a profissão a sério. Ser crítico de um sistema tão auto-limpante e ensandecido também.
Eduardo Valente