11.7.03

Cahiers du Cinéma na berlinda
Anunciando uma perda de faturamento de 700 mil euros em 2002, o diretor de redação das Éditions de l'Étoile François Maillot colocou os editores e a recente fórmula editorial da revista na parede. A crise instaurou-se não tanto através dos números – embora uma queda de assinantes na casa de 11% no último ano tenha sido constatada –, mas através de como o grupo Le Monde (que tem controle acionário das Éditions de l'Étoile, editora que distribui os Cahiers, tanto as revistas quanto os livros editados pela revista) pretende "reformular" editorialmente os Cahiers para que a revista volte a "funcionar". Numa carta/relatório anônima, Maillot dá seis possíveis rumos para a revista, o mais apocalíptico sendo o fim da revista, o mais brando sendo a demissão do editor-geral e redator desde os anos 80 Charles Tesson e a perda de poder do redator-chefe Jean-Marc Lalanne, principal responsável por sustentar a linha editorial que vinha nos últimos anos especulando sobre as relações do cinema com o novo mundo do audiovisual: clips, séries televisivas, videogames, reality shows.
No começo dessa semana, Jean-Michel Frodon, crítico de Le Monde, foi nomeado como interventor-geral, propondo um projeto editorial com o estigma da "restauração": fazer retornar a revista antigos redatores (sabe-se lá se ele fala da geração de Jean Douchet [anos 60], da de Alain Bergala [ anos 70-80] ou a dos anos 90 que não dá mais as cartas [Emmanuel Burdeau, Stéphane Bouquet, Thierry Lounas]), concentrar-se no cinema (lógica um tanto reacionária) e "publicar textos de referência" (??!!).
Aconteça o que acontecer, com essa política de Frodon será a primeira vez que os Cahiers tomam uma guinada francamente conservadora na relação com o cinema (o "período rohmer" de adoração do classicismo ao menos tinha a vantagem de tentar dar voz a todos os argumentos radicais de cinema, à direita ou à esquerda) e se distanciam daquilo que fez da publicação uma das mais importantes do século XX: ela sempre tentou ser fiel à sua época.
Espera-se que a atual equipe, neste exato momento em estado de greve, consiga fazer valer alguns pontos e evitar esse lamentável "golpe de estado". Falhos ou não, o mérito dos Cahiers é de ser sempre a revista que arrisca à frente dos outros e consegue ir sempre contra o senso comum vigente na crítica, francesa ou de alhures.
(Ruy Gardnier)