3.10.04

Tanto riso, tanta alegria...

Aparentemente, ou jogaram uma bomba de riso ou andam misturando gás hilariante no bebedouro do Espaço Unibanco do Rio de Janeiro. Esta semana, no Festival do Rio, quatro bizarras sessões comprovam a tese: em Tarnation, risadas até tímidas, mas sempre presentes, ecoavam a cada plano de uma avó com derrame cerebral ou de um avô com evidentes distúrbios comportamentais; logo a seguir, mesma sala, Gosto de Sangue dos irmãos Coen pareceu ser assistido como filme de outros irmãos, os Farrelly - gargalhadas incessantes e altíssimas pela sala toda (não me entendam mal, o filme tem aspectos engraçados, sem dúvida, mas está longe, mas muito longe, de ser uma comédia). Nos dois filmes, o mais estranho é que a platéia parecia querer estar rindo COM o filme, ou seja, imaginando estar comprando a proposta dos cineastas de serem risíveis (o que a tela claramente negava).
É de outra ordem o riso que veio em Anatomia do Inferno, de Catherine Breillat, e Falo!, de Tinto Brass - ali, claramente, ria-se DO filme, e não COM ele (de novo é bom esclarecer: o segundo filme é sim muito engraçado, mas não se ria só das piadas). Fenômeno duplamente fascinante e revelador: primeiro, da extrema dificuldade desta platéia educada de ver o sexo e suas variantes menos tradicionais expostas na tela do cinema, resultando em evidente processo de regressão infantil
("hehehehe, ele disse xoxota... hehehehe"); segundo, da ditadura do middle brow: do filme de Breillat ria-se por ser cabeça demais (vamos apelar ao vernáculo do nosso querido jornal campeão de circulação, que faz a cabeça da maioria da galera presente), enquanto do de Brass ria-se por ser "popular" demais - inadequados a "nosso bom gosto anti-reflexivo", portanto. Em miúdos: não mexam com o nosso sexo e, se mexerem, que seja papai-e-mamãe com lençóis brancos - e luz apagada!
Ou aceito a tese acima, ou vou ter que aceitar que definitivamente convencionou-se que só se pode divertir rindo - não importando de quê: "saí de casa esta noite, enfrentei a selva urbana e as filas, paguei caro o ingresso, mas também ninguém me impede de dar umas boas gargalhadas hoje!! HAHAHAHA - olha só a cabecinha cortada daquela criança meu amor!!".
Eduardo Valente