23.3.04

Polanski 2 – O Diretor

Rever O Bebê de Rosemary, tendo o visto uma única vez na adolescência em cópia dublada na tevê, foi melhor que conhecê-lo. Polanski não nos dá nada além do que é dado a Rose (Mia Farrow), mas, a partir de um sonho no qual a protagonista é estuprada por uma criatura não humana e do qual acorda com arranhões nas costas, nós saberemos, e ela insistirá em ignorar, sobre sua condição de vítima de uma conspiração maligna. Todas as pistas serão fornecidas a partir daí de forma explícita, mas ela não perceberá. Essa diferença entre nossa percepção e a da personagem é fundamental. Torcemos para ela sair de sua cegueira e, assim, perceber-se manipulada por vizinhos, marido e médico. Mas onde está nossa vantagem? O que sabemos a mais que ela? Arrisco dizer que a resposta, não unânime pelo percebido em uma discussão após o filme com outras duas pessoas, está em uma sequência. É justamente aquela na qual ela acorda do sonho e nós a vemos de costas, arranhada, enquanto ela percebe apenas um arranhão menor, na lateral dos seios (supõe-se), sem enxergar a extensão do machucado (pois não tem como ver). Este momento é divisor e nos dá uma vantagem sobre ela. Mas há outro componente de nossa superioridade na percepção dos fatos sugeridos pelas evidências. Não temos intimidade alguma com o marido, ao contrário da personagem, e isso nos leva a colocá-lo sob desconfiança, ao passo que a protagonista, mesmo sentindo algo de diferente no comportamento dele, não cogita a hipótese dele estar tramando algo contra ela. Simples assim. Mas são por esses recursos narrativos e dramáticos, de manipulação de personagens e espectadores, que os diretores diferem-se um do outro.
Cléber Eduardo