23.3.04

Polanski 1 – O Malcriado

Roman Polanski faz um esforço imenso para causar constrangimentos em seus interlocutores. Seja pela falta de educação, quando contrariado por perguntas das quais discorda, seja por respostas medíocres, quando solicitado a verbalizar reflexões sobre sua obra. Na duas passagens anteriores pelo Brasil, uma para divulgar Busca Frenética, outra para falar de O Pianista, já havia exibido seu espírito azedo. Não foi diferente na entrevista coletiva realizada em São Paulo na segunda-feira, 22 de março. Ele esbanjou grosseria em sua impaciência com a tradutora, competente durante a maior parte do tempo, e foi agressivo na reação a algumas perguntas. Também ameaçou dar um piti quando soube que a organização vetara perguntas mais espinhosas, como a probição judicial de sua entrada em solo americano, motivada pela relação sexual com uma menor de idade nos anos 70. “Posso lidar com isso, sou um garoto crescido”, disse, pela primeira vez em inglês e não em francês, à assustada tradutora que apenas obedecia ordens.
De modo geral, como tantos outros cineastas cujas obras são superiores às suas palavras sobre elas, Polanski empenhou-se, aparentemente, em desintelectualizar a coletiva. Em alguns momentos, dizia ser incapaz de responder. Em outros, não respondia, optando pela tangente. Não quis falar sobre suas principais obsessões temáticas, dizendo à repórter da Folha de São Paulo que ela estava sendo muito cartesiana, e negou-se a dar sua definição para o “mal” a este redator, se algo imanente ao ser humano, ou se fruto de circunstânciais sociais, como sugere a frase do vizinho satanista de Rose em O Bebê de Rosemary (“O Filho de Satã veio para redirmir os rejeitados”). Sua desculpa: “Não sou filósofo para comentar a esse respeito". Com a insistência na questão, se tinha interesse especial por situações de ameaças aos sistemas de controle civilizatórios, seja no campo individual (como em Repulsa ao Sexo), seja em leque mais amplo (como em O Pianista), saiu-se com essa: “Isso só serve em suspenses”. Então, como disse André Bazin a William Wyller ao fim de uma conversa sobre uma sequência de um filme do segundo, “os filmes vistos, sem dúvida, são melhores que os filmes feitos”. Diante de reações assim, nada esclarecedoras sobre suas posturas como artista, fica uma última pergunta: por que ele veio mesmo a São Paulo?
Cléber Eduardo