29.8.04

Projeção Digital

O Canal Brasil exibiu uma reportagem sobre exibição digital de cinema que pode ser considerada no mínimo curiosa: todos os depoimentos feitos apontam para o quão "salvadora" é a entrada da tecnologia no Brasil. "A exibição de um filme de arte é um investimento arriscado", diz Adriana Rattes. "O que mais impressiona é a velocidade com que ela [a tecnologia] resolve problemas", diz Diler Trindade. São ouvidos ainda o grupo Severiano Ribeiro e as duas empresas que operam o modelo no país, a Rain Networks e a Tele Image. A primeira é apontada como a salvadora dos circuitos culturais e do cinema nacional e a segunda como a potencializadora do cinema comercial. O único artista ouvido é o diretor de fotografia Walter Carvalho, cujo depoimento clama pela diversidade e pela necessidade de a tecnologia, seja qual for, estar a serviço da arte. O que impressiona, entretanto, é a unanimidade afirmada pela reportagem: o cinema digital é uma tecnologia indiscutível em termos de qualidade. Tanto é que, na única vez em que se diz um "mas" na matéria, a adversativa serve para dizer que a implantação ainda é cara e que em dez anos esta tecnologia experimental poderá estar em pleno funcionamento. Mas, da parte do espectador, não há fala. O espectador se torna incapaz de argumentar com os números do setor porque não ganha dinheiro com cinema (e deve perder ainda mais, a julgar pela fala do representante da Tele Image, que diz que o ingresso brasileiro hoje é muito barato em dólar - enquanto a cópia é muito cara - e que o cinema digital deve resolver esse problema...) e incapaz de argumentar com dados técnicos, porque não entende de luminância, pixelagem etc.
Aí o espectador, quando esquece (como eu esqueci) que a sala 4 do São Luiz é digital e vai assistir a um filme lá, se desespera e se sente lesado porque pagou para assistir televisão - e não sabe o que fazer. Não sei quanto a vocês, mas, para a minha retina, a tecnologia digital de exibição teria ainda que evoluir uns dez anos para poder começar a ser usada em salas de cinema.
Alexandre Werneck

28.8.04

A comissão incumbida de escolher o candidato brasileiro ao Oscar de filme estrangeiro tem um desafio pela frente: escolher ou não Olga?
Como o critério de seleção costuma ser menos estético e mais oportuno (escolhendo sempre o filme com características que sugerem ter maior chance de indicação da Academia), supõe-se de antemão o favoritismo da produção de Rita Buzar e Jayme Monjardim, com suas evidências muito apropriadas para a apreciação da comissão dessa categoria - dominada por eleitores mais velhos (e com tempo de sobra para ver os mais de 40 pré-candidatos), que costumam receber de braços abertos e lágrimas nos olhos os dramas sentimentais (ainda mais com o contexto do Holocausto, de uma mãe que perde a filha, de um amor inviabilizado pela "História"). Por outro lado, como pelo menos dois integrantes da comissão não topam os excessos de Olga, fica a interrogação: o grupo escolherá um filme que consideram fraco (ou ruim) para este representar o cinema brasileiro? Ou deixarão de lado o critério habitual para escolher outro?
Se o primeiro caso for confirmado, é questionável a necessidade de existência de uma comissão, pois o escolhido parece já ser pré-determinado. Se a segunda hipótese for seguida, então surge outra interrogação: qual será a opção? Cazuza em Hollywood?
Cléber Eduardo

26.8.04

Os leitores devem ter notado que uma série de filmes em cartaz nos cinemas nas últimas semanas não tiveram crítica publicada na revista, como por exemplo: Balzac e a Costureirinha Chinesa, Garfield - o filme, Todas as Cores do Amor, Garotas do Calendário, Minha Mãe Gosta de Mulher, Connie e Carla, Monsieur N, Mulher-Gato. Um leitor poderia pensar num primeiro momento que nenhum redator da revista teve a oportunidade/desejo de assisti-los - mas não é assim: cada um destes títulos foi visto por pelo menos um de nós. A verdade é que, nestes casos, a ausência de críticas pode ser entendida como a crítica em si.
Eduardo Valente

25.8.04

O Ministério da Cultura colocou no ar o site dedicado ao Projeto Ancinav, conforme anunciado na coletiva do Festival de Gramado. O site disponibiliza a minuta do projeto de lei que cria a Agência e a exposição de motivos que a acompanha, além de sinalizar que, em breve, publicará todos os comentários enviados para a consulta pública instituída pelo MinC.
Enquanto isso, encontra-se aqui e ali na imprensa a presença de algumas bombinhas retardadas, na ressaca do bombardeio maior. A persistência de certos formadores de opinião e políticos da oposição em apontar para uma suposta tendência autoritária do governo expressa na minuta começa a aproximar-se do ridículo: até mesmo a hipótese do surgimento de um novo "realismo socialista" foi levantada num artigo recente. Aos poucos, a falsa e apressada polêmica levantada pelos donos do poder e seus asseclas (em nome de todo o audiovisual brasileiro) vai se esvaziando para ceder lugar a um debate desprovido de terrorismo.
Fernando Veríssimo

23.8.04

(1)

O cara tá se achando malandro: escreveu um texto, citou Adorno e Benjamin, denunciou o movimento do sistema para abraçar a revolta contra ele e torná-la parte de si, analisou cinematograficamente três filmes de sucesso como sintoma de um algo a mais. Alguns não gostaram (a ver aqui nos comments), outros elogiaram (pessoalmente, orkut, etc) - que é a melhor coisa que um texto pode fazer, a meu ver. Tudo uma maravilha.
Aí sai o jornal na sexta-feira - não por acaso o jornal O Globo, do mesmo grupo da tal Rede Globo, onde trabalha Jayme Monjardim, e da Globo Filmes, que lança e promove o filme Olga. Na capa do seu "suplemento cultural" lá está Camila Morgado como Olga - até aí algo esperado - segurando um fuzil. Mas, epa, e aquela chamada principal: "OLGA S/A"??
Será ironia - pegar um ícone comunista e nomear como empresa?? Será que o sistema denuncia a mesma coisa que o escriba contracampista? Não - fala dos números mágicos envolvidos na "maior produção do cinema nacional". OK - Olga Benário virou empresa, garota-propaganda da pujança de produção global-cinematográfica. Me parece um golpe duro contra a memória de qualquer pretenso revolucionário, mas vamos suportar.
Mesmo jornal, sábado - Caderno Ela, o caderno, er..., "feminino", especializado em creminhos e em editoriais de moda. Primeira página: Camila Morgado, como Olga. Er..., olho com mais atenção, porque acho que é visão: eles estão fazendo um editorial de moda com a atriz vestindo modelitos da "militante comunista"??? É isso mesmo? Vou ler a legendinha ao lado da foto - "Trenchcoat Ellus: R$568" - e paro por aí, mais não dá.
OK, eu me rendo: o sistema é muito, MUITO maior do que eu e minha suposta malandragem denunciando seus movimentos. Ele torna tudo uma tamanha chanchada ahistórica, apolítica, de tal maneira que não há mais o que se dizer. Afinal, como ser mais contundente que estas duas matérias, que são parte dele??? Eu podia pensar nas duas coisas ("Chamemos a Olga de empresa","Vamos fazer um editorial de moda - vista-se como uma revolucionária!") como tiradas geniais para deixar nus os estratagemas absurdos - e eles vão lá e fazem a sério! O que vem a seguir - a bonequinha Olga, que você pode vestir como revolucionária ou dona de casa, e que se vc aperta a barriga diz "Eu estou grávida de Luis Carlos Prestes"? Ou a atração de parque temático com campo de concentração - quiçá a dieta Olga para emagrecer ou a moda da cabeça raspada a la judeus na Alemanha??
Pano rápido, por favor! Antes que a piada fique velha porque fizeram de verdade.

(2)

E mais triste é ver mesmo quem não quer se prestar ao jogo não conseguindo fugir: na matéria do Rio Show tem a "celebridade da semana", a filha de Olga, Anita. Que aparece a matéria inteira dizendo que não quer tirar foto pra jornal, dar entrevista ou depoimento, sair no jornal, em suma. E lá está ela: "celebridade da semana". Neguinho é muito mau mesmo.

(3)

Mas, peraí... mesmo jornal, mesmo sábado, Segundo Caderno, coluna de Arnaldo Bloch. Título: "Olga é algo" - trocadilho que o Ruy usou há mais de um mês e queria muito que fosse usado em algum lugar. O texto? Basta dizer o seguinte: aqui na Contracampo eu pediria, como editor de críticas, que o redator reescrevesse, tentando ser menos desrespeitoso com os realizadores do filme e mais atento a aspectos do mesmo. Menos desrespeitoso, vejam bem, é a parte que importa. O cara acabou com o filme de uma forma... Uau. No Globo?? O que pensar disso??
Me vêm duas coisas a cabeça: uma tentativa de se mostrar "democrático" em meio às discussões da Ancinav é a primeira coisa - mas me parece conspiratório demais. Aí vem a segunda: há dias, quando do lançamento de Querido Estranho, Daniel Filho, big boss da Globo Filmes, declarou em algum lugar que crítica boa não ajudava filme popular, que bom mesmo era crítica ruim, porque aí que a galera ia ver só de raiva do crítico.
Putz! Não imaginava que ele ia usar tão cedo a sua bem pensada tese de marketing!
É como disse uma vez o Luis Fernando Verissimo (o gaúcho, não o da Contracampo), e depois repetiu o pessoal do Casseta e Planeta: é difícil ser humorista no Brasil onde tantos exercem a profissão a sério. Ser crítico de um sistema tão auto-limpante e ensandecido também.
Eduardo Valente

18.8.04

Horário Eleitoral

Começa esta semana a transmissão da propaganda gratuita na TV para os candidatos à próxima eleição. Como sempre, todos reclamam. Não seria de se estranhar.
Só que, paradoxalmente, tem muita gente saindo de casa e pagando ingresso para ver um programa eleitoral de duas horas de um partido que disputa eleições em outro país - e ainda há quem saia achando que viu um ótimo filme. Os seres humanos são realmente muito estranhos...
Gilberto Silva Jr.

17.8.04

Não deixa de ser interessante a coincidência de acusações de stalinismo e dirigismo veiculadas pelas Organizações Globo no exato momento em que promovem o lançamento de um filme sobre uma militante soviética esvaziada como tal e tratada como boneco de museu de cera.
Ah, Adorno...
Cléber Eduardo

Imprecisões históricas

Quem acompanhou o Fantástico ontem talvez tenha percebido algumas imprecisões que vêm acompanhando toda a divulgação do filme Olga, de Jayme Monjardim. Primeira: em certo momento a reportagem informou que Olga Benário Prestes foi deportada durante o Estado Novo. Mas sua deportação aconteceu em 1936!(ou seja, um ano antes do golpe de estado). Segunda: a reportagem diz: "Olga foi deportada para morrer na câmara de gás". Só que há um detalhe: em 1936, ainda não havia câmara de gás. Ser deportada "para morrer na câmara de gás" é bem diferente do que "ser deportada para depois morrer na câmara de gás". Ou seja, uma preposição pode mudar consideravelmente a História. Mas será que, parafraseando Freud, todo lapso é gratuito?
(agradecimentos ao professor Juremir Machado da Silva)
Bolívar Torres

16.8.04

Nota feliz

Essa semana tem a sessão mais animada da cidade - o Cachaça Cinema Clube! Com uma seleção fabulosa pra comemorar dois anos de atividade: Mais Velho, do Nilson Primitivo, O Inspetor, do Arthur Omar, Senhor Pauer, do Ozualdo Candeias (inédito no Rio), e Olho por Olho, primeiro filme do Andrea Tonacci. Imperdível mesmo - local de sempre, Odeon, 21hs.
Depois a farra de comemoração dos dois anos é no Bola Preta.

Antes do Cachaça também tem programão imperdível: a sala de cinema do MAM vai exibir às 18hs30 o filme O Inimigo Principal, do Jorge Sanjinés, com presença do próprio. É uma sessão especial, em homenagem ao diretor, que veio ao Rio para a mostra De Olhos Bem Abertos (além de uma atenção maior que a Contra vai dedicar ao Sanjinés na próxima edição, essa mostra ganhou vários artigos do P.R. publicados aqui do lado).
E no dia seguinte o MAM volta à mostra Outros Cinemas Novos com Caça às Feras, do Eizo Sugawa - essa mostra está com uma programação incrível até o fim do mês, vale a pena conferir.
Daniel Caetano

Nota triste

O Cine-Buraco está fechado.
Problemas com alvará e burocracias afins. Fabrício Tadeu, o sujeito que fez aquilo lá acontecer, encerrou as atividades depois de receber uma notificação.
Coisa parecida aconteceu com as sessões na Cobal feitas pelo Cavi (em escala menor, porque só foram interrompidas as exibições - a Cavídeo continua funcionando sem problemas).
Vamos torcer pra que ambos consigam voltar logo para o circuitinho de exibições alternativas aqui do Rio de Janeiro.

Sim, foram pequenos problemas diferentes um do outro, mas fica um pouco a sensação de que, por aqui, as iniciativas que não são patrocinadas de alguma forma pelo Estado acabam sendo boicotadas por ele.
Daniel Caetano

15.8.04

Dada a seca de bons filmes pela qual o nosso circuitinho vem passando, é triste perceber que, nestas três semanas em cartaz em São Paulo, Plataforma foi exibido nos cinemas Cinearte 1, Cinearte 2 e Cineclube Directv 3. Se na semana que vem ele for deslocado do Circuito Cinearte para o cinema Espaço Unibanco 5, os exibidores vão ter conseguido fazer com que um dos poucos filmes ótimos recentes tenha passado por todas as quatro piores salas em que poderia ser exibido.
Filipe Furtado

4.8.04

Seguinte, o melhor documentário político, melhor filme americano político e o escambau da temporada não é porra de Michael Moore nenhuma: é um extra de DVD. Onde Eles Estão Agora?, que vem na reedição do DVD de O Clube Dos Cafajestes, não só é tudo isso como é possivelmente a melhor coisa que o John Landis fez (sim, o Landis tá dirigindo extra de DVD pros antigos sucessos dele) desde Inocente Mordida e o filme mais sem freio contra governo americano contemporâneo desde Eles Vivem (ah sim, é também a coisa mais próxima que teremos e veremos de uma continuação de Animal House). É muito, mas muito, mas muito incomparavelmente mais cinema que Fahrenheit 9/11 (é extra de DVD e os enquadramentos têm conceito, dramaticidade, razões espaciais e geométricas, inventividade e tudo aquilo que falta nos filmes do Michael Moore), se leva muito menos a sério que Moore, é muito mais engraçado, pungente e cara-de-pau. E como declaração artística... bom, aí é melhor nem abrir o bico.
É ver pra crer.
Bruno Andrade

2.8.04

Tiros em Bush

Ulha!!...
A discussão sobre Fahrenheit 9/11 pegou fogo nos comentários do post aí debaixo, fugindo um bocado do tópico Tarja Preta...
Enfim, eu já falei isso lá na comunidade da Contra no Orkut - meu problema com o filme não é que ele seja datado (até aí tudo bem), e sim que ele seja destinado. Destinado aos eleitores do partido democrata dos EUA, e não a mim.
Nesse aspecto, como o Ruy na sua crítica, acho que a imensa maioria aqui no Brasil concorda com o posicionamento do filme (anti-Bush e anti-guerra no Iraque). E concordo que o filme pode ser bem-sucedido no seu intento (fazer os democratas sairem de casa para votar - fator crucial onde há voto facultativo). Mas, quanto a nós outros, esse tom de concordância geral sobre o ataque a Bush e esse debate sobre manipulação me parecem tremendamente enfadonhos.
Concordando com o Valentoni (e discordando do Ruy), Tiros Em Columbine talvez tenha sido mesmo um filme muito mais cheio de problemas que este - Fahrenheit 9/11 é mais bem-resolvido em seus propósitos e propostas. Mas eram justamente esses problemas (manipulação escrachada; incerteza quanto a soluções para o problema diagnosticado) que tornavam o filme interessante - pelo menos pra mim, foi cinematograficamente bem mais forte.
E aí não temos como fugir da questão - pra quem se destina o filme? Moore pode estar inteiramente certo em fazer um panfleto cheio de ira - tomando posições sem tergiversar, sem pudor de defender o que crê. Mas, pra nós que não votamos, vem a questão: e daí? Fazemos o quê? Aplausos no final da sessão?
Neste nosso caso, a unanimidade talvez não seja burra, mas certamente é inútil.
Daniel Caetano

Entre os novos programas do Canal Brasil (onde a simples existência de novos programas no Canal Brasil já é uma boa notícia), o que tem se mostrado mais consistentemente interessante é o de Selton Mello, Tarja Preta. A entrevista com Jorge Dória, por exemplo, foi um clássico.
Pois bem, esta semana o entrevistado é ninguém menos que Jorge Loredo, nosso Zé Bonitinho, que entrevistamos também - publicada logo aqui à direita. O programa passa na quarta-feira, às 23h, com reprises em outros dias/horários a se checar na programação do Canal.
Eduardo Valente