31.10.03

Balanço da Mostra SP - III
Lost in Translation
Falando em Ming-liang, foi digna de seus filmes a coletiva que ele deu em SP. A tradutora falava um português no mínimo confuso (espera-se que o mandarim com que ela se comunicava com ele fosse um pouco melhor) e, além disso, como não tinha qualquer especialização em cinema, se via obrigada a pular ou ignorar aspectos mais específicos da linguagem deste, tanto nas perguntas quanto nas respostas. Não por acaso, a conversa começou com uma pergunta sobre o interesse do cineasta por filmes de "artes marciais", que foi prontamente respondida com uma reflexão de Ming-liang sobre o "cinema de arte". Daí para frente, reinou a incomunicabilidade. Muito adequado ao cinema do taiwanês.
(Eduardo Valente)

Balanço da Mostra SP - II
Leões de Lata
Que premiações em festivais não devem ser critérios para nada, já cansamos de falar - até porque muitas vezes são frutos de negociações em júris formados por figuras díspares (basta lembrar o constrangimento de Nanni Moretti em dar um Prêmio do Júri ao grotesco Dias de Cão para impedir que ele levasse Leão de Ouro em sua presidência de júri em Veneza). Ainda assim, há que se ter algum respeito no mínimo pelos que são chamados os três grandes festivais do mundo. Ou talvez não mais, mesmo. Se a escolha de Cannes este ano por Elefante se mostra em retrospecto cada vez mais importante e acertada (ainda que o prêmio de direção para Eastwood fosse uma intessante opção), Veneza e Berlim não param de jogar seu nome no lixo da História. O prêmio para o filme de Michael Winterbottom (Neste Mundo) em Berlim ainda tem a desculpa (esfarrapada, mas ainda assim desculpa) da atualidade do tema, da expiação de culpa das grandes nações. No entanto, os dois Leões de Ouro de Veneza em 2002 e 2003 são indesculpáveis. O filme de Peter Mullan, Em Nome de Deus, não merecia prêmio nenhum mesmo num Festival onde só ele fosse exibido, tal sua precariedade de argumentação e cinema. Agora, mais insidioso é o prêmio para o russo O Retorno, com sua embalagem fake de filme de arte a serviço de dramaturgia psicologizante de terceira e muita, muita pose. E o Leão de Prata ainda foi para No Céu do Líbano, grotesca exibição de ingenuidade disfarçada de humanismo, para aquecer os corações dos tolos. E pensar que o mesmo Festival exibiu pelo menos três obras-primas: Um Filme Falado, Adeus, Dragon Inn e Bom Dia, Noite (isso dos que já passaram no Brasil, o que não foi o caso do filme de Kitano, por exemplo). Convém começar a se ignorar seriamente os júris que, cada vez mais, servem ao mesmo lugar comum lamentável que já domina boa parte do circuito de cinemas de arte e a crítica em geral.
(Eduardo Valente)

Balanço da Mostra SP - I
Dos problemas da editoração eletrônica
No catálogo da Mostra, uma pérola: na página referente a Adeus, Dragon Inn, obra-prima (ou quase todos concordam) de Tsai Ming-liang, vinha a foto de uma simpática alemãzinha que acenava. Os que viram o filme reconheceram ali a mãe do sucesso de público da Mostra Adeus, Lenin. Não precisa ir muito longe em suposições para sacar que a solução do enigma de deslocamento se deveu ao ato de alguém salvar, em algum momento, o arquivo com a foto como adeus.jpg, ou algo assim. O assunto seria de pouco interesse, além do anedótico (e note-se que o mesmo aconteceu com as fotos de Dirt - Sujeira e Dirty Pretty Things - Coisas Belas e Sujas), se não fosse daí por diante um equívoco reproduzido ad eternum nos jornais todos de SP (Folha, Estadão, etc) quando noticiando a presença de Tsai na cidade. Aí a desinformação multiplicou-se, e mostrou o quanto uma preguiça ao digitar teclas num nome de arquivo pode hoje em dia tornar muita gente ainda mais mal informada do que já se acaba sendo.
(Eduardo Valente)

30.10.03

A Lapa está voltando a ser a Lapa?
Pois é, rolou a volta do Cachaça Cinema Clube. Sessão bacana, pessoal animado, rever o Documentário foi bem legal, e no mês que vem vai ter festa do Cachaça no Bola Preta de novo (um dos DJs convidados é editor da Contra...).
Legal, legal mesmo. Depois fui dar um pulo naquela que talvez seja no momento a melhor roda de samba do Rio, a dos Anjos da Lua (Galotti, Rubinho, Pedro Holanda, Mariana, Pedro Miranda e Sandrinho), que rola toda quarta-feira à noite no Clube dos Democráticos (rua do Riachuelo, 91). Foi ótimo o samba, sempre é bom, mas não deu pra evitar a constatação no caminho - estão matando a pau a noite da boemia a céu aberto na Lapa. Tava chuviscando, e talvez isso não tivesse ninguém bebendo e conversando na rua (ainda não tão tarde, umas onze e meia). De todo jeito, segurança na área não faltava, já que, mesmo com a garoa, tinha lá em frente aos bares da Joaquim Silva aquelas viaturas todas que a polícia começou a manter lá nos últimos tempos.
Talvez seja pra proteger os bares e seus frequentadores, coisa que não acontecia quando estavam cheios. Legal. Esqueçamos a hipótese deles terem esvaziado por conta das viaturas. De todo jeito, é admirável a bravura demonstrada por nossos governos (estadual, com a polícia, e municipal, com os guardas civis) em proteger a população desse perigo para a segurança pública: pessoas bebendo e conversando nas ruas à noite.
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Enfim... bom, cinema: hoje, quinta-feira, lá na sala de cinema da Estácio tem a estréia do Cineclube Plano Geral (confesso que achei o nome pouco criativo), feito pelo pessoal do curso de cinema e pelo pessoal da Cavídeo. Vão exibir dois documentários do Nelson Pereira dos Santos, o Meu Cumpadre Zé Ketti (que fica mais bonito a cada revisão) e o primeiro episódio de Casa Grande e Senzala (que é o episódio mais fraco - o episódio sobre os negros é muito bom e o sobre os índios é uma das melhores coisas que Nelson já fez, na opinião deste aqui). Depois tem debate com vários convidados (entre eles estará, até segunda ordem, o próprio Nelson).
Depois, pra comemorar a abertura do cineclube, tem festa Beat Acelerado lá no Cine-Buraco.
(O estranho da festa Beat Acelerado é que o repertório se centra nos anos 80, como se sabe, mas os DJs se recusam a tocar Blitz, Ultraje a Rigor e Madonna, só... falando sério, pode um negócio desses?)
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Pra fechar as dicas da semana: sexta é o dia das duas últimas sessões da mostra Cinema Brasileiro - A Vergonha de Uma Nação.
(Daniel Caetano)

27.10.03

Mostra Internacional de São Paulo - IV
- Justiça, de Evan Oppenheimer : Filme escalado para acompanhar o curta O Último Cliente, Justiça consegue fazer a sessão se esgotar nos 23 minutos filmados por Moretti. Minto: agüentei ainda uns dez minutos de filme, até me convencer de que o pedaço de música do The Clash que toca até um fade-out abandoná-la em prol... em prol de alguma coisa que preferi não esperar para ver, seria o máximo que Oppenheimer teria a me oferecer. Na segunda cena do filme aparece um ator (o protagonista) em luta contra sua péssima entrada (culpa mais do diretor, "justiça" seja feita) e contra o horrendo diálogo ao telefone que o roteirista depositou em suas mãos. Mas o pior não é constatar que o filme possui para o papel de protagonista um ator ruim: os minutos seguintes revelam-no como o ator mais talentoso do filme. E a projeção ainda era em vídeo (imagem fraquinha...). Dez minutos de tolerância - e teriam sido menos caso o bom humor ainda não estivesse garantido como estava (o filme anterior tinha sido Pequenas Feridas do Pascal Bonitzer).
(Luiz Carlos Oliveira Jr.)

26.10.03

Cachaça!
Quarta-feira, 29/10, oito e meia da noite, Odeon, 6 pratas.
Vão ser exibidos sete curtas.
O último filme da sessão é Documentário, o primeiro de Sganzerla.
(Daniel Caetano)

23.10.03

Mostra Internacional de São Paulo - III
Existe todo um clichê formado no público sobre o que seria um certo gênero chamado "cinema iraniano", no qual teríamos simplesmente uma retomada dos preceitos neorealistas, com histórias sobre a busca de pequenos objetos por criancinhas que choram muito, e onde quase nada acontece. Muito por conta de alguns filmes exibidos logo nos primeiros momentos da chegada do cinema iraniano, este estereótipo além de ser parcial (não se trataria DO cinema iraniano, mas daquele que nos chegaria), é equivocadíssimo. Estas pessoas poderiam, por exemplo, ver Em Qualquer Outro Lugar, de Mehdi Karampour, filme pós-apocalíptico, metafórico, que mistura animação à narrativa e em menos de cinco minutos já apresenta um personagem desbragadamente homossexual e um tipo de "seção espírita", tudo bem distinto do "cinema iraniano". Só que antes não fosse, porque o filme só está aqui no blog justamente por ser daqueles a se largar no meio, pela completa incapacidade do diretor de encenar um plano ou sequência que seja com alguma verdade ou interesse, e de articular estes discursos todos. Talvez vendo este, o público clamasse pela volta "daquele" cinema iraniano mítico que criou na sua cabeça...
(Eduardo Valente)

22.10.03

ROUGE
Não, não se trata do disco novo das popstars adolescentes, mas do surgimento da primeira edição da aguardada publicação online australiana editada por Adrian Martin, Helen Bandis e Grant McDonald. Textos do próprio Martin e Nicole Brenez (sobre Stan Brakhage e uma entrevista com Philipe Grandrieux sobre La Vie Nouvelle), Donald Phelps, Hou Hsiao-hsien e Serge Daney - entre outras feras.
Desde já um favorito, pode ser acessado no endereço www.rouge.com.au
(Fernando Veríssimo)

21.10.03

E viva a Ancinav!
Três coisas sobre Ancinav:
- O site Cultura e Mercado botou no ar quatro entrevistas sobre o tema (curtas e razoavelmente esclarecedoras), feitas pelo repórter Israel do Vale com Gilberto Gil, Juca Ferreira, Orlando Senna e Gustavo Dahl. O "razoavelmente" ali em cima se deve ao fato de que todos parecem concordar que o processo ainda depende de muita discussão, digamos assim.
- O que preocupa nessa ida da Ancinav pro MinC é que, ao contrário de muita gente boa, eu achava boa idéia separar os balcões entre cinema caro e cinema barato. Quer dizer, dá pra imaginar que essa separação de balcões podia trazer riscos para um lado ou para o outro, conforme pendesse cada governo - mas misturar tudo sempre foi pior (corre-se o risco de virar lei da selva, onde ganha o mais forte). E eu sigo bem receoso das consequências de termos o mesmo balcão (ou pelo menos balcões contíguos) pra quem quer fazer filmes de quatro milhões de reais, pra quem quer fazer filmes baratos e pra quem quer fazer curtas ou documentários. São projetos de portes bem diferentes e que precisam de apoios bem diferentes. Agora nos resta torcer pro pessoal da Ancinav e do MinC saber manter a sensibilidade específica pra cada caso...
- Um último comentário: a gente pode ter nossas críticas ao sonho de um cinema industrial que representa a Ancine. Mas é preciso reconhecer o valor da atitude de tornar públicos os filmes inscritos em seus concursos, deferidos e indeferidos. É uma atitude muito boa mesmo - e ainda dá à gente a chance de ver como tem projeto acontecendo por aí (não deixa de ser uma distração um tanto divertida ficar vendo todos aqueles nomes, como já comentou comigo um colega da revista). Pra fechar mantendo o alto nível do procedimento (melhorando, até), só se cada parecer sobre cada projeto também for posto à disposição, pra que sejam públicos e transparentes os critérios dos jurados - não teve um juiz que disse que a luz do sol é o melhor detergente?
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Só mais duas coisas, agora sobre a cerimônia de lançamento, lá no Planalto:
- Será que tinha filme a câmera empunhada pelo presidente Lula? Se sim, isso tem que ir logo pro laboratório! O que será que vai ser revelado?
- E talvez a ocasião não fosse conveniente, mas faltou uma coisa naquela cerimônia: já que o homenageado era Rogério Sganzerla, faltou o ministro Gil empunhar o violão e cantar a sua canção da trilha sonora de Copacabana Mon Amour - Hello Mister Sganzerlá!
Enfim, não se pode ter tudo...
(Daniel Caetano)

Mostra Internacional de São Paulo - II
Como fizemos no Rio, não custa dar aos amigos leitores algumas indicações importantes daqueles filmes dos quais estamos nos retirando no meio. Afinal, ninguém aqui vai ser leviano e escrever críticas deles, mas às vezes o leitor quer uma idéia que o ajude a escolher entre programar este ou aquele filme, e é mais honesto relatarmos isto do que ficar um silêncio na revista sobre estes filmes. O que, aliás, leva a uma outra questão: por que sair no meio de um filme? Porque ele é ruim? Não é bem o caso - O Festim do Louva Deus, por exemplo, é inacreditavelmente ruim, mas pode-se assisti-lo até o fim sem problemas, até por isso mesmo. O que é difícil de aguentar realmente, nesta época de 5 filmes por dia e muito esforço para vê-los, são os filmes medíocres. Os filmes a que ver ou não, não faz a menor a diferença, e que, em suma, só reiteram modelos, opções e idéias que o cinema (ou mesmo a TV) já repetem à exaustão. Nesta linha, dois filmes foram os responsáveis por esta saída de sala nestes primeiros 4 dias: o japonês Ser Feliz, de Kemmochi Satoki, que desde o título até sua dedicatória inicial pretensiosíssima ("Para o século XXI") já diz a que veio - filme "educativo" realizado sem nenhuma sutileza ou talento especial; e o alemão Aprendendo a Perder, de Marco Kreuzpaintner, cujo título é igualmente honesto com o sentimentalismo bobalhão que apregoa (tudo bem, falha nossa de esquecer que o cinema alemão - rarissíssimas exceções aí - morreu e não mandou notícias). Vale o destaque: no primeiro ouvia-se um razoável número de risos na platéia e na saída do segundo não faltaram lenços de papel assoados. Ou seja: não devem ser incompetentes no que desejam fazer. O que desejam fazer é que não nos interessa nem um pouco. Se interessa ao leitor, aí já é decisão dele.
(Eduardo Valente)

20.10.03

Mostra Internacional de São Paulo - I
Não adianta: uma coisa o Festival do Rio e a Mostra de SP realmente têm em comum. Suas equipes fazem um trabalho quase heróico de prospecção, nos trazem filmes importantíssimos que de outro modo não passariam aqui (que não tragam outros tantos e tragam filmes que não gostamos é mais do que normal e regra do jogo), organizam belas retorspectivas (como as que estão acontecendo em SP agora), e aí parece que jogam isso para escanteio por causa de algumas coisas deixadas de lado como "menos importantes", quando são o complemento que valoriza todo o trabalho acima descrito, o fazendo chegar da melhor maneira ao público. No Rio, como já dissemos, foi a legendagem eletrônica, acima de tudo, claramente feita às pressas e num jogo dos trinta erros. Se em SP as legendas têm estado perfeitas, o mesmo não se pode falar das salas de exibição. Em apenas dez sessões vistas no fim de semana, podemos relatar: no Cinearte 1, o som completamente estourado das caixas da tela impediam qualquer compreensão do que se falava no filme À Flor do Mar, de João César Monteiro, que era sem legenda eletrônica, só em inglês - só que metade do filme era falado em inglês, portanto inaudível. A qualidade sofrível do som do Cinearte é escondida pelas legendas há muito tempo... Na Sala UOL há um ar condicionado em som quase estéreo, imperceptível em filmes hollywoodianos ou barulhentos, mas muito mais alto do que os silêncios de João César Monteiro. Absurdo e desrespeitoso. No DirecTV 3, o público de domingo pôde ouvir a toda a obra que acontecia numa loja do prédio como se fosse dentro da sala - se estivesse infeliz com isso, podia aproveitar a inversão de rolos feita pelo projecionista no filme Silvestre. No DirecTV 2, a instalação de equipamento de projeção em vídeo (avisar os filmes que são em vídeo também seria legal) foi genial - exceto que o cara programou a tela pra widescreen (acho que feliz por ocupar um telão de cinema), sendo que a imensa maioria do que projeta-se não é neste formato, resultando nas famosas "caras de batata". E, finalmente, cereja no topo, o DirecTV 1 (que se não bastasse ter a absurda porta de entrada embaixo da tela, como na sala 3) está sem ar condicionado em plena Mostra (a manutenção precisava ser AGORA??), levando até mesmo à troca de sessões devido a justíssimos protestos de produtores de filmes presentes. Está uma sauna insuportável. Isso sem falar nos atrasos constantes no Arteplex. Ainda não fui no Unibanco 1 nem no CineSESC, ou nas outras salas da Mostra, mas já estou ficando com medo desde já... (sem falar na Cinemateca e CCSP, cujos problemas conhecemos de outros carnavais...)
(Eduardo Valente)

15.10.03

Coisa Nova na TV!
Cidade dos Homens está de volta, e o episódio Sábado, dirigido pelo Fernando Meirelles e exibido nessa terça, conseguiu fazer um raro movimento de aproximação com a atmosfera e o imaginário de um grupo de jovens, através de gestos microscópicos, clichês de linguagem oral e finos comentários sobre o poder do tráfico de drogas através das situações mais banais de um simples baile funk (muito longe daquele tatibitati sensacionalista do CDD ou das "espertezas" e truques narrativos da primeira temporada da CDH...). Na coluna Contra-Regra (Seção TV) dessa semana, escrevo sobre minhas impressões sobre o episódio. Dêem um click por lá, espero comentários...Entra no ar quinta-feira.
(Felipe Bragança)

14.10.03

"Começou bem cedo aquela chuva...".
Tivemos Paulinho da Viola na Lapa. O que poderia ter de melhor pra começar a semana?
Não tem chuva que possa estragar, nem bateria de escola de samba, nem propaganda boba. Esperando o sol que não apareceu, começou bem cedo aquela chuva, mas quem estava se importando? Foi bom pacas!
E ainda rolou "Amor à Natureza"!

Uma semente atirada num solo tão fértil não pode morrer
É sempre uma nova esperança que a gente alimenta de sobreviver
É sempre uma nova esperança que a gente alimenta de sobreviver


(Daniel Caetano)

Em premiações de festivais de cinema sempre surgem questões. O melhor filme também não é o melhor dirigido? A direção não é responsável, da primeira à última instância, por todos os planos de um filme? Por que diacho então, em todos os festivais do planeta, existem as duas categorias e, também quase sempre, o premiado em uma não coincide com a outra?
Resposta fácil: a divisão de um único prêmio em dois, melhor filme e melhor direção, é apenas um mecanismo para se distribuir estatuetas entre número maior de obras. Mas diante de alguns resultados a distribuição soa bizarra. Vejamos no caso da premiação da Première Brasil no Festival do Rio 2003. A Margem da Imagem, de Evaldo Mocarzel, ganhou como documentário. Narradores de Javé, de Eliane Café, ganhou como ficção. O prêmio de direção, porém, que era um só, independentemente do filme ser ficção ou documentário, foi para Fala Tu, de Guilherme Coelho, que, na categoria de obras documentais, perdeu para A Margem da Imagem. Então vejamos se entendi. A Margem da Imagem ganhou como melhor documentário, apesar da direção. E Fala Tu levou como melhor direção, apesar do documentário.
Só mesmo com bula que se pode entender esses critérios.
(Cléber Eduardo)

13.10.03

Bizarra experiência de deslocamento: no cinema para ver um filminho no fim de semana, me surge pela frente, em meio aos trailers, o rosto de José Wilker em plena Croisette, em Cannes, com o logo do Telecine no alto. Depois de alguns segundos de estranhamento, a compreensão: trata-se do "trailer" de As Invasões Bárbaras. A Art Filmes, num arroubo de criatividade ímpar, resolveu kinescopar (passar de imagem de vídeo para cinema) um trecho do programa Cineview em que Wilker falava sobre e elogiava o filme. Como se não houvesse suficiente número de telespectadores a assistir o que a TV transmite, ela agora retransmite no cinema. Sintoma radical de submissão de meios, se a moda pegar podemos pelo menos começar a assistir a NET sem pagar seu abusivo preço de mensalidade. E, ironia maior: o presidente da Riofilme como garoto-propaganda da concorrência. É um mundo muito estranho.
(Eduardo Valente)

11.10.03

La Ciénaga de graça na Rui Barbosa
Uma boa pra esta segunda-feira, dia 13: às 18:00hs vai estar sendo apresentado na Casa de Rui Barbosa o filme La Ciénaga, da Lucrecia Martel. Esse filme já foi exibido no Festival do Rio de dois anos atrás e é bem bacana - vale a pena ir, com certeza. É seguido de debate e tem entrada franca.
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A semana promete: não custa lembrar que já no dia seguinte, terça-feira, começa a mostra Cinema Brasileiro - A Vergonha de uma Nação, promovida pelo Cineclube Diablo lá no IAB.
(Daniel Caetano)

9.10.03

Alguns leitores fiéis fizeram comentários numa nota de dias atrás que acho que merecem mais espaço aqui, para conversarmos. A pergunta, sobre re-avaliação de um filme, é muito boa. Meu amigo Kléber Mendonça (com pelo menos umas cinco coberturas de festivais de Cannes a mais do que eu) sempre dizia que toda opinião emitida num Festival como Cannes precisa ser revista depois, porque além de vc ver uma média de cinco filmes por dia, correr de uma sala pra outra e pra escrever na sala de imprensa, comer mal, ver filmes morto de cansado, etc, ainda está vendo todos aqueles filmes nas primeiras exibições deles no mundo, portanto emitindo valores com enorme pressa sobre algo que não há qualquer valor emitido ainda. Por isso, sobre vários filmes lá eu disse que precisava voltar mais tarde, mas isso é verdade sobre quase todos. (Só como exemplo: Demonlover, no Festival do Rio, eu voltei para rever dias depois de ter visto pela primeira vez) Nessas revisões, alguns filmes crescem, outros caem, outros se mantêm. Exemplos de cada um deles? Shara, que achei belo filme em Cannes, revelou-se obra prima na revisão no Rio. Demonlover mantém a força além da surpresa. E Dogville cai, por vários motivos: primeiro porque sua estrutura voltada para o choque, uma vez passado este, revela-se dramaturgicamente mais precária. Segundo, porque em Cannes, em plena guerra do Iraque, e cercado por jornalistas americanos, o filme tinha uma força completamente diferente. E terceiro, porque agora há outras opiniões a serem ouvidas, o que eu fiz nestes meses. E, ao contrário do que se diz, ouvir opiniões alheias não é falta de personalidade, é no mínimo inteligência e humildade. Assim, reconheço falhas que considero sérias no filme, mas ainda dou muito valor ao impacto que ele causou em mim e no Festival em maio. Daí que passo sua avaliação de um **** para um *** (ainda assim, avaliação que dou a poucos filmes). Quanto a não ter escrito sobre o filme, fiz um texto longo na Contracampo do mês seguinte a Cannes sobre os temas abordados no filme. Fora isso, cobrir mais de 100 filmes num Festival, como fizemos aqui no Rio, requer muita coordenação e divisão de tarefas, e Dogville era um filme que tinha gente disposta a escrever sobre, com argumentos fortíssimos, como o Daniel e o Ruy (não era o caso de vários outros filmes, que por isso assumi). Adoro os dois textos, vejo validade nos argumentos de ambos, e não creio que tenha muito a dizer que ele não tenham dito. Essa é uma das belezas de, como diz nosso editorial, "pensar junto".
(Eduardo Valente)

6.10.03

REPESCAGEM

Para quem não sabe, a repescagem do Festival do Rio começa na sexta-feira desta semana e vai até a quinta-feira seguinte, sempre no Odeon. Agora é esperar para saber quem serão os escolhidos a serem exibidos novamente.
(Juliana Fausto)

Festival do Rio 2003 (IV)
Virou até notícia de jornal: a legendagem eletrônica do Festival do Rio tanto fez que conseguiu virar estrela no dia da sessão mais esperada do Festival, atrasando em 40 minutos o início de Dogville, tornando o filme uma maratona de filme só que acabou para lá de três e meia da madrugada. Mas, justiça seja feita: as legendas eletrônicas estão brilhando há muito mais tempo. Já conseguiram cancelar sessões, causar paralisações e muitos e muitos gritos de horror nas salas de cinema. Isso para falar nos eventos traumáticos, mas parece igualmente triste o cotidiano de equívocos comuns: erros grosseiros de português, de tradução (quando entendemos a língua original ficam óbvios) e a constante "ejaculação precoce" dos lançadores, que colocam os diálogos antes de serem ditos, entregando a cena seguinte e quebrando qualquer expectativa. As legendas eletrônicas atrapalham mais do que ajudam ao tornar desnecessariamente tensa a experiência de ver o filme e ao cometerem o pecado maior: tirar do filme a atenção do espectador. Legenda é como juiz no futebol: se você repara que ela está ali, tem algo de errado. Bem entendido: fruto do trabalho de uma série de humanos que é, erros eventuais no processo seriam entendidos. Só que no Festival do Rio eles não são eventuais, ao contrário: são a maior constância que tivemos. Cinéfilos ficam felizes de ver filmes nas salas 2 e 3 do Estação, sem legendas eletrônicas, ou até mesmo de ver filmes que vão estrear só porque pelo menos neles as legendas estão (em sua maioria) certas. Um último adendo: não, não precisa ser assim. No recente Festival de Cannes vi vários filmes com legendas eletrônicas e não consigo lembrar de um só incidente com estas. Nenhum. Não perceber a seriedade e urgência deste problema seria achar que a exibição do filme para o espectador é apenas um detalhe num festival de cinema.
(Eduardo Valente)

5.10.03

VINCENT GALLO

Ele é gatinho e ele NÃO vem. Da assessoria do Festival, quando perguntada pelo paradeiro do mocinho:

"- Ele tá aí?"

Ai, ai.
(Juliana Fausto - fãzinha)

3.10.03

Cineclubes - no Rio e em São Carlos!
Vamos lá - a gente aqui, bem no meio do festival, e chegam notícias de dois cineclubes rolando por aí que não dá pra deixar de contar. Vamos a eles:
O Cineclube Digital começou suas atividades em São Carlos há pouco tempo e, como o nome sugere, a exibição dos filmes é em digital (com som dolby). É iniciativa do pessoal da escola de Imagem e Som da UFSCar e vai se dedicar a exibir filmes brasileiros da 'retomada' no mês de outubro - vão exibir Um Céu de Estrelas, O Baile Perfumado, Amores Possíveis e Houve uma Vez Dois Verões. O CineDigital fica na Rua Domingos Faro 1201, em São Carlos, e mais informações podem ser vistas na página na internet.
Confesso ainda achar surpreendente que essa febre de cineclubes esteja rolando em outros cantos país afora, não somente no Rio e em Sampa - e certamente isso é muito bacana. Boa sorte pra turma aí.
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Enquanto isso, no Rio de Janeiro...
Enquanto isso, Remier Lion apronta uma das boas por aqui. Criou no Instituto de Arquitetos do Brasil o Cineclube Diablo (Só Filmes From Hell, diz a filipeta de propaganda...). Começa agora em outubro, sempre às terças e sextas, o ciclo Cinema Brasileiro - A Vergonha de Uma Nação (é preciso dizer mais o que, diante de tal título?) - em que vai exibir algumas produções feitas pelo pessoal do "lendário" Beco da Fome (a versão carioca e mais sem-grana da Boca do Lixo, é o que se costuma dizer). Pra gente que é aqui do Rio, essa é imperdível! Como não tem página na internet (dá um jeito nisso, Remier!), é melhor passar aqui toda a programação:
- Terça-feira, 14/10 - 18:30 - O Quinto Poder (do Alberto Pieralisi); 20:30 - O Matador Profissional (do Jece Valadão)
- Sexta-feira, 17/10 - 18:30 - Nas Ondas do Surf (do Livio Bruni) ; 20:30 - O Banquete das Taras
- Terça-feira, 21/10 - 18:30 - Sexo e Sangue ; 20:30 - Emanuelo, o Belo (do Nilo Machado)
- Sexta-feira, 24/10 - 18:30 - Os Traficantes do Crime; 20:30 - Punk's, os Filhos da Noite
- Terça-feira, 28/10 - 18:30 - Com a Cama na Cabeça; 20:30 - As Eróticas Profissionais (os dois filmes do dia são dirigidos pelo Mozael Silveira)
- Sexta-feira, 31/10 - 18:30 - Oh, Que Delícia de Patrão (do Pieralisi); 20:30 - Com as Calças Na Mão (do Carlo Mossy)
Repito: imperdível. O IAB fica na Glória, na Rua do Pinheiro, 10.
(Daniel Caetano)

1.10.03

Festival do Rio 2003 (III): "Merece ser exibido apenas num mictório infecto..."
Essa frase constante do filme O Signo do Caos de Rogério Sganzerla, com o inepto personagem Dr. Amnésio referindo-se aos copiões de It's All True, inacabado filme de Orson Welles, encontrou acolhida telepática na Retrospectiva que o próprio Festival do Rio dedica ao realizador de Cidadão Kane. Menos pelas simpáticas instalações que o Centro Cultural da Justiça Federal do que pelo cuidado que vem sendo tomado com as exibições dos filmes. Regra geral é que os legendadores não conseguem se encontrar nas legendas que lhes são dadas - os organizadores da mostra pareciam desconhecer que os filmes de Welles têm diversas versões diferentes. Deram para os tradutores versões diferentes das apresentadas nas - via de regra, excelentes - cópias que estão sendo exibidas no frágil projetor instalado na sala do CCJF. O pior caso foi o de Mr. Arkadin: com 15 minutos de sessão, a falta de um posicionamento da produção diante do ocorrido ocasionou o precipitado e equivocado cancelamento da sessão (bastava devolver os ingressos a quem não quisesse assistir ao filme exibido sem legendas e continuar a projeção) e desprogramação das duas sessões seguintes que o filme teria - uma das desculpas oficiais ouvidas ao fim da sessão, de que a cópia estaria em frangalhos, é mentira das brabas. Ainda há tempo de a organização do Festival mostrar zelo e amor ao cinema e corrigir este erro terrível. Caso não aconteça, o Festival do Rio 2003 só vai acrescentar mais uma página terrível ao já espesso relatório de deformações e desrespeito à obra de um dos mais importantes realizadores da história do cinema.
(Ruy Gardnier)