27.6.03

Quando a gente começa a conhecer a história do cinema brasileiro, a gente ouve falar que o Khouri foi o cineasta do topo da pirâmide. Desde criança se fica sabendo que ele foi, durante um certo período, o representante do ideal que alguns tinham do "cinema de arte" e que, por conta disso, se tornou oposto ao grupo cinemanovista - por disposição de ambas as partes, mas não de forma definitiva (Khouri foi produtor de Pindorama, do Jabor, e O Anjo Mau, do Roberto Santos). Seus filmes versavam sempre sobre personagens urbanos que representariam mais o ego do seu autor do que os anseios sociais do povo, num olhar esquemático (e algo burro, por separar indivíduo e sociedade). Quando este olhar se tornou dominante, nossa pobreza e nosso recalque jogaram Khouri numa encruzilhada difícil, uma marginalidade pelo topo - mesmo os que, de certa forma, se opuseram posteriormente aos cinemanovistas não se reconciliaram com a tradição de onde vinha Khouri.
A relação que seus filmes passaram a ter de forma cada vez mais intensa com desejos (não exatamente políticos) dos espectadores incomodava certos pudores, sua pretensão a uma certa qualidade artística ainda ressurgia e passara a ser vista como algo demodé, desagradável - ainda que aparecesse de forma cada vez mais debochada. E ainda que suas idéias fílmicas continuassem boas, que seus filmes sempre tivessem coisas interessantes, mesmo que sua carpintaria tenha vez por outra tenha se acomodado, sem saber retrabalhar, com a precariedade técnica (sobretudo na direção de atores, que antes era traço marcante).
Khouri não é unanimidade na Contracampo. Um dos editores, o Ruy, assumidamente não gosta, mas o João Mors defendeu As Feras (com negrito) e eu já escrevi sobre As Amorosas por aí - sempre tive uma impressão muito forte desse filme, até tinha citado ele no post aí embaixo que comenta a mostra sobre o Paulo José (que fala um pouco de As Amorosas na entrevista publicada).
Mas o que acontece é que ele fez mais de vinte filmes (26, no total), e isso não é moleza. Fazer um filme em Terra Brasilis não é fácil, fazer mais de vinte é coisa de craque, de gente de cinema. Ainda mais se entre estes vinte tiver coisas incríveis como Noite Vazia e As Amorosas.
(Daniel Caetano)

23.6.03

Muito maneira a mini-mostra em homenagem ao Paulo José que o CCBB do Rio tá fazendo - há filmes que indicam bem o alto nível do homenageado, como Todas as Mulheres do Mundo (que vai ser exibido na terça, dia de abertura, seguido de conversa com Paulo) e os filmes de Joaquim Pedro, Macunaíma e O Padre e a Moça (a esse já dedicamos uma edição inteira). Bacana também a exibição de Cassy Jones, um filme meio bizarro do Person. Mas, pra completar um quadro que fizesse justiça à carreira do Paulo José, valeria a pena catar mais umas coisas como o filme do Domingos seguinte a Todas as Mulheres..., Edu Coração de Ouro, e mais As Amorosas, A Vida Provisória, O Homem Nu do Roberto Santos e o primeiro do Babenco, O Rei da Noite. Ele tem na carreira a participação em mais dezenas de filmes, inclusive televisão, mas só isso já daria para mostrar como o Paulo José é um ator sensacional, dos maiores do mundo.
Muito bacana também foi essa mostra dedicada ao Fernando Coni Campos no Cinesul, que ainda deve render frutos por aqui (e por aí afora). Agora, por mais que seja genial que o Espaço dos Correios abra sua sala de cinema para este tipo de evento, valia sugerir aos responsáveis cobrar ingresso simbólico na entrada - ninguém aqui gosta de gastar dinheiro, mas cobrar cinqüenta centavos vai afugentar da sala quem não tem interesse pelo filme. Cara, ver filme em sala que a turma entra pra farrear é fogo! E imaginem se o filme for o (fabuloso) Viagem ao Fim do Mundo?...
Com relação à trilha sonora desse filme (toda tirada do primeiro disco do xará Veloso), tive uma longa discussão com o editor Ruygard acerca do nome de uma canção (a oração-canção em latim), que eu pensava se chamar "Anunciação". (Abre-se o parênteses para contar: as discussões sobre o repertório dos discos de Caetano Veloso nos encontros da revista costumam levar ao desespero o outro editor). Pois bem, descobri que o CD vendido pela Polygram inverteu a ordem das músicas - passando ainda informação errada, porque no encarte o nome vinha na ordem original. É mole?... Pô, por conta disso eu perdi cinco chopes numa aposta - tem que processar esses caras!
(Daniel Caetano)

18.6.03

Algumas novidades pra quem é de Sampa:
Pra começar, o CineSesc está com uma programação e tanto - teremos este mês em cartaz O Filho dos Dardenne e A Inglesa e o Duque do Rohmer. No próximo mês serão apresentados, além de O Filho, os outros dois filmes dos Dardenne, Rosetta e A Promessa. Ainda em julho há coisas como A Comédia de Deus, o Carrossel da Esperança de Tati e um legítimo Nicholas Ray, Cinzas que Queimam. O CineSesc promete ainda até o final do ano uma porção de coisas bacanas - como uma mostra Rosselini, por exemplo. É de matar de inveja por não ter no Rio um Sesc no nível do de São Paulo...
Além disso, pegando o metrô até Vergueiro, o Centro Cultural São Paulo vai fazer uma mostra com os filmes de Julio Medem e mais curta-metragens espanhóis recentes - ainda em junho também haverá a mostra já tradicional de curtas paulistanos, que sempre vale uma conferida. Sobre Medem, vale notar que seus dois últimos filmes são figurinhas fáceis - foram lançados em cinema e em vídeo (Lucia e o Sexo já até ganhou um texto publicado na sessão de DVD/VHS da edição 47 da Contra, escrito por mim no formato algo inusitado de ficciocrítica) - mas bem que podiam trazer para o Rio pelo menos os primeiro filmes, Vacas e Terra, que nunca passaram por estas bandas. Sorte de quem estiver em San Pablo.
(Daniel Caetano)

16.6.03

Para quem quiser ver, o trailer do novo filme de Takeshi Kitano, Zatoichi, está online; Zatoichi, um massagista-jogador-lutador cego, foi vivido por Shintaro Katsu em pelo menos uma dezena de longas entre os anos sessenta e setenta. Como já era de se esperar, além de dirigir, Kitano também encarna o papel principal.
(Juliana Fausto)

Três links bacanas pra se passar. O primeiro é prata da casa - há um artigo do Cléber na Época sobre Festivais Universitários bastante bacana (pode ser preciso entrar na homepage da revista para abrir o artigo).
O segundo texto que merece uma conferida está na concorrência. Há no Críticos.com.br um artigo de Eduardo Escorel sobre o eterno problema comércio versus cultura. O tema não é dos mais palatáveis, mas a discussão é recorrente e necessária - e dizer que o texto é muito bom é chover no molhado. Vale a leitura atenta, certamente.
Leitura mais amena será a da entrevista de Hugo Carvana disponível no site do seu novo filme, Apolônio Brasil - Campeão da Alegria. Divertida e simpática, no entanto a entrevista merecia uma revisãozinha mais rigorosa. Lá o Câncer de Glauber é chamado de Dancing, sabe-se lá por que cargas d'água, e nosso querido Andrea Tonacci vira André Donatti. Fora as distrações da transcrição, a entrevista traz ainda algumas... surpresas, digamos. Com seu coração de ouro, Carvana conta histórias... originais. Não apenas pela visão de Ruy Guerra como um líder do grupo cinemanovista (uma visão... inovadora, digamos) como também pela convicção de que Joaquim Pedro foi, dos diretores do cinema novo, um dos menos interessados em dirigir atores - vale notar que aqui mesmo na Contra já publicamos entrevistas de Paulo José, Helena Ignez (nas edições 38 e 42) e Mário Lago com visões opostas, mas vale notar também que Carvana trabalhou em filmes posteriores. Curiosa, de todo modo, é a comparação entre Joaquim e os demais, em que este teria menos interesse em dirigir seus atores que, por exemplo, Arnaldo Jabor e Carlos Diegues - uma opinião... surpreendente, digamos. De todo modo, vale a lida, com certeza. E esperemos que Apolônio Brasil tenha a força de seus primeiros filmes - Vai Trabalhar Vagabundo, Se Segura Malandro e Bar Esperança, todos eles emocionantes e fabulosos.
(Daniel Caetano)

12.6.03

O assunto talvez não seja adequado a uma revista de cinema, mas como o Daniel introduziu aqui neste espaço, duas vezes na última semana, referências a questões religiosas (ou seja, de times de futebol), cabe a observação, sendo esta uma casa multipartidária (ainda por cima editada por dois vascaínos, o que certamente explica alguns xingamentos eventuais quanto à uma possível arrogância): o brasileiro precisa aprender a dar mais valor a um vice campeonato. Sendo vascaíno, eu digo de cadeira: parabéns, Daniel, vocês merecerem a glória de ser vice conquistada ontem no Mineirão. E como em SP não tem Cachaça Cinema Clube, foi o programa da noite na TV, fácil, fácil. Mas, eu ouvi dizer que o Cachaça ia ser épico. Confirmas?
(Eduardo Valente)

11.6.03

A No Mínimo (que recentemente completou um ano de existência) tem uma sessão de fotos bacana chamada Ensaio. Pois bem, vale a pena dar uma olhada na série de fotos que está no ar, nem que seja a princípio por curiosidade: o fotógrafo é o sujeito que cuidou das imagens de Vidas Secas e Terra em Transe, o doutor Luiz Carlos Barreto. As fotos são todas das décadas de 50 e 60 - e são bonitas mesmo.
(Daniel Caetano)

9.6.03

Boas e más notícias: a boa é que teremos uma nova edição do Cachaça Cinema Clube no Odeon-BR, com uma sessão histórica em que serão apresentados diversos curtas que marcaram a história do Festival Universitário - filmes incríveis, entre eles o Palhaço Xupeta de Carlos Sanches e André Sampaio e o Juvenília de Paulo Sacramento.
A má notícia, realmente péssima, é que esta sessão fabulosa vai acontecer nesta quarta-feira, dia onze de junho, às 20Hs30, e deve se estender até umas dez e meia - concorrendo, portanto, com o jogo do Mengo na final da Copa do Brasil. Pô, como é que os organizadores de ambos os eventos deixaram isso acontecer?!... Espera-se, pelo menos, que os filmes figurinha-fácil fiquem pro final da sessão...
(Daniel Caetano)

7.6.03

Lolitas para as multidões! No dia em que o Flamengo joga a primeira partida final da Copa do Brasil com o Cruzeiro, o Globo e a Folha de São Paulo distribuem país afora 1,1 milhão de exemplares do livro - pode-se imaginar a multidão rubro-negra em peso, antes da partida final, divertindo-se com o livro do russo caçador de borboletas. É uma tiragem recorde no Brasil, nos informa a Folha.
Não encontrei o link, mas é muito bom o curto texto do Veríssimo (o gaúcho, não o contracampista) que o Globo publicou esses dias - fazendo um paralelo entre a relação do professor de literatura européia Humbert Humbert com a ninfeta Dolores Haze e a relação entre o mundo aristocrático de onde vem Nabokov e o mundo que ele encontrou nos EUA.
Agora, sobre a comparação com Dostoiévski feita no caderno Idéias, sem dúvida interessante, vale acrescentar ainda que, na verdade, o autor mais citado em Lolita é Edgar Allan Poe, a começar pelo personagem da primeira namorada de Humbert, Annabel Lee - nome de um poema de Poe. Além do personagem Annabel, Poe é citado mais de vinte outros trechos, segundo Alfred Appel no seu "The Annotated Lolita" - um estudo fabuloso sobre o livro de Nabokov, publicado em inglês pela editora McGraw-Hill. Coletando mais de trezentas notas acerca do livro, Appel nos aponta todos os instantes da narrativa em que há referências (quase sempre irônicas) a Poe e outros escritores - Mallarmé, Shakespeare, Joyce, Lewis Carrol... A comparação com Dostoiévski é original mas faz sentido, já que Nabokov era professor de literatura e devia conhecer bem o caso do seu compatriota.
Para não fugir demais do assunto cinema, resta notar que nenhuma das versões soube dar conta da força do livro - ainda que a de Kubrick tenha várias qualidades. Possivelmente porque qualquer um pode imaginar uma estória em que um coroa seduz uma garota de doze anos, mas filmar isso com gente de carne e osso são outros quinhentos.
(Daniel Caetano)