25.3.03

Não é uma boa fazer confusão: Michael Moore pode ser vaidoso, mas é um dos poucos americanos com coragem de admitir para si e para o mundo que está sendo governado por bandidos. Essa foi a grande diferença do seu pronunciamento (e do de Almodóvar) para os demais: ele não apenas disse que deseja a paz (como Bush também faz em seus discursos), ele acusou o governo americano de agir ilegalmente.
E há uma outra confusão: a principal acusação que se faz ao governo americano não é a de silenciar opositores internos, mas sim de atirar bombas num país desprotegido, arriscando a vida de civis, ao arrepio das decisões do organismo internacional responsável, a ONU. O problema não é a falta de oposição (esse problema existe no Iraque), mas a falta de respeito pela ONU. Adianta o que responder "E Michael Moore?" diante disso? No momento em que um governo ilegítimo bombardeia um país distante, reclamar da vaidade de Michael Moore beira o despropósito - ele estava errado?... De toda maneira, o silêncio de todas as outras figuras conhecidas me é bem mais incômodo.
Para seguir o debate, vale a pena ler a entrevista de Moore após a premiação.
(Daniel Caetano)

24.3.03

Está provado: a democracia é a camuflagem suprema da parte obscura do capitalismo! Graças ao showzinho de Michael Moore no Oscar, os Estados Unidos são novamente um país democrático. Agora, quando perguntarem sobre o corporativismo da imprensa e o monopólio da informação, Murdoch, a Fox, os falcões e suas revistas cachorrinho já poderiam responder : “E o Michael Moore???...” (assim como o diabólico Rupert se defende respondendo : “E os Simpsons?!”). É isso aí : toda festinha bagaceira precisa do seu pó-de-arroz profissional, de preferência disposto a fazer o papel de palhaço que lhe armaram.
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O que mais me incomoda em Michael Moore não é a contestação em si, que é muito bacana, e sim essa sua vaidade incontornável. A presença constante do autor num documentário funciona, como já provaram Coutinho e Marcel Ophuls, quando é questão de transparência ou meta-cinema – o questionamento sobre o próprio “fazer documentário”. Nesses casos, a figura do pesquisador, ou seja, o investigador documentarista, é um assunto em si; já em Moore o uso da sua figura onipresente está mais para a auto-promoção. Para vender seus livros nos seus filmes e vice-versa, nada melhor mesmo do que explorar essa marca inconfundível do grande super-herói dos direitos humanos. Sinceramente, depois do showzinho de ontem, Moore está mais é para o Pedro de Lara dos direitos humanos.
(Bolívar Torres)

E Martin Scorsese escapou do risco de se juntar a Costner, Gibson, Redford, Mendes e Stone, continuando na companhia de Welles, Hitchcock e Chaplin. UFA! Nada deve dar mais alegria a um realizador do que ver seu filme compreendido: o Oscar certamente entendeu Gangues de Nova York, e viu que ali não estava algo a ser premiado tamanha a sua subversão. Melhor que o prêmio fique com o nosso estuprador de menininhas favorito (sem ironias), que afinal (segundo standards acadêmicos) é pelo menos um judeu. "O Holocausto deles é melhor do que o nosso", pensam os americanos. Estranho só mesmo o Michael Moore ganhar de um documentário sobre o Holocausto... (Eduardo Valente)

21.3.03

Enquanto a mais nova guerra do Tio Sam cai na banalidade com uma velocidade estonteante (uma estranha sensação de 'déjà vu' que já não dá lugar à surpresa, talvez nem à indignação), me vêm à mente algumas reflexões sobre características hollywoodianas dos vilões de serviço. Após a imaginação digna de um filme de Bruce Willis da turma do Ben Laden, temos direito a um Saddam camaleônico, com seus sósias infinitos. A ficção será sempre menor que a realidade...
(Carim Azeddine)

Ocasião rara é a entrevista de um cineasta como Fernando Meirelles para uma colega de talento como Tata Amaral (ambos, aliás, estão na Contracampo deste mês, respondendo questionários), sobre a manufatura de um filme como Cidade de Deus. Não deixemos de ler, então. Só está disponível para os assinantes do provedor do site.
(Eduardo Valente)

20.3.03

Som e Silêncio. As duas imagens-ícones do início do Golpe de Estado norte-americano no Iraque somam-se como o retrato peturbador da onipotência: Na primeira, a imagem de uma Bagdá tranquila e vasta (com sinais de trânsito mudando do verde ao vermelho e poucos carros cruzando as ruas) é chacoalhada pelo som das sirenes de alarme... Nada parece acontecer. De repente um estrondo, um grande estrondo em off sobre a imagem plácida de um amanhecer comum: e o céu da cidade se transforma num estourar de estrelas. Na segunda, o inverso, os lábios silenciosos e comprimidos de G.W. Bush, flagrado ao ensaiar em sussurros as palavras de seu pronunciamento; do canto do quadro surge uma mão feminina com laquê e um pequeno pente, e começa a ajeitar seus cabelos: os olhos fixos, os lábios rápidos, as mãos femininas alisando o grisalho do cabelo - nenhum som - Bush tenta segurar um sorriso, refaz sua contenção. Os estondros continuam na imagem desértica de Bagdá. O grito das sirenes, o silêncio sussurrado e inatingível de Bush se aprontando para o espetáculo. A antologia do terror ganha mais um capítulo de suas imagens. Bush começa a falar.
(Felipe Bragança)

19.3.03

A presença em certos coquetéis de divulgação das ações culturais de grandes empresas estatais sempre nos traz algumas impressões soltas... Mesmo que os coquetéis e sua divulgação às vezes custem mais do que os projetos apoiados, talvez isso não seja coisa a se recriminar. Afinal, os coquetéis podem ser divididos por vencedores e pelo resto da turma... Talvez os coquetéis representem o gasto com cultura mais democrático dessas nossas empresas, atualmente - talvez até haja na classe quem se alimente decentemente apenas em dia que tem coquetel... Enfim... Ontem, num desses mais bem-produzidos coquetéis (observa-se pela figuração...), Joel Pizzini, vendo-se rodeado por taças de champagne e canapés saborosos, virou-se para Nelson Pereira dos Santos e soltou a boutade: "- Precisamos publicar o Manifesto da Estética da Fome Zero!". Aí parou, pensou e completou: "Agora a gente só precisa saber que negócio é esse...". Pois é.
(Daniel Caetano)

17.3.03

Tradicional publicação sobre cinema, a sueca Filmhäftet mudou de nome e ganhou um web site da melhor qualidade - a Film International (em inglês). Nesta nova fase, a revista pretende reunir o trabalho acadêmico de ponta com uma seleção de jornalistas e críticos de todo o mundo. No site, é possível encontrar os textos integrais das edições impressas e muito mais. Altamente recomendado.
(Fernando Veríssimo)

13.3.03

Sobre o filme como estrutura, e sua comparação com a obra original e o filme anterior sobre o mesmo livro, teremos em breve um texto nas Críticas da Contracampo. No entanto, o que há de mais interessante em O Americano Tranquilo é a dobradinha que faz com Gangues de Nova York. Ambos lançados pela mesma Miramax mega-poderosa em termos de Oscar (portanto, atualmente, mais mainstream não há), possuem os trinta minutos finais mais impressionantes nos cinemas atualmente (não por acaso penaram até serem lançados). Das Torres Gêmeas de Scorsese já tratamos e trataremos muito mais ainda no futuro, mas vale o registro: no final do filme de Philip Noyce, nosso protagonista resolve deixar o americano do título ser morto após este explanar suas ideias sobre o papel intervencionista americano, numa das cenas de diálogo mais sutis e absolutamente diretas ao mesmo tempo (e ele ainda fica com a mulher do cara morto). Em tempos de George W. Bush, fica reforçada a máxima de que a arte livre consegue arrumar meios de florescer até nas piores ditaduras.
(Eduardo Valente)

11.3.03

Vendo As Horas, percebe-se claramente que Stephen Daldry acredita no cinema "de arte" como uma sucessão contínua de "artezinhas" que, por acumulação, dariam uma artezona. Empedernido que só, o filme acha que basta colocar uma trilha sonora culta, atrizes de renome fazendo caras e bocas, fotografia bonita, temas densos e profundos e uma narrativa lenta para transformar um apinhado de película em arte. Se Stephen Daldry crê no acavalamento de talentos mais do que em um projeto de filme que faça partilhar talentos a princípio dessincronizados (e é como eles estão no filme), utilizemos o procedimento oposto, a fragmentação (antes disso duas notas: a) os únicos momentos bons do filme são a relação entre Virginia-Kidman e sua sobrinha, aparentemente a única pessoa que faz a ponte entre os artistas entediados e as "pessoas normais", e a única parte do filme que trata da contaminação artística; b) mais e mais, todos que contracenam com Meryl Streep se apresentam ridículos em suas caras e bocas tentando manter o pique da companheira):
Meryl Streep ***
Juliane Moore ***
Nicole Kidman **
Toni Collette **
Philip Glass *
Stephen Daldry 0 (duplo, narrativa e direção de atores)
Mr. Woolf 0
Ed Harris 0
Claire Danes 0
(Ruy Gardnier)

9.3.03

O Manoel não pára! Entre as filmagens de O Princípio da Incerteza e a pré-produção de seu novo filme (Um Filme Falado, com Catherine Deneuve, previsto para estrear ao final de 2003), o português incansável levou, do alto de seus 94 anos, um curioso e corajoso desafio: dirigir seu primeiro Videoclipe. O curta-metragem musical intitulado Momento foi filmado na cidade do Porto e marca a segunda parceria entre o jovem-veterano diretor e a figura pop-bizarra de Pedro Abrunhosa (co-protagonista de A Carta). Na terrinha, o filme entrou em cartaz ao final de 2002, em 10 salas. Para matar a curiosidade, é possível solicitar o download do filme na página do cantor ou procurar pela faixa multimídia presente no CD.
(Felipe Bragança)